sábado, 15 de outubro de 2011

LANÇAMENTO do livro "MONTANISMO e os profetas catafrigas: uma análise contra-hegemônica da história do movimento montanista". (EM BREVE)

PREFÁCIO de Esequias Soares

A fé cristã sempre enfrentou desafios, tanto externos como internos. Um desses desafios que se apresentou ao longo de sua história e até hoje se faz presente é o equilíbrio entre a igreja como corpo de Cristo, habitado e vivificado pelo Espírito Santo e a igreja enquanto instituição. Muitos são os riscos que se apresentam a igreja quando ela se envereda no caminho de privilegiar apenas um desses componentes de sua vida, como fica evidente ao lançarmos nosso olhar para a história eclesiástica.
                O momento mais emblemático dessa relação tensa foi certamente o período em que a igreja geral defrontou-se com o movimento da Nova Revelação ou Nova Profecia, como se chamavam, ou Montanismo, nome dado por seus opositores. Entre tantos outros movimentos surgidos no período pós-apostólico, esse se apresentou como um retorno ao cristianismo primitivo, dirigido pelo Espírito e baseado nas Escrituras.
                Originário da Frígia, na Ásia, o movimento teve como seu líder inicial Montano, convertido do paganismo à fé cristã e que, na metade do segundo século, começou a proclamar sua experiência particular com o Espírito Santo, acompanhado posteriormente por duas mulheres Priscila (Prisca) e Maximila,  que juntamente com ele afirmavam ser usados pelo Espírito no dom carismático da profecia.
                Com uma teologia que defendia a prática da glossolalia e do profetismo, o quiliasmo ou o reino milenar em Jerusalém, a intolerância quanto às inovações doutrinárias e a uma certa insubordinação à hierarquia episcopal institucionalizada, o rigor ascético, a proibição do matrimônio e a não fuga dos martírios, foram eles alvo da condenação por parte dos bispos da  igreja geral.
                Mas o que realmente foi esse movimento?  Fruto do milenarismo asiático influenciado pelo Apocalipse? Uma tentativa de retorno à Igreja das origens, sufocada pela organização sistemática?  Um movimento político religioso das igrejas rurais contra as igrejas urbanas e seus bispos centralizadores ou uma reação do conservadorismo presente nas regiões rurais contra a modernização, ou helenização, das igrejas urbanas que vão abandonando a origem carismática?
                Buscando uma resposta ao que foi realmente a Nova Revelação ou Nova Profecia, Francisco Heládio Cunha dos Santos usa primeiramente a Bíblia como base para analisar o comportamento do movimento, bem como a sociologia e as fontes históricas disponíveis, tanto contrárias como as favoráveis a Montano e seus seguidores.
                Diante do leitor surge assim um panorama muito mais vivo e amplo desse momento histórico da igreja cristã, com sólida base bíblica e teórica: uma igreja que enfrenta um momento de institucionalização e hierarquização, com a centralização do poder nas mãos dos bispos com base na sucessão apostólica e tradição oral, vê surgir em seu seio um movimento que busca viver o cristianismo primitivo, questionando tais mudanças.
                Entre vários méritos da presente obra, temos o do autor ter escolhido um momento histórico da igreja, em especial a brasileira, muito apropriado para lançar um novo olhar sobre um dos  mais incompreendidos movimentos da igreja cristã primitiva.
                Diante do quadro hoje presente no universo evangélico brasileiro, onde vemos desde aqueles que usando como pálida desculpa uma pseudo direção do Espírito Santo se insurgem contra qualquer forma de liderança, como aqueles que buscam centralizar o poder e proíbem ou demonizam as manifestações espirituais, uma das observações feitas pelo autor é muito pertinente:

A autoridade e o carisma não poderiam caminhar isolados um do outro. São pré-requisitos para a boa ordem da comunidade a fim de que vivam em sintonia com os ideais doutrinários e devocionais. Montano não pareceu um insurgente, mas mostrou-se um crente restaurador que vivia no contexto da Igreja. Sobre ele ocorreu uma visitação espiritual com intenções de alcançar os demais cristãos, ainda que eles fossem nominais e sem a experiência pentecostal. Os bispos não o observaram sob este ângulo, antes o viram pelo viés da ameaça e desestabilização do poder. Como evidenciou-se, os bispos estavam tão afundados no racionalismo e no formalismo que a Igreja perdeu o vigor e o brilho do Cristianismo dinâmico. (p.105)

                A presente obra, rica em seu conteúdo, revela o profundo conhecimento do autor sobre o Montanismo. Trata-se de um trabalho objetivo, muito bem documentado e com fontes bem selecionadas; representa uma grande contribuição tanto para compreendermos melhor a história passada, como um alerta para avaliarmos o nosso proceder hoje como Igreja do Senhor.

Esequias Soares
Jundiaí, SP, 13 de outubro de 2011.
                                                Líder da AD em Jundiaí-SP, graduado em Letras (Hebraico) pela Universidade de São Paulo, Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, professor de Hebraico, Grego e Apologia Cristã, bem como comentarista de Lições Bíblicas (CPAD) e autor de diversos livros, entre eles Visão Panorâmica do Antigo Testamento, Heresias e Modismos, Comentário Bíblico de Oséias, Analisando o divórcio à luz da Bíblia, Manual de Apologética Cristã, Testemunhas de Jeová, e coautor de Teologia Sistemática Pentecostal, editados pela CPAD, também é presidente da Comissão de Apologética Cristã da CGADB.




APRESENTAÇÃO
O presente livro, escrito por Heládio dos Santos, tem a tarefa de procurar retratar a história do Montanismo, movimento nascido na Frígia, Ásia Menor,  por volta da segunda metade do século II, sob um outro olhar, diferente da versão que a tradição eclesiástica deu ao movimento. Trata-se, portanto, de um empreendimento ousado: o de enfrentar séculos de história da Igreja para deslegitimar (ou no mínimo duvidar) (d)a visão difamatória que recebeu o movimento cristão liderado por Montano, visão sustentada sobretudo por Eusébio de Cesaréia, na sua clássica História Eclesiástica, e depois repercutida e acolhida, sem muita contestação, até hoje pela maioria da literatura cristã que trata do assunto.
É louvável, pois, o enfrentamento do autor do livro com a tradição histórica, pela coragem de revisitar e vasculhar obras e documentos antigos e fazê-los falar noutro tom, num tom dissonante dos acordes hegemônicos da opinião geral. Desta forma, através de uma análise atenta e cuidadosa deste material, o autor se permite discordar da história oficial, apresentando um outro olhar que a história, por razões várias (e às vezes espúrias, permitam-me o trocadilho), nos negou. Heládio dos Santos, com argumentos convincentes e abalizados em autores consagrados e em textos bíblicos, mostra-nos assim que o Montanismo pode ser não somente considerado um movimento genuinamente cristão, como pode ser visto como um grupo que se mostrou como uma continuação do modelo neotestamentário de Igreja para o cristianismo do seu tempo.
Na verdade, o livro procura responder a perguntas do tipo: a quem interessa detratar o movimento e atacá-lo como seita? Na boca de quem ou em que contexto histórico-eclesiástico o Montanismo ficou conhecido sob a pecha de herético? Por que não nos darmos o direito de examinarmos mais cuidadosamente o chamado - depreciativamente pelos seus adversários - Montanismo e lançarmos um olhar sob outro viés, sob outras lentes, dando-lhe um certo crédito pela coerência de vida e de doutrina que os mentores e adeptos do Montanismo mostraram ter com o Evangelho? As razões pelas quais o Montanismo foi atacado e vilipendiado realmente se constituem, todas elas, em denúncias dignas de crédito e capazes de desabilitar sua doutrina ou mesmo servem para desconfigurar o movimento como não-cristão?
Para responder estas questões, o livro se organiza da seguinte maneira: as considerações iniciais, nas quais introdutoriamente o autor situa o leitor historicamente no movimento, apresentando-lhe os objetivos e as motivações gerais de iniciativa de escrever a obra. No capítulo 1, o autor preocupa-se em mostrar a base bíblica em que se apoiou o movimento fundado por Montano. Não  foi aleatório, portanto, a escolha da pintura da capa do livro, em que, pregando no Areópago ateniense, aparece o apóstolo Paulo, de cujo ensinamento, deixado nas cartas neotestamentárias, serviu como uma das principais referências doutrinárias de Montano. O capítulo 2 aborda o nascimento do Montanismo e as  motivações que o levaram a se insurgir contra a cristandade da época. No capítulo 3, Heládio dos Santos debruça seu olhar criterioso para investigar historicamente a figura de Tertuliano, considerado um dos pais da Igreja,  que seguiu de perto as ideias montanistas. Aqui cabe ressaltar que Tertuliano, ao longo de suas obras apologéticas, doutrinárias e, sobretudo, polêmicas, não fez menção ao montanismo como movimento herético, mesmo tendo oportunidade, como grande defensor que era da doutrina cristã lembremo-nos inclusive de que é sua a conhecida obra Prescrições contra os Hereges.  Com formação em Ciências Sociais, no capítulo 4, não poderia o autor de se eximir de algumas incursões no terreno da sociologia da religião, fazendo uma análise da ação social de linha weberiana, ainda que breve, do Montanismo, para ressaltar como se constituía o ethos e a práxis dos cristãos montanistas. Este capítulo prepara-nos para o seguinte, o capítulo 5. Neste, é dedicado à análise e à avaliação, com bases bíblicas e históricas, dos principais pontos característicos da ética e da doutrina montanistas. No capítulo 6, destaca o autor como os preceitos montanistas podem ainda servir/sobreviver  para a nossa geração. Frente a isso, cabem as perguntas: quais as ressonâncias deste movimento na atualidade? Estamos contextualmente vivendo no mesmo tempo de frieza e indiferença a um cristianismo autêntico da época de Montano/Priscila/Maximila e, por isso mesmo, desejosos de ouvir os ecos das ideias e dos ideais defendidos com tanto coragem pelos montanistas? Nas considerações finais, traz o livro breves e gerais comentários sobre o já tratado durante toda a obra, mas pontuando o valor dos ensinamentos bíblicos deixados pelos montanistas. Fechando o livro, há uma bibliografia relevante e um conjunto de sites que serviram de fontes legítimas para a produção da obra.  
O livro, ao final, parece ter cumprido a sua tarefa: fazer um balanço honesto do movimento montanista, através de uma releitura descomprometida das imposições interpretativas da história oficial.
Para encerrar esta apresentação, é preciso dizer que o livro traz uma contribuição significativa para  a literatura cristã, tanto pelo ineditismo de uma obra em português que versa, toda ela, sobre um dos movimentos mais importantes da Igreja, bem como pelo tipo inusitado de abordagem dado ao Montanismo.


João Batista Costa Gonçalves
(Doutor em Línguística, Professor Adjunto do Curso de Letras
e do Mestrado em Linguística Aplicada da Universidade
Estadual do Ceará (Uece) e Professor de Hermenêutica
Teológica do Curso de Pós-Graduação em Teologia Histórica e Dogmática)