segunda-feira, 25 de abril de 2011

SEPARADOS DO MUNDO

E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus (Rm 12:2).

Alguém já disse que a igreja é como um barco no mar do mundo, pois assim como o barco deve estar na água, mas ela não deve entrar no barco, o que poderia ocasionar o seu afundamento, assim também o crente está no mundo, mas não pode ser influenciado por ele.

A cultura de um povo é a projeção de seus valores sobre os objetos. Não podemos, então, esperar que uma cultura, principalmente a nossa, deixe de ser uma túnica manchada pelo pecado (Judas 23). Vivemos em meio a uma geração cuja postura ideológico-filosófica relativiza a moral, o certo e o errado, consagrando a ética subjetiva e situacional, construída existencialmente por cada um em particular. Esta falta de padrão universal de apreciação manifesta-se na arte expressionista, nas pinturas de significação obscura, em que cada um pode ver uma coisa diferente.

O homossexualismo é visto como opção de liberdade, daí a luta pelo “casamento” de gays, e o surgimento da moda que põe roupa de homem na mulher e roupa de mulher no homem, além de propagação do uso de roupas indefinidas como a saia-calça. As mulheres passam a ter cabelo curto, enquanto os homens a ter cabelo comprido.

O alcoólatra é visto apenas como um doente que precisa ser tratado e não como um pecador que precisa se arrepender para ser libertado por Deus. O homem é considerado um ser sem alma imortal, um mero produto da evolução, um amontoado de sensações e impulsos, daí porque considera-se a vida “expressiva” e sem restrições como sendo a vida feliz, o que resulta na libertinagem sexual, além do uso de roupas indecentes, músicas e danças sensuais.

As músicas mundanas, a moda, o ensino educacional, grande parte da literatura e dos programas de televisão estão afetados pelo pecado, compondo a grande estrutura maligna chamada na Bíblia de mundo (I João 5: 19). A igreja, de certo modo, deve ser uma contra-cultura, deve nadar contra a correnteza. Isso não quer dizer, entretanto, que não podemos acolher certos elementos moralmente não comprometidos de nossa cultura (I Cor. 7: 31). Isso, entretanto, não é uma sugestão para o isolamento, mas antes, é um desafio a que sejamos luminares no meio das trevas, como ovelhas no meio de lobos, tendo o viver honesto entre os gentios (I Pedro 2: 12).

Eis o que Jesus queria mostrar aos discípulos quando lavou-lhes os pés. Nós precisamos ser lavados constantemente pela Palavra de Deus, porque estamos no mundo, “pisamos e andamos na terra”, correndo o risco de ter sujo os “pés”: Disse-lhes Jesus: Aquele que está lavado não necessita de lavar senão os pés, pois no mais todo está limpo (João 13:10). Precisamos ser continuamente podados pela Palavra de Deus (João 15:2,3).

A Bíblia diz em Romanos 12:2 que não devemos nos conformar com esse mundo. O mundo está ao nosso redor como um rio de forte correnteza e tenta nos impor a sua forma, de fora para dentro, impedindo a liberdade interior. Os homens não se apercebem que os meios de comunicação e o sistema educacional lhes dita como devem viver, determina-lhes uma cosmovisão. O incrédulo, morto espiritualmente, oco por dentro, não tem outra opção senão a de seguir o que a Escritura chama de curso deste mundo (Efésios 2:1). O crente, entretanto, foi espiritualmente vivificado e tem a palavra viva de Deus dentro de si (I Pedro 1: 23). O crente, portanto, não deve se conformar com este mundo, mas deve ser transformado pela palavra interior. Ser transformado é mudar de forma, transcendendo ou transpondo a outra. O crente não foge do mundo como os monges, mas, antes, vence o mundo por sua fé ( I João 5:4, 5). Ser transformado é ser modelado de dentro para fora pela Palavra de Deus (João 7: 38) e, logo, é ser livre (II Cor. 3: 17).

O crente não deve ser formado pelos falsos valores deste mundo, embora não deixe de conhecê-los, inclusive para refutá-los. O crente deve ser moldado pela palavra interior. É a Palavra de Deus quem nos separa do mundo:

Dei-lhes a tua palavra, e o mundo os odiou, porque não são do mundo, assim como eu não sou do mundo. Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal. Não são do mundo, como eu do mundo não sou. Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a verdade (João 17:14-17).

O crente deve ser diferente do mundo e suficientemente autêntico para suportar a hostilidade dos que não temem a Deus. John Bunyan, na sua alegoria intitulada O Peregrino, registra a passagem de Cristão e Fiel pela feira das vaidades:

Primeiro, os peregrinos trajavam vestes muito diferentes daquelas usadas por qualquer um dos que negociava na feira. Por conseguinte, as pessoas da feira não tiravam os olhos deles. Alguns diziam que eram idiotas, outros que eram lunáticos mendicantes, outros ainda, bárbaros estrangeiros.

O mundo cria “máscaras” para as pessoas de tal maneira que elas valem não pelo que são, mas pela “máscara” que usam. Chamam essas “máscaras” de status social. Assim o mundo aliena as pessoas de si mesmas, escondendo-as atrás de disfarces. O mundo divide os homens. Quando nos convertemos somos espiritualmente inclusos em Cristo e dele revestidos. Apesar de termos diferentes funções no corpo de Cristo, somos todos iguais no Senhor:

Porque quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de Cristo. Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus (Gálatas 3:27,28).

Para sermos inclusos em Cristo pela fé temos que renunciar o mundo e, logo, suas divisões artificiais (Filipenses 3:4-9). Paulo adverte que não podemos andar segundo os homens (I Co 3:3). Tiago diz:

Meus irmãos, não tenhais a fé de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas. Porque, se no vosso ajuntamento entrar algum homem com anel de ouro no dedo, com trajes preciosos, e entrar também algum pobre com sórdido traje, e atentardes para o que traz o traje precioso, e lhe disserdes: Assenta-te tu aqui num lugar de honra, e disserdes ao pobre: Tu, fica aí em pé, ou assenta-te abaixo do meu estrado, porventura não fizestes distinção entre vós mesmos, e não vos fizestes juizes de maus pensamentos? Ouvi, meus amados irmãos: porventura não escolheu Deus aos pobres deste mundo para serem ricos na fé, e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam? Mas vós desonrastes o pobre. Porventura não vos oprimem os ricos, e não vos arrastam aos tribunais? Porventura não blasfemam eles o bom nome que sobre vós foi invocado? (Tiago 2:1-7)

Em Romanos 12:2, conforme já vimos, Paulo diz que não devemos nos conformar com o mundo. O versículo de número um, entretanto, fala que devemos apresentar a Deus as nossas vidas como culto verdadeiro. O texto sugere, em outras palavras, que quem se conforma ao mundo se entrega a ele e, logo, lhe presta culto, cai em idolatria. Tiago tem um raciocínio semelhante na sua epístola (Tiago 4:4-5). Ora, o modo mais evidente em se conformar com o mundo é seguir as imposições sensuais e altivas da moda. Em seu livro O Banquete, escrito em forma de diálogo, o famoso filósofo dinamarquês, Kierkegaard, traz o seguinte, no discurso de alfaiate, um personagem fictício, sobre a mulher:

...a moda é uma hipócrita exposição da indecência, autorizada porque respeita as conveniências... me sacrifico para ser o sumo sacerdote no culto desse ídolo... A mulher quer sempre estar na moda, constantemente; não pensa em outra coisa. A mulher é muito espirituosa, mas emprega tão mal o seu espírito como o filho pródigo emprega o dinheiro... nada há, por mais sagrado que lhe pareça, que não reduza às dimensões do mero enfeite de que a moda é a expressão por excelência; e não devemos estranhar que ela assim pense, porque a moda é para ela sagrada... A mulher veste-se à moda para atrair a atenção das outras mulheres, e sabe ver, num lance de olhos, se está ou não a ser observada e admirada... saiba ele (o homem) que a mulher não lhe pertence, como não pertence a outro homem qualquer; a mulher está dominada por esse fantasma que surgiu do monstruoso comércio da reflexão feminina consigo própria: a moda. A mulher deveria ser obrigada a jurar pela moda, para que os seus juramentos pudessem ser tidos por verdadeiros; porque a moda é objeto constante dos seus pensamentos, e tema que está sempre em relação com todos os outros assuntos de que se ocupe... Se alguma vez eu descobrir uma moça cuja modéstia humilde não tenha sido ainda corrompida pela indecente frequentação da sociedade feminina, farei o possível por que ela caia. Atraí-la-ei às minhas redes, e, depois de presa, levá-la-ei ao lugar de sacrifício, quero dizer à minha loja de modas... Quando ela parecer mais louca do que uma internada em hospital de alienados, ou ainda mais extravagante, a ponto de nem sequer ser admitida no hospital, então poderá sair da minha casa; está encantada; porque está encantada, nenhum homem, nenhum deus, conseguirá agora atemorizá-la; é que ela agora... está na moda... Se a mulher tudo reduziu e referiu à moda, quero eu prostituí-la graças à moda, como ela merece; não tenho tréguas, eu, alfaiate; a minha alma ferve só de pensar na minha tarefa; quero que a mulher acabe por se mostrar de brincos na ponta do nariz...

Jesus disse que tínhamos que ser como as crianças para entrar no Reino de Deus. Uma das características da criança é que ela valoriza os outros pelo que eles são, pois ela ainda não está a par das máscaras sociais (status). Quando uma criança discrimina pessoas, o faz porque foi influenciada por um adulto ou porque confunde o feio com o mau por não discernir entre a intuição ética e a intuição estética.

No livro O Pequeno Príncipe de Antoine de Saint-Exupéry está escrito:

Se lhes dou detalhes sobre o asteróide B 612 e lhes confio o seu número, é por causa das pessoas grandes. As pessoas grandes adoram os números. Quando a gente lhes fala de um novo amigo, elas jamais se informam do essencial. Não pergunta nunca: ‘Qual é o som da sua voz? Quais os brinquedos que prefere? Será que ele coleciona borboletas?’ Mas perguntam: ‘Qual a sua idade? Quantos irmãos tem ele? Quanto pesa? Quanto ganha seu pai?’ Somente então é que elas julgam conhecê-lo. Se dizemos às pessoas grandes: ‘Vi uma bela casa de tijolos cor-de-rosa, gerânios na janela, pombas no telhado...’ elas não conseguem, de modo nenhum, fazer uma idéia da casa. É preciso dizer-lhes: ‘Vi uma casa de seiscentos contos’. Então elas exclamam: ‘Que beleza!’.

São as divisões artificiais (máscaras sociais) que fazem aflorar o orgulho (“não é próprio da minha posição fazer uma atividade servil assim!”) e as lisonjas hipócritas. Como os ricos sempre tiveram uma “máscara” de elevada significação no mundo, Jesus disse que dificilmente um rico entraria no Reino de Deus, pois ele teria que renunciar o apego às riquezas.

A criança também caracteriza-se por não aceitar este mundo como real. De algum modo, ela acha que deve haver um outro mundo, daí as suas fantasias, que para ela são muito mais verdadeiras. Deve haver um outro lugar onde o mal sempre perde e o bem sempre vence. C. S. Lewis nas suas Crônicas de Nárnia fala de crianças que entraram por portais mágicos em um outro mundo (Nárnia), onde elas se tornaram príncipes e princesas e, quando elas cresceram foram para lá novamente através da morte, exceto uma que foi condenada a ser adulta para sempre (inferno). Foi aí que descobriram que a Nárnia da infância era apenas uma sombra da Nárnia real (céu). Nesta oportunidade veja o diálogo que aconteceu:

— Senhor — disse Tirian, após saudar a todos —, a não ser que eu tenha entendido mal as crônicas, deve haver mais alguém. Vossa Majestade não tem duas irmãs? Onde está a rainha Susana?

— Minha irmã Susana – respondeu Pedro, breve e gravemente — já não é mais amiga de Nárnia.

— É verdade — completou Eustáquio. — E cada vez que se tenta conversar com ela sobre Nárnia ou fazer qualquer coisa que se refira a Nárnia, ela diz: ‘Mas que memória extraordinária vocês têm! Continuam no mundo da fantasia, pensando nessas brincadeiras tolas que a gente fazia quando era criança!

— Essa Susana! — disse Jill. — Agora só pensa em ‘lingeries’, maquilagens e compromissos sociais.

Aliás, ela sempre foi louquinha para ser gente grande.

— Gente grande, pois sim! — disse Lady Polly. — Gostaria que ela crescesse de verdade. Quando estava na escola, passava o tempo todo desejando ter a idade que tem agora, e agora vai passar o resto da vida tentando ficar nessa idade. Tudo em que ela pensa é correr para atingir a idade mais boba da vida o mais depressa possível e depois para aí o máximo que puder. (A Última Batalha. Crônicas de Nárnia. Martins Fontes: São Paulo, 1997, pp. 160 e 161)

Que Deus nos faça como crianças para que herdemos o seu Reino!!

Rev. Glauco Barreira Magalhães Filho
Membro do Presbitério Anabatista da Igreja em Fortaleza

Nenhum comentário:

Postar um comentário