domingo, 10 de abril de 2011

AMBRÓSIO DE MILÃO E O SEU ENSINO

Ambrósio de Milão foi um ilustre Pai da Igreja do século IV, que tornou-se conhecido por ter evangelizado Santo Agostinho o qual, por sua vez, não cansava de fazer alusão à retórica exuberante dos sermões de Ambrósio.

Em um escrito já publicado anteriormente, procurei demonstrar que Agostinho não era um papista ou romanista, mas um verdadeiro protestante antes da Reforma. Neste artigo tentarei demonstrar que Ambrósio era igualmente um protestante, muito embora se mantivesse equivocado em alguns pontos doutrinários “periféricos”. Procuraremos, aqui, expor o pensamento ambrosiano sobre diversos pontos importantes do ensino cristão.

Ambrósio e Roma

Ambrósio viveu em um período em que a Igreja estava se aproximando do império romano através de Constantino. Foi exatamente a partir daí que a igreja de Roma começou a querer se impor sobre as igrejas apostólicas que tinham sido fundadas em outros lugares. Como Roma era a sede do Império com o qual a grande massa da cristandade estava se unindo, nada mais lógico, sob o ponto de vista político, do que a primazia da igreja instalada na sede do império. Assim, deu-se a romanização da igreja Católica (= universal) pela progressiva primazia do bispo de Roma, o qual, no século VI, se tornou o sumo pontífice da “igreja” paganizada.

Durante a Idade Média, a Igreja Romana, representada pelo seu pontífice, foi considerada tribunal de julgamento infalível no que respeitava a assuntos de fé e doutrina.

Ambrósio não era um vassalo da igreja de Roma, mas um defensor da competência do indivíduo cristão, que se baseia na Bíblia, para distinguir a verdade do erro.

“...Desejo seguir em tudo a Igreja romana, mas nós também temos razão humana. O que, em outro lugar, se observa de maneira mais correta, nós também guardamos de maneira mais correta”( SOBRE OS SACRAMENTOS, Livro III, 1: 5).

Ambrósio e a certeza de salvação

O catolicismo diz que ninguém pode afirmar que tem certeza de salvação. O Concílio de Trento, o marco da Contra-Reforma, chegou a amaldiçoar aquele que dizia ter certeza de sua salvação. Ambrósio, porém, pensou como um protestante quando disse:

“ Homem, tu não ousavas levantar o teu rosto para o céu, mas baixavas os teus olhos para a terra, e de repente recebeste a graça de Cristo e todos os teus pecados foram perdoados. De mau servidor, tu foste feito um bom filho. Portanto não confies em tua ação, mas na Graça de Cristo. ‘Fostes salvos pela graça’, diz o Apóstolo (Ef. 2:5). Não a presunção, mas a fé. Proclamar o que recebeste não é soberba, mas devoção...”(SOBRE OS SACRAMENTOS, Livro V, 4:19).

“Crê, portanto, que em virtude da fé todos os teus pecados serão perdoados. De fato, leste no Evangelho que o Senhor diz: ‘A tua fé te salvou’(Mt. 9:22; Mc 10:52; Lc 17:19)” ( EXPLICAÇÃO DO SÍMBOLO, 6).

Vê-se claramente que Ambrósio defendia a salvação pela fé.

Ambrósio e o batismo

Os católicos romanos têm citado Ambrósio e outros Pais da Igreja como defensores da doutrina da regeneração batismal, segundo a qual a água utilizada na cerimônia do batismo seria o instrumento pelo qual a pessoa se torna cristã e é vivificada espiritualmente. No entanto, é preciso que entendamos bem os escritos cristãos antigos.

Para a Igreja Primitiva, o batismo deveria ocorrer logo em seguida ao arrependimento, sendo sua expressão imediata. Assim, a pessoa era convidada a arrepender-se, submetendo-se ao batismo (Atos 2:38). O Batismo era prova e selo de arrependimento. Sob esse ponto de vista, podia-se colocar o batismo juntamente com o arrependimento antes da remissão de pecados. No entanto, o perdão de pecados decorria do arrependimento e não do batismo (Lucas 24:47; Atos 3:19). O arrependimento era para perdão de pecados e o batismo era para (evidenciar) arrependimento (Mateus 3:11).

Ambrósio ligou o batismo ao perdão de pecados, em face do arrependimento subjacente ao batismo e não em razão de um pretenso poder regenerativo das águas batismais. A sua retórica exuberante e seu estilo alegórico, reconhecidos por Santo Agostinho, fazia com que, muitas vezes, ele falasse da realidade (arrependimento) pelo símbolo (batismo)

“Todavia, para que a fraude ou as insídias do diabo não prevalecessem neste mundo, encontrou-se o batismo. Escuta o que a Escritura, ou melhor, o Filho de Deus, diz a respeito desse batismo: os fariseus, que não quiseram ser batizados com o batismo de João, desprezaram o desígnio de Deus(cf. Lc. 7:30). O batismo é, portanto, um desígnio de Deus. Quanta graça existe onde está o desígnio de Deus”(SOBRE OS SACRAMENTOS, Livro II, 6 : 18).

“Com efeito, embora aquele que vem ao batismo não confesse o pecado, entretanto, por esse próprio fato, realiza a confissão de todos os pecados, pois ele pede para ser batizado a fim de ser justificado, isto é, passar da culpa à graça”(SOBRE OS SACRAMENTOS, Livro III, 2 : 12).

“...pois para o homem cristão a fé vem em primeiro lugar. De fato, em Roma se diz que são fiéis aqueles que foram batizados e nosso pai Abraão foi justificado pela fé e não pelas obras. Recebestes o batismo e crestes.”(SOBRE OS SACRAMENTOS, Livro I, 1 : 1).

Para Ambrósio, o batismo é para os que crêem:

“...Nessa fé, morreste para o mundo, ressuscitaste para Deus, e como que sepultado naquele elemento do mundo, morto para o pecado, ressuscitaste para a vida eterna. Crê, portanto, que a água não é inútil”(SOBRE OS MISTÉRIOS 4: 21).

“Por isso leste que os três testemunhos no batismo são um só: a água, o sangue e o Espírito, porque se tiras um deles, não existe sacramento do batismo. De fato, o que é a água sem a cruz de Cristo, senão elemento comum sem nenhuma utilidade para o sacramento? ....O catécumeno também crê na cruz do Senhor Jesus....”(SOBRE OS MISTÉRIOS, 4 : 20).

Para Ambrósio, o batismo é simbólico de morte e ressureição:

“... Quando entras na água, recebes um símbolo da morte e da sepultura...”(SOBRE OS SACRAMENTOS, Livro II, 7 : 23)

“...Assim também no batismo, do momento que é imagem da morte, quando sais da água e ressurges, sem dúvida torna-se imagem da ressurreição...”(SOBRE OS SACRAMENTOS, Livro III, 1 : 2)

Para Ambrósio, o batismo é por imersão:

“Somos recebidos e imersos; depois, ressurgimos, isto é, somos ressuscitados”(SOBRE OS SACRAMENTOS, Livro III, 1 : 1).

Ambrósio e a ceia do Senhor

A Igreja Romana tem dito que Ambrósio defendeu a doutrina da transubstanciação, segundo a qual o pão e o vinho da ceia transformam-se literalmente na carne e sangue de Cristo, depois da consagração do sacerdote, tendo em vista o que ele diz em “SOBRE OS SACRAMENTOS” (4:14) :

“...depois da consagração, o pão se transforma em carne de Cristo...”

Esclarecemos, em primeiro lugar, que a “transformação” de que fala Ambrósio dá-se em virtude da PALAVRA DE DEUS, que é lida, e não em virtude das palavras do sacerdote:

“...No momento em que se realiza o venerável sacramento, o sacerdote já não usa suas próprias palavras, mas as palavras de Cristo. Portanto, é a palavra de Cristo que produz o sacramento”(SOBRE OS SACRAMENTOS, Livro IV, 4 : 14).

Na verdade a transformação de que fala Ambrósio não é literal. O que ele quer dizer é que a carne e sangue de Cristo estão presentes NA PALAVRA DE DEUS que cai sobre o pão e o vinho, meros símbolos de uma realidade que só está presente pela Palavra e para aquele que crê nela. Assim, enquanto nossa boca se alimenta do pão e do vinho, a nossa fé se alimenta da carne e sangue de Jesus pela Palavra de Deus.

“...porque é a figura do corpo e do sangue de nosso Senhor Jesus Cristo” (SOBRE OS SACRAMENTOS, Livro IV, 5 : 21)

“ ...Pedro disse : ‘Tu tens as palavras de vida, para onde irei eu longe de ti?’ (Jo 6 : 69) .Para que muitos não digam isso, sob o pretexto de certa repugnância do sangue derramado, mas para que a graça da redenção permaneça, recebes então os sacramentos de maneira simbólica; recebes, porém, a graça e a virtude da real natureza” (SOBRE OS SACRAMENTOS, Livro VI, 1 : 3) .

Nós nos alimentamos espiritualmente pela fé, e não materialmente com a boca, da carne e sangue de Jesus:

“...Cristo está nesse sacramento, porque é o corpo de Cristo. Não é, portanto, um alimento corporal, e sim espiritual. Também o apóstolo disse de sua imagem : ‘Nossos pais comeram um alimento espiritual: eles beberam uma bebida espiritual’(I Cor. 10 : 3). Com efeito, o corpo de Deus é espiritual, o corpo de Cristo é o corpo do Espírito Divino, porque Çristo é Espírito, como lemos : ‘Cristo Senhor é Espírito diante de nossa face’(Lm 4 : 20). E na epístola de Pedro temos : ‘Cristo morreu por vós’(I Pe 2 : 21)...” (SOBRE OS MISTÉRIOS, 9 : 58).

Ora, tudo o que Ambrósio cria com respeito à ceia está em plena consonância com a Segunda Confissão de Londres (1677) dos batistas ingleses que dizia que ao receber a Eucaristia, nós “espiritualmente recebemos e somos alimentados com o Cristo crucificado e todos os benefícios de sua morte: estando o corpo e o sangue de Cristo presentes para a fé dos cristãos, não de forma corporal ou carnal, mas espiritual”.

Rev. Glauco Barreira Magalhães Filho
(membro do Presbitério Anabatista da Igreja em Fortaleza)

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