terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Sacrifício e oração

Em Provérbios (15:8) encontramos dois temas de grande relevância nas Escrituras: sacrifício e oração. Aparentemente duas práticas que não se relacionam. Mas, qual seria o sentido espiritual para estarem dentro de um mesmo contexto?
         Sacrifício faz menção à prática de imolação de animais, ritual cujo objetivo era transmitir a verdade de expurgação de pecados. Uma prefiguração da morte vicária de Cristo no Calvário para que houvesse a internalização dos seus efeitos e facilitasse o entendimento no momento da epifania. Portanto, há um sentido simbólico, destacado nas Escrituras como “sombras do que haveria de vir” (Cl 2:17), de modo que práticas do Antigo Testamento ilustram realidades espirituais do Novo. Para tanto, a prática do sacrifício é estrita, ou seja, nem todos poderiam realizá-lo. A razão é simples: somente aquele que estivesse convencido do seu malfeito ou que estivesse disposto a consagrar o cerimonial ao Senhor poderiam usufruir dos seus benefícios. O ímpio, termo aplicado ao que não dispõe de fé ou que despreza o propósito do sacrifício estaria privado da execução do feito, porque ao fazê-lo provocaria abominação ao Senhor. Marcel Mauss explica que o simbolismo presente no ritual confere uma ligação/comunhão entre o que consagra com aquele a quem é consagrado para que o receber e o retribuir se efetivem. No sacrifício, portanto, há uma transmissão de pecados do indivíduo para o animal (cordeiro sem mácula e sem defeito). Esse ato de oferecimento é o retribuir, porquanto se espera receber o benefício do perdão. Além disso, o feito deveria propor uma elevação do sujeito para alcançar o entendimento dos propósitos divinos. Entra em cena a oração íntima, na qual o temente, sensibilizado pela sua culpa, seria provocado a pronunciar suas súplicas ao Senhor em prol dos seus favores; é a motivação exterior e visível aplicada naquele tempo para percepção dos conceitos espirituais.
         Então, a oração é proposta como a ferramenta fundamental na relação do homem com o Sagrado. Através dela, alcança-se o intangível, por mais paradoxal que pareça. Segundo uma mentalidade humana, seria impossível a comunicação com o Senhor, mas sua permissão, tornando possível o acesso, motiva-nos à busca. Uma oração sincera, como dizia o salmista Davi, com um coração contrito e humilhado, não recusaria Deus por entender que a oração verdadeira o contenta. Ao propor o estado de contentamento, Salomão entendeu a satisfação com a qual se encontra o Senhor ao perceber a oração autêntica do crente. Essa oração não é aquela recheada de palavras belas e bonitas, bem articuladas com as devidas medições e evitação de impróperios. Uma oração decente é aquela de cunho simples, mas que exprime um sentimento franco na qual se pode confiar.
         Portanto, a relação entre sacrifício e oração é o poder de se alcançar os favores do Altíssimo. Obviamente, o sacrifício na dispensação da graça, tempo da Igreja, não exige mais os significados de outrora, figura apenas como meio de instrução para se entender as premissas veterotestamentárias. De modo que cabe à Igreja a oração intensa e oportuna, resgatando todo o seu significado e suas particularidades. “Orai sem cessar!” é a ordenação nesse momento, tempo de crises e de tribulações.
Heládio Santos
Prof. IPC


Mauss, Marcel (2003), Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac & Naify.

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