Por Henrique Ventura
Afirmamos
que o Cristianismo é uma religião histórica porque possui um Deus que intervém
na História. Inúmeros casos nos quais Deus agiu para executar seus planos em
favor de seu povo dentro do contexto humano poderão ser elencados para
justificar nossa afirmação, inclusive, aqueles ocorridos entre os limiares históricos
dos homens.
Quando
Deus libertou Israel do cativeiro babilônico, intervindo em favor de seu povo
do Antigo Testamento, usou Ciro, o Grande, em um contexto marcado pela disputa
territorial e econômica entre impérios nos quais o mais poderoso prevalecia.
Naquele momento, o império persa possuía o exército mais eficaz da terra, sendo
capaz de subjugar qualquer inimigo sem pestanejar. Outro traço marcante das
conquistas persas era o de permitir a liberdade religiosa para os povos sob seu
domínio. Alguns historiadores afirmam que o grande império persa se constituía
de um enorme caldeirão cultural. Assim, percebemos uma intervenção de Deus
protegendo seu povo através da qual uma marca indelével de sua ação ficou registrada
na História dos homens.
Seguindo
para apogeu dos tempos, visando cumprir seu plano de salvação, Deus enviou
Cristo no momento histórico certo, ou seja, em um contexto no qual haveria todos
os elementos que possibilitaria, por exemplo, o tipo de morte capaz de causar
grande sofrimento na vítima a ponto de literalmente ser castigado no ápice da
dor e da agonia; referimo-nos à morte de cruz praticada pelo império romano à
época. Em nenhum momento da história da humanidade a morte de cruz foi tão
emblemática ao ponto de ser capaz de satisfazer as exigências do plano salvador
de Deus por meio da morte de seu filho: “Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e
moído por causa das nossas iniquidades”
(Isaías 53:5).
Após nossa contextualização, afirmamos categoricamente que
a Reforma Protestante do século de XVI representa mais uma das intervenções de
Deus na História da humanidade, seguindo o mesmo modus operandi, ou seja, valendo-se do contexto histórico para
assim permitir aos seus servos a execução do plano de Deus no campo terreno. Analisaremos
agora de que modo o contexto histórico na época da Reforma possibilitou o
movimento reformador, principalmente o luterano, na Alemanha.
O movimento Renascentista foi fundamental sob todos os
aspectos para a Reforma, pois surge como um
movimento humanista e racional no final da Idade Média, apresentando os
primeiros sinais de uma cultura laica e científica. O Protestantismo, em meio a
esse despertar cultural, promoveu uma ruptura com a cristandade daquela época,
tradicionalmente católica e espúria, isto é, em Lutero verificamos a valorização
do indivíduo e da capacidade de gestão da própria vida, estimulando a
alfabetização e educação, por exemplo. A Reforma Protestante teve um papel
importante e decisivo na mentalidade (ou redefinição dela) dos indivíduos
modernos estimulando um pensamento crítico. Sem dúvidas, a liberdade cultural
promovida pelo movimento Renascentista foi crucial para que Lutero tivesse como
elaborar sua contestação teológica aos dogmas da Igreja.
Interessante que Jan Huss antecipou várias críticas às
doutrinas e à prática da Igreja Católica que ficariam célebres com Lutero e
Calvino. No entanto, o contexto histórico no qual ele viveu a igreja católica
estava no auge do seu domínio político e cultural manifestados, em partes, por
meio da cruel inquisição. Razão pela qual o próprio Huss compreendeu que o seu
tempo não era o momento oportuno sob o ponto de vista histórico para a eclosão
de um movimento restaurador, por isso, antes de morrer e inspirado afirmou:
“Hoje vocês assam um ganso, porém daqui a cem anos cantará um cisne...”. Esse
cisne foi Lutero cujas bases no Renascimento iriam abrir caminho para a Reforma
que iniciaria no século XVI.
Quando
se estuda o período do Renascimento, geralmente, se destaca o advento de
algumas invenções: o telescópio e o relógio de precisão. Mas, uma dessas
invenções que provocaram uma verdadeira revolução no terreno da escrita e da
leitura foi a imprensa: a máquina de impressão tipográfica inventada pelo
alemão Johann Gutenberg no século XV foi um dos diferenciais do final
do Medievo. O Advento da imprensa foi fundamental para a divulgação das ideias
de Lutero e por que não dizer a principal propaganda para divulgar as ideias
reformadoras pela Europa da época? Como exemplo, citamos a Bíblia de Gutenberg (também conhecida como a Bíblia de
42 linhas) que foi aclamada pela sua alta estética e qualidade técnica.
Portanto, com a invenção da imprensa proporcionou ao movimento reformista um
amplo alcance entre as regiões nas quais ele penetrou.
Outro
fator importante foi o contexto político da época no qual o fim do Feudalismo
enfraquecia a igreja, possibilitando a muitos monarcas que tinham interesse
comum nesse sistema, via de regra descentralizado e subjugado pelas ideias da
igreja católica, fosse substituído por um novo modo de pensar a sociedade. Vale
a pena salientar que no século XVI a Alemanha ainda era uma das poucas regiões
da época que possuíam fortes resquícios do Feudalismo. Assim, a doutrina luterana
teve duplo alcance; de um lado, interessou à nobreza que viu a oportunidade de
se libertar da autoridade de Roma e de confiscar terras e bens pertencentes à
igreja. De outro lado, agradou aos camponeses que viram na divisão da igreja a
oportunidade de se livrar dos tributos devido ao clero.
Portanto,
a Reforma Protestante foi sem dúvida um grande agir de Deus na história que
proporcionou um legado riquíssimo para propagação do Evangelho. Porém, Deus o
fez no momento historicamente certo, ou seja, na plenitude de um período no
qual Lutero teria a possiblidade de usar o contexto social e cultural no qual
vivia em favor do Reino de Deus. Nosso Deus é o Deus da História governando
sobre tudo. Por isso afirmamos como Lutero
“Castelo forte é o nosso Deus. Espada e bom escudo”.
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