sexta-feira, 16 de agosto de 2019

O espírito do culto da Igreja Primitiva

H
avia um clímax espiritual nas reuniões da comunidade de Atos dos Apóstolos. Era motivado por uma comunidade de práticas intensas da vida cristã visto terem experimentado o dom da graça e os dons do Espírito incondicionalmente e com muita liberdade, razões que nos permitem constatar o surgimento de sua potencialidade e do seu caráter promissor, ambos necessários para a consolidação e expansão do Cristianismo. Essa dinâmica não se justificava somente pelo desenvolvimento do trabalho dos doze apóstolos, mas também pela fé e convicções daqueles que se apropriaram das benesses espirituais sem, no entanto, serem identificados. Muito se falou da espiritualidade apostólica através da qual se operava grandes feitos, porém, há uma omissão intencional, já que o livro de Atos representa os dos apóstolos, da vida e do trabalho de tantos outros discípulos presentes nas reuniões de casa em casa que também serviram para dinamizar a fluência do Espírito na Igreja Primitiva. Isto, no entanto, não é desabonador. É desafiador para os atentos leitores que através de um exercício de meditação podem contemplar tantos quantos estiveram cumprindo papéis importantes, sendo instrumentos para a edificação daquela Igreja e inspirando-nos a exercer o sacerdócio universal de todos os crentes.
O espírito reinante em cada um daqueles cristãos e, consequentemente, em cada reunião nos lares era o da perseverança na doutrina, da comunhão, do partir do pão, das orações, da solidariedade, do temor individual e coletivo e da unidade cuja essência tornou aquela comunidade ideal, exatamente, em razão da prática da fé que os unia (Atos 2:44). A perseverança unânime era a argamassa daquele sólido “edifício” que tornava aquela comunidade tão atraente aos olhos dos pecadores (Atos 2:47), assim como o zelo de sempre querer praticar tudo quanto tinha recebido; por isso, na narrativa deste período da Igreja encontramos diversos relatos sobrenaturais entre eles (Atos 3:3-8, 4:4, 4:8-23, 4:33-34). Esse envolvimento com a espiritualidade cristã criou aspirações santas: despertamento para se tornarem porta vozes do Altíssimo de todo o coração, edificação da Igreja através da multiplicidade de dons e salvação dos pecadores pela pregação nos lares, lugar que se tornava solo sagrado por ocasião da invocação do Nome do Senhor (Mateus 18:20).
Aparentemente, o ambiente restrito do lar não deveria presenciar tantas operações de “pessoas estranhas”. Em razão de algumas reuniões em casa administradas pelo Senhor (Marcos 2:1-5 e Lucas 19:5-8) e com alguns ensinos que ilustravam a casa como ambiente de comunhão (Apocalipse 3:20), a Igreja não se omitiu em fazer o mesmo, entendendo e confirmando também o sentimento de partilha próprio das primeiras pregações de Cristo (Atos 4:32). A lógica era partilhar do aconchego do lar para estabelecer uma comunhão segura, tanto com Deus quanto com os demais cristãos. Um ambiente fraterno, enriquecido por tantas virtudes dos ensinos cristãos, possibilitaram a ocorrência de diversas manifestações espirituais que foram prontamente registradas para as gerações seguintes a fim de aspirarem o mesmo. O evento na casa de Cornélio (Atos 10) e as reuniões na casa de Filipe cujas filhas profetizavam (Atos 21:8-9) nos fazem sonhar com aquelas circunstâncias. Pedro e Paulo foram privilegiados porque foram surpreendidos pelos efeitos de uma reunião espiritual tremenda. Veja que eles não foram os protagonistas nos respectivos casos, mas Cornélio e sua anônima família e as filhas de Filipe que nem o nome nos foi revelado. Entretanto, nos dois casos impera a manifestação do Espírito atingindo pessoas tidas como comuns que nos trouxeram uma informação maravilhosa: Deus também opera através dos comuns, dos que não têm nenhuma vocação ministerial, dos que aspiram algo sempre novo quando a Igreja se reúne. O ensino desse importante fundamento está explicitado nas palavras de Paulo: “Porque, para com Deus, não há acepção de pessoas” (Romanos 2:11); na mesma medida que Pedro pregou: “Reconheço por verdade que Deus não faz acepção de pessoas” (Atos 10:34).
Desta forma, a percepção espiritual daquela comunidade estava aguçada pelo cumprimento das promessas de Cristo ocasionando inúmeras experiências relevantes. No contexto de Atos, quem assume papel de destaque são os apóstolos, contudo a Igreja é consequência dos feitos desses homens de Deus, tendo também papel fundamental e atuante. Mesmo que os muros de Jerusalém fossem transpostos, a dinâmica desse povo continuaria a mesma: em Samaria, na Judeia e até nos confins do mundo, como atestam as epístolas apostólicas. Em Tessalônica, o apego ao iminente retorno de Cristo gerava expectativas fundamentadas nas Escrituras de tal modo que suas convicções operavam nos que criam (I Tessalonicenses 2:13) para sentirem o gozo do Espírito (I Tessalonicenses 1:6). Em Roma, a casa de Áquila e Prisca era o lugar de comunhão no qual os discípulos afluíam para receberem instruções, usufruindo de um ambiente de inspirada santidade que atraía o vento do Santo Espírito. Áquila e Prisca eram crentes ilustres de profunda fé vinculada à sã doutrina. Foram eles que trouxeram um refinamento espiritual na vida de Apolo (Atos 18:26), homem eloquente e poderoso nas Escrituras (Atos 18:24), para que usufruísse melhor dos talentos recebidos do Senhor. Após essa koinonia, tornou-se mais veemente em suas palavras, oportunizando maiores frutos para o Reino de Deus (Atos 18:26-28).
            Verifica-se quão poderosa é arte da koinonia, pois transforma limitações em ações prodigiosas. Não restam dúvidas que a Igreja cujos pilares estão nas reuniões de casa em casa, cumprindo a plena comunhão, tendem a exercer forte papel no crescimento espiritual dos seus membros. A Igreja de Corinto, por sinal, era uma comunidade ativa. Sua membresia participava efetivamente dessas reuniões buscando sempre mais de Deus. Não é à toa sua classificação nas Escrituras de Igreja dos dons espirituais. Não que nas outras eles inexistissem, mas em razão de ser Corinto a Igreja escolhida para revelar esse conjunto carismático pela efetividade com que eram manifestados. Obviamente, a ingenuidade na condução das manifestações dos dons espirituais entre alguns também ficou evidente de modo que a instrução apostólica colocou tudo em seu devido lugar (I Coríntios 12:1). Por conseguinte, é muito importante olharmos para Corinto a fim de vermos a excelência e a preciosidade dos dons, conhecermos quais são e identificarmos sua funcionalidade para podermos exercer a busca até alcança-los. Na utilização, deveremos ser zelosos em Deus para que seja somente Ele a propor aos nossos corações sua inspirada vontade, já que “a manifestação do Espírito é dada a cada um, para o que for útil” (I Coríntios 12:7). Nesse texto, há um retorno ao que acima propomos, por isso diz que é dada a “cada um” em virtude de todo o cristão ser em potencial alguém capaz de usufruir dos dons para edificação da Igreja.
            Assim, a unidade faz toda a diferença, mesmo entre os desiguais (os desiguais não é termo que se refere a discordâncias doutrinárias, mas a personalidades diferentes). Já vimos que a Igreja Primitiva era una, tanto na comunhão como na doutrina, mesmo tendo diferenças a nível cultural (algo mais problemático para o contexto). Esse era seu diferencial. Por isso, a partir do momento que domarmos nosso coração para vivermos a plena comunhão, sem levantar queixas inconsequentes, sem tratar o irmão com indiferença, aprendendo a considera-lo em honra e respeito como Noiva de Cristo, neste momento, alcançaremos a capacidade para poder exercer toda virtude do alto de forma plena (Efésios 2:15-16). Não obstante as adversidades que se apresentem para tentar barrar-nos, impedindo temporariamente a prática devotada de comunhão, temos em Cristo a possibilidade de exercer nossa função com afinco para que a glória seja d’Ele. Para tanto, é bastante necessária a participação efetiva, em todos os sentidos, de cada membro da Igreja nas reuniões nas casas, pois é nesse lugar que a Igreja exerce seu papel em sua totalidade.   
Com estima,

Pastor Heládio Santos
Presbitério de Fortaleza

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