quarta-feira, 6 de março de 2019

A perseverança dos santos segundo o anabatismo


Muitas saudações apostólicas contêm verdades preciosas da doutrina de Cristo. Uma delas se encontra direcionada à Igreja de Filipos, contendo a seguinte expressão: “Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa obra aperfeiçoará até o dia de Jesus Cristo” (Filipenses 1:6). A partir dela, poderemos chegar a conclusões contundentes à luz das Escrituras para justificar aspectos de suma importância para a caminhada cristã.
Separando o objeto central do texto, no caso, “a boa obra”, deveremos procurar o significado da mesma, já que existem muitas coisas que podem ser arroladas como tal. Para tanto, percebemos que o verbo “começar” e o verbo “aperfeiçoar” exercem função primorosa para podermos identificar o sentido para o qual foram aplicados à “boa obra”, pois ambos caracterizam, respectivamente, o marco inicial (fato pretérito) e a ideia de perpetuação (futuro contínuo). Quando Jesus fez menção ao termo, expressou-se com a seguinte definição: “... a obra de Deus é esta: que creiais naquele que ele enviou” (João 6:29), exaurindo qualquer outra interpretação. Portanto, verificamos que obra é a ação de Deus sobre alguém cujas intenções voltaram-se completamente para Deus. Assim, inicia-se o processo da caminhada cristã através do dom de salvação recebido pelo regenerado. De acordo com Rienecker e Rogers, que explicitaram o significado do verbo aperfeiçoar no futuro, a continuidade desta salvação dar-se-á até o fim, cumprindo seu objetivo pleno, como também se deduz do texto, já que o mesmo fala do aperfeiçoamento até o dia de Cristo.
         O processo de aperfeiçoamento no cristão, entretanto, não se configura como uma ação unilateral, mas requer tanto uma ação de Deus, quanto uma reação do discípulo, permitindo o fluxo da graça divina para seguir até o fim. Não obstante, adversidades variadas se levantarão contra os que confessaram a Cristo, permitindo-os pelejarem contra elas a fim de alcançarem êxito sobre toda oposição. Paulo, o apóstolo, nos ensinou nestes termos e também sobre a perseverança na fé ao dizer: “Irmãos, quanto a mim, não julgo que haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão adiante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Filipenses 3:13-14). Utilizando-se de uma linguagem coerente sobre a vocação cristã, o mesmo apóstolo demonstra a necessidade de abstinência do que corruptível a fim de o cristão não perder tempo com embaraços nem ser prejudicado na peleja cristã. Aos coríntios disse: “E todo aquele que luta de tudo se abstém; eles (os que correm em vão) o fazem para alcançar uma coroa corruptível; nós, porém, uma incorruptível. Pois eu assim corro, não como a coisa incerta; assim combato, não como batendo no ar” (I Coríntios 9:25-26). A perseverança dos santos é, portanto, uma insígnia herdada da Igreja primitiva que com ousadia nunca desistiu do serviço cristão, antes inspirou seus herdeiros na mesma perspectiva.
         O Anabatismo do século XVI teve a mesma convicção doutrinária. Estavam convictos de servirem a Cristo até o fim, muito embora esse fim se apresentasse na forma de perseguição, violência ou martírio. Nestas situações, a firmeza com que enfrentaram pacificamente seus perseguidores e algozes demonstrou o nível espiritual de cada homem e mulher anabatista. Descansavam na certeza de alcançar o Reino Eterno e cultivavam a consciência de que não se perderiam no caminho, pois iriam perseverar e sobrepor-se a qualquer obstáculo. Algumas breves instruções de Hans Schlaffer revelam esse caráter entre os irmãos:

Como disse Paulo, estes são os cristãos que pensam igual a Cristo: se armam para o sofrimento, não se embaraçam nas coisas do mundo, não se envolvem nas obras das trevas, mas cumprem as obras da luz, não se envergonham de seu mestre Jesus nem de suas palavras, antes seguem as mesmas palavras (segundo a medida da graça de cada um). Por isso, Ele não se envergonhará deles diante de Deus, seu Pai celestial, e de seus anjos, como ele mesmo disse... Se alguém quiser me seguir, disse o Senhor, negue-se, tome a sua cruz diariamente e siga-me. Em suma, um cristão é um seguidor de Cristo. Isso não pode ser alterado, ainda que o mundo acabe em ruínas... Por isso, os cristãos levantam suas cabeças e esperam sua redenção com alegria. Essa redenção virá quando Cristo regressar para julgar os vivos e os mortos.

         Na instrução de Schlaffer, verifica-se um encorajamento para que todos os seus leitores anabatistas atentassem para a perseverança até o fim, uma vez que conservar a fé e a instrução bíblica na forma prescrita capacitava o seguidor a viver na certeza da vida eterna para o enfrentamento da dura caminhada. Não há, porém, a possibilidade de quebra do vínculo com Deus ao ponto de se perder tudo alcançado. Sobretudo, o fiel levaria até as últimas consequências sua profissão de fé, não se sujeitando nem às autoridades políticas, muitas vezes contrárias à Palavra, nem às religiosas cujo poder era exercido com coercitividade e força contra aqueles que não se adequaram ao dogmatismo religioso nem a subserviência estatal. Essa seria uma característica do discípulo de Cristo que observava o preceito bíblico incondicionalmente, bem como, o desvencilhamento da vida profana. O ex-padre católico e anabatista confesso soube propor com maestria o ensino objetivo ou com toda simplicidade que a pregação de Cristo exige. Provou, ainda, através de sua morte, as convicções perseverantes aludidas, não negando sua preciosa fé nem se retratando das críticas ao batismo infantil católico. Hans Schlaffer morreu queimado na estaca em 1528.   


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