domingo, 1 de maio de 2011

Explicações sobre a ida de Cristo ao inferno

Após ter escrito meu artigo intitulado “Por Que Jesus Foi ao Inferno?”, a qual obteve uma incrível receptividade por parte de meus irmãos evangélicos, fui confrontado com algumas perguntas que exigiam uma resposta definitiva. Tendo um espírito pesquisador e senso da verdade, fiquei imensamente satisfeito com as indagações que me foram feitas, pois me impulsionavam a mergulhar nos desígnios divinos até onde a graça de Deus me permitiu, com a finalidade de esclarecer aos amantes da verdade. Neste artigo, portanto, transcreverei as indagações a mim feitas, bem como as respostas.

Que Deus seja glorificado ao dar através de mim o conhecimento correto a seus filhos, apesar de que eu me sinta o mais indigno de seus servos.

RECORDANDO

No artigo intitulado “Por Que Jesus Foi ao Inferno?” foi provado pela Bíblia que Jesus foi em seu espírito humano ao inferno no intervalo de tempo compreendido entre sua morte e ressurreição. Eu também mostro que Jesus não foi ao inferno para pregar, mas simplesmente para entrar e sair, dando assim prova de sua superioridade sobre as portas infernais, garantindo a nós, desta forma, através de um sinal, que Ele é poderoso para nos guardar da condenação. Jesus, também, não foi ao inferno para sofrer, como mostro com provas abundantes.

Vamos agora às indagações:

HISTÓRIA DA IGREJA

Algumas pessoas procuram negar que Cristo tenha ido ao inferno e, para isso, afirmam que os antigos cristãos não falavam sobre esse assunto. O pastor Ricardo Gondim defende a idéia de que os primitivos cristãos eram omissos nesse assunto: “No credo de Atanásio consta esta declaração que ele desceu ao inferno. Entretanto, não há qualquer referência a descida de Jesus ao inferno em nenhum dos concílios da igreja anteriores ao Concílio de Nicéia (325 AD). Esta expressão também não aparece no Concílio de Constantinopla (381 AD), e mesmo quando tardiamente passa a constar no credo de Atanásio, diz DESCENDIT AD INFERNOS, que originalmente significa que ELE DESCEU AO SUBMUNDO. Podemos dizer que os nossos pecados enviaram Cristo ao inferno, não a um lugar, e sim a um estado de sofrimento. O que Ele passou aqui na terra, culminando com sua morte e sepultura, foi verdadeiramente um inferno...” (O Evangelho da Nova Era, pg. 80).

Será que isto é verdade? Creio que não. Vejamos em itens:

O primeiro Credo a declarar que Jesus desceu ao inferno não foi um Credo redigido por um vulto designado, mas o chamado CREDO APOSTÓLICO. Esse credo apareceu aproximadamente no século II. Alguns dizem que ele foi escrito diretamente pelos apóstolos e outros que estes apenas aprovaram, mas o fato é que ele era reconhecido como substância da fé Cristã.

A ida de Cristo ao inferno não pode ser o seu estado de sofrimento da cruz, pois o Credo Apostólico falava da ida de Cristo ao inferno e, depois, do seu sepultamento (“... foi crucificado, morto e sepultado. Desceu as regiões infernais...”).

O fato de inferno significar “submundo” ou “lugar inferior” é exatamente porque nele o homem está mais distante de Deus do que quando ainda estava na terra.

O reformador João Calvino falou sobre os Pais da Igreja: “Ninguém há dos Patrícios que não registre em seus escritos a descida de Cristo às regiões infernais...” (As Institutas, Vol. II).

PARAÍSO

Alguns dizem que Jesus não foi ao inferno depois da sua morte, porque disse ao malfeitor convertido que estaria com ele, após a morte, no paraíso (Lc 23:43). Ora, nada impede que Cristo tenha ido ao paraíso e depois ao inferno.

SEM SOFRIMENTO

Alguns não conseguem entender a minha a afirmação de que Cristo tivesse ido ao inferno sem, no entanto, sofrer lá.

A Bíblia mostra que no céu existem subdivisões. No céu existem “muitas moradas” (Jo 14:2). O Apocalipse fala das almas dos mártires que foram vistas debaixo do altar do templo celestial (Ap 6:9), fala do santuário celestial e da santa cidade. Elias foi levado ao céu em corpo físico (II Re 2:11) e o corpo de Moisés também foi levado ao céu para se unir ao seu espírito (Jd 9), daí ambos terem aparecido em corpo no monte da transfiguração. Ora, eles não podem estar em um setor do céu onde a glória de Deus seja plena, pois seus corpos mortais não resistiram, antes eles terão que aparecer na terra na grande tribulação para morrer e ressuscitar em novo corpo e assim herdar a plena glória (Ap 11:4-12), pois o corpo mortal não pode herdar a visão beatífica (I Co 15:50).

Da mesma maneira que no céu, no inferno existem setores. O local onde se encontram os demônios é o “Tártaros” (grego) conforme II Pedro 2:4. O local dos ímpios, segundo o Antigo Testamento, é o Abadom.

Se no céu há um setor onde não se tem a plena visão beatífica, pois como dissemos Moisés e Elias se encontra nele, também é razoável que exista um setor no inferno onde Cristo poderia ter entrado, sem que lá o tormento o alcançasse. Moisés e Elias são vistos isoladamente de outros na presença de Deus (Ap 11:4) e Cristo entrou num setor do inferno onde os outros que lá estavam não o perceberam, isto é, todos os outros que estavam no inferno. Paulo, por exemplo, sabia tanto que havia setor no céu que ele poderia entrar com corpo mortal, que ele admitiu a possibilidade de ter sido arrebatado ao céu em corpo (II Co 12:3).

A PRESENÇA DE DEUS

Cristo na cruz aniquilou com os nossos pecados (Hb 9:26), donde se conclui que seu espírito que saiu de seu corpo após a sua morte não trazia sobre si os nossos pecados, mas antes estava “justificado” (I Tm 3:16). Partindo dessas afirmações alguém perguntou a mim se Cristo não morreu espiritualmente ao entrar no inferno, pois como alguém portaria comunhão com Deus no inferno?

À pergunta formulada eu poderia suscitar uma outra pergunta: “Como Moisés e Elias poderiam entrar no céu sem usufruir da plena glória de Deus?”. No entanto, vamos responder a pergunta com respostas positivas. Em primeiro lugar, convém dizer uma coisa que assusta alguns: Deus está presente no inferno, apenas a sua presença não é sentida lá. Isto é óbvio, pois Deus é onipresente. Deus não supervisiona apenas o céu e a terra, mas também o inferno. É pelo seu poder que alguém é lançado no inferno (Mt 10:28). Davi disse: “Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no inferno a minha cama, eis que tu ali estás também” (Sl 139:8).

Ora, a presença de Deus no inferno que não se revela aos ímpios que lá estão, foi revelada a Cristo no inferno, pois ele era justo, de modo que não morreu espiritualmente.

O inferno é um local e um estado. Jesus entrou no “inferno-local”, mas não experimentou lá o “inferno-estado”. Isso pode ser ilustrado com o batismo de João Batista: Era um batismo em água (local) e uma demonstração de arrependimento (estado). Jesus foi batizado por João com referência ao local (água), mas não com referência ao estado (arrependimento), pois não tinha de que se arrepender.

SITUAÇÃO DO INFERNO

Alguns dizem que pelo fato de Jesus ser Deus, a sua entrada no inferno transformaria este em céu. Vejamos três respostas a este argumento:

Como já dissemos, uma coisa é a presença de Deus estar no inferno, outra é ela ser sentida.

Também já falamos que Jesus entrou em um setor do inferno somente.

Por último convém lembrar que não foi o espírito divino de Cristo que entrou no inferno, mas seu espírito humano, pois como Deus ele não precisava vencer as portas do inferno que ele mesmo havia posto, daí a Bíblia dizer que foi como homem exaltado que Jesus foi proclamado Senhor do céu, da terra e até do inferno (Fl 2:9-10).

OBSERVAÇÃO I

Algumas pessoas têm dito que a palavra hebraica “sheol”, a qual aparece traduzida na maioria das vezes por “inferno”, é uma palavra que designa no Antigo Testamento um lugar não apenas de tormentos, mas também um lugar que tinha recinto de consolação para os justos. Segundo estes, portanto, os mortos iam todos para um mesmo lugar espiritual (sheol), isto é, tanto justos como injustos. Para os hereges que defendem essa tese, Jesus teria ido ao “inferno” para tirar de lá os justos e levá-los aos céus, e, após isso, somente os injustos ficaram indo ao inferno depois da morte.

A falsa teoria, acima descrita, se apóia em textos bíblicos onde os justos o incomodados pela vida terrena, desejaram ir ao SHEOL, embora os tradutores aí, não traduziram SHEOL por INFERNO, mas por SEPULTURA. Vamos à refutação da heresia:

Quando a Bíblia fala em SHEOL, este pode ter um dos seus dois sentidos: o material ou o espiritual.

SHEOL significa “lugar dos mortos”. Ora, todos sabemos que há dois tipos de morte: a física (o corpo perde o fôlego de vida) e a espiritual (O espírito humano perde a presença de Deus). Sendo assim, haverá um lugar onde se põe os mortos físicos: sepultura, pirâmides, o fundo do mar, o ventre de um animal que tenha devorado um ser humano, etc; e o lugar onde põe os mortos espirituais: o inferno.

Algumas pessoas têm dito que não aceitam que sheol possa significar sepultura em decorrência de haver uma palavra própria para sepultura no hebraico, no caso, a palavra “Queber”. Isso, no entanto, nada influi, pois o que dizemos é que SHEOL é o lugar dos mortos, onde, no caso de morte física, pode ser a sepultura ou qualquer outra coisa que receba o corpo de um morto, até mesmo o ventre de um animal devorador.

A Bíblia, porém, fala de um sheol espiritual para onde só vão os ímpios, e nunca os justos. Sobre isso, diz Hormer Duncan: “Em diversos casos é verdade que 'sheol' foi traduzido para 'inferno' quando devia ter sido traduzido para 'sepultura'” (na versão King James). Entretanto, nos outros casos, o contexto e a maneira como a palavra “sheol” foi usada na senteça, indicam claramente que se refere a um lugar de castigo e não simplesmente a “sepultura” (Testemunhas de Jeová?!, pg. 45, Imprensa Batista Regular).

Refutando aos que só conheciam o termo “sheol” no sentido de sepultura, disse João Calvino: “O que argumentam quanto ao sentido do texto, concedo ser verdadeiro: não raro se toma o INFERNO por SEPULTURA, mas duas razões se lhe contrapõem...” (As Institutas).

Portanto, quando falamos em SHEOL espiritual e depois da morte, estamos falando de um lugar apenas de tormento e que nunca recebeu um justo, a não ser Jesus, que lá entrou como vitorioso para depois sair. A Bíblia mostra que somente os ímpios irão para o SHEOL-INFERNO: Salmo 9:17; Provérbios 7:27; Provérbios 9:18; Isaías 14:15; Salmo 86:13. O SHEOL-INFERNO é um lugar de 14:15; Salmo 86:13. O SHEOL-INFERNO é um lugar de fogo e ira (Deuteronômio 32:22), bem como de angústia (Salmo 116:3; Lucas 16:23-24). Os justos do Antigo Testamento não iam ao SHEOL-INFERNO (Provérbio 23:14), mas o Seio de Abraão (Lucas 16:22) que era um local celestial (Provérbios 15:24) e oposto ao inferno (Mateus 11:23).

Jesus não foi ao inferno para tirar os justos de lá, pois estes nunca estiveram lá. Além do mais, se Jesus tivesse ido lá no inferno para tirar os justos, levando-os então ao paraíso, teríamos que afirmar que ele primeiro foi ao inferno e depois ao Paraíso de onde ele teria saído para a ressurreição. Isso levaria a Bíblia a uma contradição, pois esta ensina que primeiro Jesus foi ao Paraíso (Lucas 23:43) e depois é que ele foi ao inferno de onde saiu para a ressurreição (Romanos 10:17; Atos 2:31-32).

O versículo que diz que Jesus foi para levar cativo o cativeiro (Efésios 4:8-9) não se refere ao seio de Abraão de dentro do inferno. Primeiro, porque o Seio de Abraão, em sendo um lugar de consolação (Lucas 16:25), não pode jamais ser chamado de “cativeiro”. Segundo, porque o cativeiro ou escuridão a qual Jesus nos livrou é a escuridão do medo da morte. Jesus foi ao inferno para sair de lá em seguida, dando provas de seu poder sobre a condenação de nossos pecados. Isso nos dá a segurança de que o inferno não pode nos tragar após a morte, pois estamos seguros em Cristo, o que nos livra do cativeiro do medo: “e livrasse todos aqueles que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à escravidão.” (Hebreus 2:15).

Uma prova que o Seio de Abraão não se localizava dentro do inferno, é o fato de que os que morrem são levados para lá pelos anjos, o que importa em subida (Lucas 16:22). Já os que vão para o inferno após a morte, estes não precisam de anjos, pois eles descem sob o peso de seus pecados (Lucas 16:22-23).

Concluamos com as palavras do grande reformador João Calvino: “Outro interpretam diferentemente que Cristo haja descido às almas dos patriarcas que haviam morrido sob a lei, para que lhes levasse a proclamação da redenção consumada e as livrasse do cárcere onde mantinham encerradas. E para isto, invocam, indevidamente os testemunhos do Salmo: 'porque haverá de quebrar as portas de bronze e as trancas de ferro' (Salmo 107:16). De igual forma, de Zacarias: 'que os cativos haverá de remir do poço em que havia água' (Zacarias 9:11). Como, porém, o Salmo prediga os livramentos daqueles que, cativos em regiões longínquas, estão confinados em cadeias, Zacarias, porém, compara a calamidade babilônica a um poço ou abismo profundo e seco em que o povo havia sido lançado e ao mesmo tempo, ensine que a salvação de toda a igreja é a saída das profundezas interiores, não sei como haja acontecido que a posteridade imaginasse existir um lugar subterrâneo a que pespegou o nome de LIMBO. Mas, a despeito de que esta fábula tem grandes autores e é hoje, também seriamente defendida por muitos como a verdade, entretanto, nada é senão fábula. Ora, encerrar as almas dos mortos em um cárcere é pueril...” (As Institutas)

OBSERVAÇÃO II

Já vimos que há um “sheol” material (sepultura) e um “sheol” espiritual (inferno). Isto é perfeitamente lógico, pois também há um céu-material (firmamento) e um céu-espiritual (Paraíso).

Nós constatamos que o Seio de Abraão (local onde ficavam as almas justas do Antigo Testamento) não era um setor dentro do inferno. A Bíblia diz que Lázaro foi para o Seio de Abraão (Lucas 16:22), enquanto diz que ao mesmo tempo o rico foi para o INFERNO ou HADES (Lucas 16:23). Ora, se o Seio de Abraão se localizasse no inferno, a Bíblia tinha que dizer não que o rico foi para o inferno, mas sim, que ele foi para o setor de condenação do inferno, já que havia outro setor de consolação. A Bíblia, no entanto, opõe o inferno ao Seio de Abraão, não põe este dentro daquele.

Alguns têm dito que o Seio de Abraão não era um local celestial, afirmando que entre este e o lugar de tormentos havia um grande abismo (Lucas 16:26) e era a Terra. Ora, o céu-paraíso e o inferno são lugares de dimensão espiritual e jamais se poderia dizer que uma dimensão física (a Terra) se interpõe visivelmente entre eles.

Alguns dizem que o Seio de Abraão não era celestial porque Lázaro e Abraão foram vistos pelo rico que estava no local de tormentos. Os que assim argumentam não entendem que esta visão é uma parte da condenação dos ímpios: “Ali haverá choro e ranger de dentes quando virdes Abraão, Isaque e Jacó e todos os profetas no reino de Deus, e vós lançados fora” (Lucas 13:28).

Quanto a questão abordada no parágrafo anterior convém lembrar que a visão foi “de longe” (Lucas 16:23). Aqui importa lembrar as seguintes observações:

Não é dito que Lázaro tenha visto o inferno, mas que o rico no inferno viu a Lázaro.

Abraão também não viu o rico, mas apenas o ouviu.

Deus permitiu a Abraão ouvir ao rico, porque, sendo ele um líder no lugar de consolação (Seio de Abraão), importava a ele explicar aos condenados a sua condição condenatória (Lucas 16:24-31).

Os hereges têm também argumentado que o Seio de Abraão não era o céu, pois se o fosse dizem eles, deveria ser chamado de Seio de Jesus Cristo. Ora, o lugar de consolação estava sob a liderança de Abraão apenas até a vitória de Cristo. A promessa fora feita a Abraão até que Cristo viesse: “Ora, a Abraão e a seu descendente foram feitas as promessas, não diz: e a teus descendentes, como falando de muitos, mas como de um só: e a teu descendente, que é Cristo”(Gálatas 3:16).

OBSERVAÇÕES IMPORTANTES

As traduções da Bíblia que são mais antigas e ortodoxas, traduzem SHEOL por “sepultura” ou “inferno”, conforme se refira ao túmulo dos corpos ou ao local de tormento das almas ímpias. No entanto, aqueles que defendem que o SHEOL era um único lugar, de caráter espiritual, que recebia no Antigo Testamento tanto os justo quanto a injustos, escolheram uma tradução para defender seus interesses. No Brasil, estes hereges se apóiam na versão revisada (de acordo com os melhores textos em hebraico e grego) da Imprensa Bíblica Brasileira. Esta tradução usa o próprio original SHEOL, sem traduzi-lo por “sepultura” ou “inferno”. Os hereges costumam usá-la para mostrar que havia um tipo de SHEOL. Todavia esta versão deu um “escorrego”, provando que a heresia não pode ser sustentada. O “escorrego” foi que esta tradução traduziu SHEOL por sepultura em Jó 7:9.

Para os chamados “Pais da Igreja” ou “Antigos Doutores da Igreja”, o Seio de Abraão era um local celestial e nunca dentro do inferno ou em baixo. Para provar isso, citarei apenas um escrito de S. Agostinho(Século IV): “... ou ainda, ele está a gozar AS ALEGRIAS DO CÉU no SEIO DE ABRAÃO, ou está reduzido a desejar uma gota de água no meio das chamas eternas (Lucas 16:22).” (In Epistolam Ioannis Ad Partmos, Tractatus Decem, X, 9).

Rev.Glauco Barreira Magalhães Filho
Membro do Presbitério Anabatista da Igreja em Fortaleza

Por Que Cristo Foi ao Inferno?

Sempre foi crença da igreja cristã o fato de Cristo ter ido em espírito ao inferno, durante os três dias em que seu corpo estava na sepultura.

Henry Jacob, um pregador congregacional, no ano de 1600, foi um dos poucos que se aventurou a negar essa verdade, travando, por isso, uma controvérsia com um bispo anglicano. No entanto, a Bíblia afirma que Cristo foi ao inferno. Não podemos interpretar tal afirmação com a arbitrariedade dos testemunhas de Jeová, os quais consideram o inferno como a simples sepultura. Além do mais, os escritos cristãos falavam desse acontecimento. Até mesmo os livros apócrifos do Novo Testamento apresentados ao concílio de Nicéia, como o livro de Nicodemos, falavam sobre isso, embora apresentando exageros.

Vamos analisar, então, a razão ou o motivo da ida de Cristo ao inferno. Antes, porém, nos deteremos em interpretações erradas acerca desse fato, apresentando refutações.

Kenneth Hagin e Kenneth Copeland, os “profetas” do movimento “palavra da fé”, afirmam que a obra de Cristo não foi suficiente para expiar os nossos pecados. Daí eles deduzem que Cristo foi ao inferno para sofrer espiritualmente a fim de completar a obra da cruz, terminar a expiação:

“Lá embaixo, na masmorra do sofrimento, lá no fundo do próprio inferno, Jesus satisfez as reivindicações da justiça para todos nós...” (Kenneth Hagin, O Nome de Jesus, p.79).

“Jesus foi ao inferno para libertar a humanidade da penalidade da alta traição de Adão (...) Quando seu sangue foi vertido, ele nada alcançou (...) Jesus gastou três dias terríveis nas profundezas da terra recuperando nossos direitos para com Deus. Foi o sofrimento de Jesus no inferno que pagou a penalidade do homem e fez dele um herdeiro da vida eterna.” (Kenneth Copeland).

O ensino desses homens fere frontalmente o ensino das Escrituras. Jesus levou nossos pecados “em seu corpo sobre o madeiro” (I Pe 2:24), logo, uma vez que seu corpo foi destruído na cruz, o pecado foi aniquilado e expiado (I Pe 4:1; Hb 9:26). Jesus, em espírito, não podia ser atormentado no inferno, pois não tomou os nossos pecados sobre seu espírito, mas sobre o seu corpo, daí a Bíblia dizer que Ele foi “JUSTIFICADO EM ESPÍRITO”(I Tm 3:16). O sangue da cruz, portanto, é suficiente para a nossa redenção (Rm 3:25; I Jo 1:7; I Pe 1:18-19).

Paulo Romeiro e o Pr. Ricardo Gondim (Betesda) acertam em refutar o ensino de Hagin e Copeland, mas apresentam explicações igualmente desarmônicas com a Bíblia. Vejamos:

1. Paulo Romeiro, no seu livro “Super Crentes”, fala nas páginas 60 e 61, acerca do comentário de Valnice Milhomes (a imitadora e repassadora dos ensinos de Hagin no Brasil) sobre a morte expiatória de Jesus. Ele lembra que Valnice alega que a palavra “morte” em Isaías 53:9 aparece no original de forma pluralizada (“mortes”) e que, segundo ela, isso indicaria uma morte física (cruz) e outra espiritual (inferno) sofrida por Jesus.

Paulo Romeiro explica o erro. Ele segue a linha de McConnel afirmando que a pluralização significa não quantidade de morte, mas a intensidade de uma só. Ora, essa explicação de Paulo Romeiro pode dar subsídios às interpretações dos “testemunhas de Jeová”, pois nós, crentes evangélicos, afirmamos que há pluralidade de pessoas na divindade (Trindade), citando que a palavra “Elohim” aplicada a Deus é uma palavra pluralizada. Os TJ costumam, por sua vez, dizer que a palavra “Elohim” aparece pluralizada apenas para intensificar os atributos da divindade. Paulo Romeiro, portanto, escolheu uma interpretação que além de favorecer aos “testemunhas de Jeová”, afronta o fundamentalismo, que enfatiza o significado literal.

Não podemos violar a palavra de Deus. No original de Isaías 53:9, a palavra é “mortes”. Vejamos a razão de Jesus ter sofrido “mortes”. A primeira “morte” de Cristo não foi a cruz, mas no Getsêmane. Enquanto Jesus orava, a sua angústia era tão grande que ele começou a suar sangue (Lc 22:44). Se aquele estado se perpetuasse, ele perderia todo o seu sangue, morrendo ali. O próprio Jesus disse lá: “... a minha alma está triste até a morte” (Mc 14:34). Ele, no Getsêmane, sentiu os horrores da morte. Sua morte seria ali se não tivesse intercedido para que, se fosse possível, “o cálice passasse”. Jesus não tinha medo da morte, mas receava morrer antes da cruz, pois a morte antecipada o impediria de expiar os pecados na cruz. A Bíblia diz que Deus ouviu Jesus, enviando um anjo que o fortaleceu (Lc 22:43).

Em Hebreus 5:7, é dito: “o qual nos dias da sua carne, tendo oferecido, com grande clamor e lágrimas, orações e súplicas ao que o podia livrar da morte, e tendo sido ouvido por causa da sua reverência...”.

O que aconteceu no Getsêmane pode ser considerado uma “primeira morte” de Jesus, pois ali ele sentiu os horrores da morte e no curso natural das coisas teria sido a data de sua morte, mas Deus interveio para que isso não acontecesse. A “outra” morte foi a definitiva e concretizada na cruz do calvário.

Wim Malgo diz: “... em todas as circunstâncias, Jesus submetia-se à vontade de Deus. É o que Paulo quer dizer quando escreve aos filipenses: ‘Tornando-se obediente até a morte’, isso é Getsêmane; ‘e morte de cruz’, isso é Gólgota (Fp 2:8)” (Wim Malgo, O Que Aconteceu e Acontecerá em Breve, p. 52).

Quando a forma pluralizada para “morte” também aparece em Ezequiel 28:8 (morte dos traspassados), isso quer dizer que a pessoas sob efeito de uma só traspassada seria conduzida a morte em pouco tempo, mas recebe outras traspassadas para morrer logo, de modo que é como se fossem várias mortes, pois cada uma das lanças seria suficiente para matar.

2. O pastor Ricardo Gondim, através do texto de I Pedro 3:18-20, deduz que Cristo foi ao inferno após ter sido “vivificado pelo Espírito” (ressussitado) e com a finalidade de pregar:

A) Jesus não foi a este lugar de prisão sofrer, e sim pregar;

B) Ele não foi lá depois de morrer e sim depois de ressuscitar (Ricardo Gondim, O Evangelho da Nova Era, p. 79).

O pastor Ricardo Gondim não conseguiu perceber que o texto de I Pedro 3:18-20 não se refere de forma alguma ao inferno. Esse texto diz que Jesus foi “vivificado pelo Espírito, no qual também foi, e pregou aos espíritos em prisão”. Note pelas palavras que destaquei, que Jesus pregou aos espíritos em prisão no Espírito Santo, o qual foi o responsável pela sua ressurreição. Jesus não pregou no seu corpo, logo não foi após a ressurreição. Ele não pregou no seu próprio espírito humano, logo não foi no intervalo entre a morte e ressurreição. Pregou quando estava no Espírito Santo.

Os “espíritos em prisão” não são os que estão no inferno, pois o texto não menciona todos os ímpios, mas apenas os da época de Noé (I Pe 3:20).

O que a Bíblia quer dizer é que Cristo através do Espírito Santo esteve em Noé quando este pregou aos rebeldes da sua época quando estes ainda estavam vivos: “Desta salvação inquiriram e indagaram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que para vós era destinada. Indagando qual o tempo ou qual a ocasião que o Espírito de Cristo que estava neles...” (I Pe 1:10-11).

“... por outro lado, os espíritos em prisão referidos nessa passagem são os ímpios que viviam no tempo de Noé, cujos espíritos ou almas se achavam na escuridão da ignorância como numa prisão; Cristo pregou a eles não na carne, pois ainda não se encarnara, mas no Espírito... Esta interpretação é aceita pelo próprio Agostinho... O Espírito de Cristo estava nos profetas. Foi assim que Cristo pregou aos ímpios no tempo dos profetas, e no tempo de Noé” (Doutrinas Católicas Analisadas, Dercy de Souza Lima, p. 76 e 77).

“... A explicação deste texto é que Cristo não estava pregando a espírito desincorporados durante os três dias em que seu corpo esteve na sepultura. O Espírito de Cristo em Noé estava pregando ao povo do tempo de Noé quando este estava vivo e as pessoas estavam vivas quando ouviram a advertência, mas mortas quando Pedro escreveu a respeito delas.” (Ira T. Ransom)

Jesus não foi ao inferno para pregar, pois lá não há pregação: “Será anunciada a tua benignidade na sepultura, ou a tua fidelidade no Abismo (Abadom)?” (Sl 88:11)

Jesus esteve no inferno no período entre sua morte e ressurreição. Enquanto o seu corpo estava ameaçado de corrupção na sepultura, a sua alma foi ao inferno (Hades): “Prevendo isto, Davi falou da ressurreição de Cristo, que a sua alma não foi deixada no inferno (Hades), nem sua carne viu corrupção” (At 2:31).

“Ou: Quem descerá ao abismo? (Isto é, a tornar trazer dentre os mortos a Cristo) (Rm 10:7). “Ora, isto ¬– ele subiu – que é, senão também antes tinha descido às partes mais baixas da terra?” (Ef 4:9).

O QUE JESUS FOI FAZER NO INFERNO?

Creio que a presença de Cristo não foi percebida no inferno pelos que lá sofriam, pois, se assim o fosse, naquele momento o inferno seria céu.

Cristo foi ao inferno para nos dar um sinal da sua vitória. O inferno é lugar da condenação irrevogável. Quem entrou lá jamais saiu. Até os demônios de lá que serão soltos durante a grande tribulação pelo diabo, só terão essa oportunidade porque Cristo dará ao diabo por curto período a chave do inferno (Ap 9:1).

A Bíblia fala sobre o poder das portas infernais: “Ele encerra na prisão, e não se pode abrir” (Jó 12:14).

Cristo entrou no inferno não para sofrer, mas apenas para entrar e sair, dando assim prova do seu poder e da sua vitória sobre a condenação decorrente dos nossos pecados. Ele queria nos deixar seguros de que era poderoso para nos guardar da força condenatória. Ele queria dar um sinal da sua promessa à Igreja: “pois... sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno (Hades) não prevalecerão contra ela” (Mt 16:18).

Jesus foi o único homem que venceu o inferno. O único que pode dizer: “... tenho as chaves da morte e do inferno (Hades)” (Ap 1:18).

Rev. Glauco Barreira Magalhães Filho
Membro do Presbitério Anabatista da igreja em Fortaleza

Uma crítica ao culto moderno

A maioria das igrejas evangélicas se encontra atualmente diante de uma situação embaraçosa. No contexto geral, foram sérias e decentes, há alguns anos atrás, preocupavam-se com a prática e defesa dos bons costumes e da modéstia. Na presente época, encontram-se influenciadas pelas práticas modernistas, pelo que, muitas das tais, têm difamado a postura bíblica.

Alguns movimentos, que aqui prefiro chamar de frenéticos, têm trabalhado com intuito apenas quantitativo, abrindo as portas de seus templos para atrair a atenção de muitos através de festividades similares àquelas do mundo. Se observarmos pormenorizadamente isto, evidenciaremos uma profunda falta de sensibilidade ao compromisso bíblico.

Seus líderes têm interpretado os fundamentos da fé cristã pela mera racionalização hodierna. Além disto, criaram um ambiente de pura vaidade, tornando-se mais parecidas com uma boate e teatro mundano do que com um templo religioso, onde Deus deveria habitar com o seu povo. Desta maneira, o culto foi descaracterizado, suscitando-nos, assim, a discorrer sobre essa questão.

O culto é uma expressão veraz de fé. Essencialmente é uma atividade particular e congregacional de honra, respeito, submissão, reconhecimento e tributo a Deus. Nele estão concentradas a idéia da oração, adoração, pregação e outras manifestações espirituais pautadas nas Escrituras. Tal expectativa envolve-nos intimamente para traduzirmos um amor profundo a Deus.

As experiências que ocorrerão em face disto produzirão efeitos expressivos na caminhada de qualquer cristão. Serão tão significativas que poderemos constatar esta comunhão externada na vida de todo aquele que é um fidedigno adorador.

A habilidade e a destreza adquiridas com o exercício desta arte privilegiada resultará em vivências concretas de santidade e fé que serão transmitidas, ainda mais, pelos atos de reconhecimento à Majestade Divina.

No culto, geralmente, adotamos uma liturgia eclesiástica que tem sido seguida há tempos.

Inicialmente vem a oração. Oramos para pedir a presença de Deus no meio da congregação, para que nos oriente pelo seu Espírito a contemplarmos unicamente a pessoa de Cristo. Oramos para sermos esvaziados de nós mesmos e cheios de Deus. Oramos para que pessoas possam ser libertas do pecado e abandonem seus vícios. Oramos e confessamos nossos pecados para sermos curados e perdoados por Deus.

Os cânticos, em seguida, com a ajuda dos instrumentos, ajudam a elevar nossa alma até Deus e incentivam o louvor e a adoração. Martinho Lutero que fora também compositor e musicista dizia:

“A música é a arte dos profetas, é a única arte, além da teologia, que tem o poder de acalmar as agitações da alma e afugentar o demônio”.

Entretanto, neste ponto, muitos têm se confundido achando que só podem adorar a Deus à base da melodia dos instrumentos. Vejamos alguns textos bíblicos que provam o contrário:

E sucedeu que, ouvindo Gideão..., adorou (Jz 7:15a)

E, eis que veio um leproso, e o adorou, dizendo: Senhor... (Mt 8:2)

A adoração é fruto do reconhecimento dos feitos de Deus e de sua própria pessoa. Por ela somos inflamados a glorificar o seu Santo Nome. Se não houver tamanha compreensão e fundamentação bíblica, o culto prestado nunca chegará diante do trono de Deus, antes, será dissipado.

O culto autêntico necessita de conteúdo. Jesus assegurou-nos quanto a este princípio: “Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem”(Jo 4:23). Ressaltamos, ainda, que o ato de adoração caracteriza-se, principalmente, por ser este um reconhecimento da grandeza de Deus em todas as coisas, por aquilo que já existe ou pode vir a existir. No Salmo 145:3, o salmista entoa: “Grande é o Senhor, e muito digno de louvor, e a sua grandeza é inescrutável”. A adoração focaliza a dignidade divina, por seu posto eminente, a beleza de sua santidade, por sua autoridade moral e a perfeição do seu caráter, pela pureza do seu ser.

No serviço cristão ela deve estar no âmago da alma para que sirvamos ao Senhor convenientemente. O fato seguinte ratifica exatamente nosso parecer: o general William Booth, fundador do Exército da Salvação, quando inquirido certa vez, sobre seu grandioso sucesso evangelístico na Inglaterra, hesitou um instante e, com os olhos repletos de lágrimas, respondeu: “Eu compartilharei o segredo. Deus tem se apoderado de tudo que há em mim. Podem ter havido homens com maiores oportunidades, mas desde o dia em que os pobres de Londres dominaram meu coração e ganhei uma visão daquilo que Jesus Cristo podia fazer, determinei que Deus teria tudo do que houvesse em William Booth. Se há algum poder no Exército da Salvação, hoje, é porque Deus tem recebido toda a adoração do meu coração, todo o poder da minha vontade e toda a influência da minha vida”.

O selo distintivo do sacerdócio cristão concretiza-se também nesta área espiritual de nossa vida. Nunca pode ser limitado a alguns poucos homens, como julgam os católicos, mas efetiva-se em todos os crentes. Além disso, nenhum evangélico poderá manipulá-lo, constituindo-se ministro de louvor e adoração, e que fora assim vocacionado segundo um chamado específico de Deus (temos visto muitos homens e mulheres proclamando o tal ministério). Denominar adoração como um dom ministerial é acrescentar algo à Bíblia.

E para agravar ainda mais esta situação, criaram as danças. Entretanto, não se adora a Deus desta forma absurda. Este mecanismo tem dissimulado a verdadeira atitude do coração destes que estão sonhando, ainda que de longe, com as badaladas mundanas. Dançam pela satisfação própria e porque não abandonaram o mundo. Elas não enxergam que com isto facilitam a entrada das concupiscências carnais dentro das Igrejas. Tornam-se perfeitos infiéis: “E que concórdia há entre Cristo e Belial? Ou que parte tem o fiel com o infiel?” (II Co 6:15).

João Calvino, em carta ao rei da Polônia, Sisgismundo Augustus, fazendo referência aos problemas do culto de seu tempo, até parecia profetizar acerca do nosso:

“...Vós percebeis que o culto divino foi corrompido e deformado, visto que inúmeras superstições sutilmente tomou seu lugar; que a graça de Cristo tem sido indignamente inundada por grandes trevas; que o poder de sua morte tem sido destruído; que ele mesmo tem sido rasgado e feito em pedaços; que a segurança da salvação tem sido subvertida; que as consciências têm sido miserável e horrivelmente dilaceradas e atormentadas; que os homens, em sua miséria, têm sido desviados da genuína e sincera adoração que pertence tão- somente a Deus, para todo gênero de intrincados labirintos...”

A pregação da Palavra de Deus, que deveria ser transmitida por seu ministro, tem sido esquecida cada vez mais, e ao invés disto, prosseguem com suas músicas irreverentes celebrando um culto falso a Deus. Após os cânticos, que deveriam ser espirituais, o povo deveria estar contrito e sedento pela Palavra, mas ouso dizer que estes tais não gostam da pregação. Se ouvem, preferem ficar com uma mensagem superficial ao invés de se aprofundarem nas riquezas celestiais.

A Palavra é o alimento para o crente não se deixar turbar pela lida. Ela vivifica o espírito, anima a alma e purifica o corpo. Por ela somos lapidados para termos um teor de vida mais apurado, aprimorado, correto. Não a adulteramos ardilosamente, pois queremos o reconhecimento de Deus, para isso somos incentivados. Enquanto alguns deixam de lado tão notável verdade, faço minha as palavras de Paulo: “Porque nós não somos falsificadores da Palavra de Deus, como tantos outros; mas é com sinceridade, é da parte de Deus e na presença do próprio Deus que, em Cristo, falamos.”(II Co 2:17).

Bem, meus amigos, infelizmente a comunidade evangélica tem sido seduzida por esta prática de culto. Um ministro puritano do passado chamado Richard Greenham, certa vez declarou: “Quanto mais cerimônias, menos verdade” (Citado por Leland Ryken, Santos no Mundo, p.131), aludindo ao desvirtuamento do culto. Até parece mais uma profecia para hoje. Esta sedução pelos palanques e tribunas é um instrumento maligno para transviar a ordem do culto. Aliás, a palavra sedução vem do latim sudecere e possui uma conotação terrivelmente negativa. Literalmente ela significa “levar para o lado” implicando no distanciamento de uma coisa boa e correta para algo vil e inferior. Oremos, então, pois só Deus poderá reverter este quadro.

Pastor Heládio Santos
Membro do Presbitério Anabatista da Igreja em Fortaleza

Considerações sobre a Igreja e o Estado

Foi numa desalentada investida contra o curso natural das coisas que o homem conquistou sua independência. Na ocasião, ou na época após a sua criação, ele pensou de forma equivocada em tomar suas próprias decisões e, iludido por palavras tentadoras agiu, sem perceber as muitas dissonâncias que ocorreriam por causa do seu ato. Por certo, tamanha individualidade compeliu contra a vontade de Deus e a relação existente entre homem e Deus foi quebrada, tendo que ser reestruturada em seguida.

Alguns anos se passaram e um outro problema agravou ainda mais aquela situação. Sob o mesmo grito de independência e à semelhança do que diria um certo filósofo anos após aquele período, quando afirmou: “Tomemos o governo da vida e remodelemo-lo”, os homens fundiram suas idéias inovando e estabelecendo um sistema social e político. Este momento é comprovado quando da construção de Babel e na distribuição do povo pela terra, constantes nos registros de Gênesis 10 e 11. As conclusões e decisões que ali chegaram culminaram naquilo que denominamos ser hoje o Estado.

Nesta ocasião, os homens se reuniam para diálogos e conversas sobre assuntos vãos desaprovados pelo Senhor Deus. Na verdade, Deus viu que eles planejavam algo extremamente indesculpável perante sua pessoa (Gn 11:6). O Senhor via neles a falta de fé nas suas promessas (Gn 9:8-16) e não tardou em tomar uma decisão que alterasse aquele quadro.

Um único idioma existia até aquele momento, tornando livre e possível qualquer colóquio. Mas após tal movimento rebelde, Deus distribuiu outros idiomas entre os homens ficando sem se entenderem (Gn 11:7). Eles mesmos, diante da reprovação do Senhor, acarretaram aquela miscelânea.

Após aquele tumulto, Deus “os dispersou dali pela superfície da terra” (Gn 11:8a) e deu a eles sua parte na herança (Dt 32:8), exatamente resultando naquilo que eles mais temiam. Consequentemente, o medo latente tornou-se evidente. Daí, terem começado a constituírem suas sociedades buscando apoio entre si. Uma explicação a este fenômeno foi dada da seguinte maneira:

“O que dá nascimento a uma cidade disse eu é, creio, a impotência de cada indivíduo de bastar-se a si próprio e à sua necessidade de uma multidão de coisas; ou pensas existir outra causa qualquer na origem de uma cidade?”
(Diálogo de Sócrates e Adimanto, em A República, de Platão)

Apesar disto, ao examinarmos o livro de Gênesis chegamos a conclusão de que o separatismo ocorrido não estava nas intenções de Deus.

Partindo do princípio, encontramos um só casal, de quem todos nós viemos a existir. Daí concluímos que temos a mesma origem, o que tornaria inviável qualquer separação. Por quê? Devido a primeira causa determinar uniformidade para aquilo que Adão e seus descendentes fariam e teriam (Gn 1:28). Eles tinham ao seu dispor a estrutura para formar uma comunidade unificada atribuindo honras e glórias a Deus, entretanto não foram sensíveis aos interesses divinos. Complementando a proposição, nunca se ouviu de Deus prédica alguma sobre um movimento separatista na humanidade. A ambição do gênero humano pós-pecado é que culminou na situação atual. Mas Deus, em sua soberania permitiu que acontecesse tal revolução para provar ao homem a sua incapacidade, ocultada pelo seu desejo egoísta de glória. O governo de Saul em Israel pode ser destacado como um dentre os muitos fatos ocorridos entre as nações que evidenciaram tal efeito (I Sm 13:9-14).

Mas, com o advento estatal e a estabilização dos povos, que se ocuparam com os anseios da vida patriótica, veio a necessidade de se normatizar os deveres de cada indivíduo em relação a sociedade, com o objetivo de promover a soberania do Estado, a ordem e a decência, limitando-se a um determinado território. Porém, apesar de todo o esforço empregado pelas autoridades competentes, sabemos que não é nada fácil policiar e disciplinar os cidadãos. Não só pelo fato de haver falta de conscientização, mas também pela conjuntura estabelecida não ter os verdadeiros fundamentos.

Aristóteles, um dos maiores pensadores da história, discursou sobre alguns aspectos deste assunto, afirmando o seguinte em sua obra intitulada Política:

“Para a administração conveniente da justiça e a distribuição da autoridade é necessário que os cidadãos se conheçam uns aos outros; onde não for assim, muitos erros e males resultarão, tanto no uso da autoridade como na distribuição da justiça; não podemos decidir arbitrariamente como será o caso com a população excessiva...”

Diante de tamanha expressão filosófica não podemos deixar de dizer que segundo o curso do mundo esta metodologia está bem pautada e é de grande relevância. Sem dúvida! Porém, isto é a tentativa de se tapar um erro humano.

Ora, certamente a separação mencionada acima provocou muitos efeitos danosos e alguns tão grandes que ninguém imaginaria. Na verdade, o orgulho do homem despontado desde a sua queda está cada dia mais aguçado. Isto culminou substancialmente para que houvesse conflitos internos e externos nas nações. Na Antigüidade, pelo fato dos povos estarem descobrindo novos horizontes e alastrando seus impérios, o Estado também se preocupou com a arregimentação de homens para confrontos e batalhas. Tal organização marcou profundamente a história das nações, inclusive a hebraica.

Por volta do ano 1020 a.C., quando foi estabelecido o reino de Israel e sucessivamente reinaram Saul, Davi e Salomão, sob o descontentamento de Deus dita ao profeta Samuel (I Sm 8:6-7), grandes oscilações marcaram aqueles 100 anos seguintes até chegar ao ano 929 a.C., quando o poder foi divido entre Samaria e Jerusalém. O reino de Israel (10 tribos) chamado também Reino da Samaria (nome da capital), foi conquistado pelos ninivitas em 722 a.C. O da Judéia (tribo de Judá), com capital em Jerusalém, foi tomado pelos babilônios em 587 a.C. Além disso, alguns críticos, cheios de ceticismo, escreveram que no tempo dos juizes os israelitas viveram “um melancólico catálogo de derrotas, os hebreus perderam a coragem, desertaram do culto ao seu próprio Deus, Jeová, e adoram Baal e Ashtaroth...” (História Universal, H.G. Wells, Volume III, pg. 266)

A ideologia predominante entre os judeus nesta fase periclitante de sua história política e, sobretudo, depois da queda do seu reino em 587 a.C., era que ao Messias prometido caberia restabelecer sua independência. Este pensamento do indivíduo governar o todo estava uniformizado com o ensinamento que viria marcar outra época posterior àquela. Sócrates, filósofo ateniense, acreditava que seria melhor para o Estado ser governado por uma só pessoa, que ele qualificava como “aquele que sabe”. Entretanto, sabemos que o Reino de Deus regido por Jesus, não vinha com aparência exterior, equipado com recursos estatais igualando-se aos demais povos. Viria, sim, com uma aparência interior objetivando alterar os propósitos dos corações dos homens (Lc 17:20-21).

Muitos anos se passaram até as vésperas do fim da Idade Moderna, sem muitas distinções dos relatos anteriores. Neste período encontramos muitas revoluções que ocorreriam em diferentes partes do mundo. E por mais que tenham sido violentas e sangrentas, alguém disse, em uma delas, uma coisa extremamente lúcida, moderada e correta. Winstanley, o principal líder do movimento denominado diggers (escavadores) na Inglaterra, afirmou:

“A propriedade (...) divide o mundo inteiro em partes e é a causa de todas as guerras e derramamento de sangue e contendas por todo lado (...) Quando a terra voltar a ser um tesouro comum, como deve ser (...) então a animosidade existente em todos os países chegará ao fim.”

A Igreja

A Igreja, ao contrário do Estado, é a concretização daquilo que Deus previa para a humanidade. Ela, como corpo místico de Jesus, encontra-se espalhada pelos quatro cantos da terra desconsiderando qualquer fronteira. É uma instituição divina que ninguém pode destruir, “Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela...” (Mt 16:18).

A Igreja nasceu no dia de Pentecostes, notabilizando na história um impacto que marcaria muitas vidas. O termo grego para Igreja, ekklesía, aparece nos capítulos 16 e 18 de Mateus. Esse termo quer dizer “grupo chamado”. Acreditamos que estes, de quem fala os textos do Evangelho, referem-se a todos quantos foram resgatados do lamaçal do pecado, purificados pelo sangue de Jesus e hoje vivem em novidade de vida. A comunidade capaz de viver em comunhão com Deus, por intermediação de seu Filho Jesus, também pode ser chamada de os Eleitos de Deus (Eleição Condicional).

Fomos chamados para sairmos deste padrão ocasionado pela desobediência do primeiro homem, porém, fazemos parte do convívio comum independentemente de religião ou raça. Isto não quer dizer que devemos agir como todos. Devemos cumprir os deveres ordenados pelas autoridades competentes, sim, mas até ao limite de não ferirmos os preceitos divinos (Mt 17:24-27). Devemos agir por fé, e a fé não se limita as parametrizações do mundo. Por ela enxergamos “além mar”, ou seja, contemplamos as promessas da Bíblia encontrando forma e tornando iminente o grande dia da redenção total.

A Igreja deve ter um governo congregacional, não político, em que todos os crentes devem externar suas opiniões. Através do voto ela elege seus pastores, mestres, evangelistas e diáconos (somente estes mistérios e ofícios bíblicos vigoram para a Igreja hoje, já que os apóstolos e profetas serviram como alicerce) (At 6:2-6 e At 14:21-23). Quanto à administração dos bens, ela deve expressar seu ponto de vista também. A Igreja não deve ser dominada por um homem e sim, governada por uma comunidade de crentes local. Ela deve tomar todas as suas decisões inspirada e em comunhão com Deus com jejuns e orações (At 13:1-3).

A Igreja deve submissão a Cristo, fazendo sempre o que está determinado para ela (Ef 5:24). Nunca deve acrescentar à sua vida diária coisas que não foram ensinadas. A Igreja não deve criar novas formas de culto, inserindo, por exemplo, danças e músicas mundanas nas celebrações a Deus (I Co 4:6). A Igreja deve ter um padrão de vida inspirada na Bíblia, com os crentes vivendo em moderação, seriedade, sem envolvimento com o mundo e anunciando a Palavra com um testemunho sólido de fé.

Igreja e Estado

Em decorrência disto, perguntamos: Qual seria a relação entre Igreja e Estado? Na verdade, nenhuma! Uma coisa está desassociada da outra. Uma faz-nos olhar para o reino do mundo, enquanto que a outra nos eleva ao reino de Cristo.

O escritor de Hebreus, iluminado pelo Santo Espírito, ensina-nos nesta epístola acerca da esperança cristã, que nos impulsiona a buscar a pátria vindoura não considerando a presente permanente (Hb 13:14). Mesmo os crentes do Antigo Testamento tinham esta visão espiritual e confessavam que eram “estrangeiros” (Hb 11:13-16). O termo “estrangeiro” ali empregado realça com grande qualidade nossa intenção de mostrar que a verdadeira Igreja não compactua com as formalidades do Estado. Ela vive assim como viveu Abraão “...peregrinando na terra da promessa, como em terra alheia...”(Hb 11:9). Pedro intitula-nos forasteiros e peregrinos (I Pe 2:11), fazendo questão também de dizer que devemos respeitar todas as autoridades, entretanto, dar-nos a entender que não devemos nos juntar a elas (I Pe 2:11-17). Jesus ensinou esta distinção afirmando: “...Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.”(Mt 22:21). Acerca do seu reino falou: “O meu reino não é deste mundo...” (Jo 18:36). Sendo assim, o nosso também não! Por isso afirmam as Escrituras: “... mas porque não sois do mundo, antes eu vos escolhi do mundo...” (Jo 15:19). Desta maneira podemos ter a certeza que “... a nossa pátria está nos céus, de onde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo” (Fl 3:20).

Apesar das admoestações apostólicas, a Igreja do século IV passou por um esfriamento tal que suas vistas ficaram enevoadas e atraídas pelas seduções do poder. A narrativa seguinte complementa nossa opinião:

“Mas não demorou muito para que a antiga conduta de Israel ressurgisse na Igreja. Em torno de 300 d.C., a Igreja e o Estado uniram forças, nos dias do imperador Constantino. Constantino foi um político astuto. Tem-se dito que ele não era uma alma perturbada, e, sim, um político perturbado. Constantino estava a caminho de conquistar o trono do império romano quando teria tido uma visão de uma cruz, no céu. De acordo com essa estória, ele teria ouvido uma voz que dizia: 'Com este sinal, vencerás'. Constantino via o Cristianismo como um trampolim para ele dominar o mundo.

A Igreja e o Estado casaram-se de maneira similar ao que sucedera em Israel, quando os filhos de Israel pediram um rei. Fazendo um retrospecto, Constantino foi o motivo da queda da Igreja, e não da glória da Igreja! Dos dias de Constantino em diante, Igreja e Estado passaram a andar de mãos dadas. No começo de sua história, a Igreja era oprimida pelo Estado; mas a partir de Constantino, o Estado passou a usar o seu poder para oprimir aos que não eram cristãos.” (Uma Terceira Opção, Paul M. Lederach, págs. 47 e 48).

Os donatistas, da época de Agostinho, grande teólogo do passado, e que guardaram a doutrina dos apóstolos e profetas, criam que a Igreja era composta por um pequeno grupo de salvos, tirados de uma geração pecaminosa e pervertida. Eles criam que uma Igreja que abarcasse todos os cidadãos do império, com seus costumes e práticas, não poderia ser a Igreja de Jesus.

Como conseqüências do matrimônio efetivado entre Igreja e Estado evidenciamos a evaporação do conceito da graça, a corrupção de líderes tornando-os imorais e o paganismo religioso. O misticismo e a feitiçaria derrubaram as colunas que sustentavam aquela Igreja (hoje, aquelas Igrejas que fizeram as mesmas coisas acabarão como aquela). Outro conceito, o da não-resistência e do pacifismo, caiu por terra. Não havia mais a necessidade de arrependimento e nem de se ganhar outros para Cristo em missões. Porém, Deus não perdeu! Alguns historiadores afirmam que muitos grupos discordantes daquelas práticas fugiram ante este relacionamento e diante das duras perseguições. Guardaram a fé e conservaram os ensinos apostólicos, sim, desde os tempos primitivos da Igreja um remanescente fiel sempre guardou a Sã Doutrina.

A Igreja peregrina aguarda a volta de Jesus para consumar o verdadeiro matrimônio. As bodas do Cordeiro será uma festividade como nunca se viu, onde, somente aqueles que conservaram o azeite na lâmpada poderão entrar. O mundo continuará a mercê da fome, da discriminação social e de tantos outros males que serão manchetes em várias partes. Nem mesmo um crente é capaz de alterar este quadro! O que sobrevirá será apenas a conseqüência do governo do homem: "SABE, porém, isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos. Porque haverá homens amantes de si mesmos, avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães, ingratos, profanos, sem afeto natural, irreconciliáveis, caluniadores, incontinentes, cruéis, sem amor para com os bons, traidores, obstinados, orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos de Deus," (II Tm 3:1-4).

Pastor Heládio Santos
Membro do Presbitério Anabatista em Fortaleza

Os métodos anticonceptivos artificiais e a posição anabatista

O surgimento da pílula para impedir a concepção, bem como a existência da cirurgia de ligação de trompas para fazer findar a fertilidade são coisas recentes. Conhecer os efeitos dessas duas invenções é o primeiro passo para determinarmos a origem espiritual de ambas.

Até o início do século XX, era expectativa da sociedade que a mulher se preservasse casta do ponto de vista sexual para o casamento. Nos círculos cristãos, a mesma coisa era esperada dos homens. Naquela época, a linguagem vulgar, a prostituição infantil, o homossexualismo, a pedofilia e demais formas de perversões morais não aconteciam com tanta constância e evidência como se vê hoje, e os meios de comunicação não promoviam os desvios éticos que atualmente são estimulados. A família, então, era vista como a célula mater da sociedade, enquanto o casamento era apresentado como uma instituição divina a ser preservada com temor e tremor, e não como um mero contrato baseado numa reciprocidade egoísta de expectativas.

Muitos fatores contribuíram para desestruturar essa sociedade. Os principais são estes que passamos a apontar:

A religião foi perdendo a sua influência na vida comunitária em razão da descrença promovida pelo cientificismo que entronizou a falsa ciência (evolucionismo, freudianismo, etc) como uma verdadeira deusa.

A expectativa de se obter uma vida cada vez mais confortável através das descobertas científicas mudou a visão de mundo de muitas pessoas, fazendo com que as mesmas deixassem de ver a vida à luz do dever para vê-la à luz do prazer, caindo, assim, no hedonismo.

O surgimento do materialismo de todas as formas, bem como do pragmatismo colocaram em questão os valores absolutos e a vida eterna.

O movimento feminista deturpou a noção da verdadeira libertação de que carecia a mulher. Em lugar de exigir a fidelidade e castidade masculina, esse movimento incentivou a fornicação e o adultério feminino. O lesbianismo foi estimulado como forma de a mulher provar que podia viver autonomamente. Também houve a defesa do aborto, com manifesto desprezo pela vida e pela maternidade.

A pílula anticoncepcional surge em meio ao contexto de desestruturação da sociedade e ligado a todos esses fatores acima mencionados. Ela é fruto de um cientificismo ilimitado, o qual pretende fazer do homem um ser que manipula a natureza como quem brinca de ser Deus. É inspirada na filosofia materialista. Objetiva a promoção do prazer sem responsabilidade. É o instrumento que vai difundir a promiscuidade entre os jovens, tirar o compromisso do amor, além de fazer com que as mulheres percam a consideração pela maternidade, a ponto de, numa questão de tempo, o aborto não lhes ser mais tão abominável. Aqui, o homem quer usurpar o lugar do criador, violar regras morais sem sofrer conseqüências, e converter bênçãos (concepção, fertilidade) em inconveniências.

A partir da pílula anticoncepcional surgiu o desejo de clonar o homem, de fazer inseminação artificial, de alugar o ventre, de fazer manipulação genética. Agora, os pais querem ter o direito de escolher o sexo dos filhos, assim como a cor dos olhos etc. O ser humano se torna uma massa manipulável, um objeto, uma mercadoria...

A cirurgia de ligação de trompas, por outro lado, consiste num aleijamento voluntário. Aqui, o homem ignora que é alma e corpo, ou seja, que seu corpo integra a sua personalidade. O corpo, dentro dessa nova conjuntura, é visto como uma coisa que pode ser feita e refeita. Vale a pena lembrar à presente geração as palavras divinas:

Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim?(Rom. 9: 20)

Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá. (I Cor. 3:17)

Ou não sabeis vós que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo... (I Cor. 6:19)

Não sabeis vós que vossos corpos são membros de Cristo?(I Cor. 6:15)

Alguns, entretanto, argumentam: Não há pessoas que fazem outros tipos de cirurgia?

Respondemos assim: Somente é lícita uma cirurgia feita em caráter emergencial para sanar um defeito ou, ainda, para extirpar uma doença ou anomalia, e não aquela cujo objetivo é mudar o que é natural, fazendo uma voluntária laceração no corpo.

...nem darão golpes na sua carne(Lev. 21:5).

O homem benigno faz bem à sua própria alma, mas o cruel perturba a sua própria carne.(Prov. 11:17)

Outros replicam: Se a minha esposa já fez três cirurgias cesarianas, porque foram necessárias, não poderia ela ligar as trompas para evitar o quarto filho através de cujo nascimento ela poderia incorrer em risco de vida?

Respondemos a esta colocação dizendo que a pessoa pode evitar os filhos por uma abstinência controlada e mais demorada. Além disso, a pessoa pode crer em Deus tanto para não ter o quarto filho, como para tê-lo e não morrer, como para tê-lo e, se morrer, acreditar que essa foi a vontade de Deus. Esta, entretanto, é a argumentação pelo extremo. Afirmamos que o casal pode abster-se de sexo para sempre nesse caso. Afinal de contas, não era isso que haveriam de fazer caso ainda não se tivesse inventado a cirurgia de ligação de trompas?

Ninguém venha me dizer que seria errada a abstinência perpétua, pois se um acidente impossibilitasse um dos cônjuges de ter relações sexuais, eles só teriam a abstinência como opção. Além disso, os membros da Igreja de Corinto aprenderam com Paulo que o corpo não foi criado prioritariamente para o sexo, já que na ressurreição teremos um corpo e não haverá sexo. O corpo é um instrumento para cumprirmos a vontade do Senhor:

...Mas o corpo não é para a fornicação, senão para o Senhor, e o Senhor para o corpo.(I Cor. 6:13)

Vejamos, agora, as reprovações bíblicas ao uso de anticoncepcionais:

1) O caso de Onã

A Bíblia reprova o uso de preservativos à medida que eles implicam na busca do prazer sexual com a contenção das conseqüências naturais. Em lugar de controlar a possibilidade de ter filhos pela abstinência planejada, aqueles que usam os preservativos querem ter o prazer irrestrito sem se responsabilizarem pelas conseqüências. O cristianismo não despreza a noção de prazer, mas a associa à idéia de disciplina e responsabilidade.

Onã foi um personagem bíblico que queria gozar o prazer sem assumir responsabilidades. Vejamos como o seu ato foi visto por Deus:

Onã, porém, soube que esta descendência não havia de ser para ele; e aconteceu que, quando possuía a mulher de seu irmão, derramava o sêmen na terra, para não dar descendência a seu irmão. E o que fazia era mau aos olhos do Senhor, pelo que também o matou. (Gênesis 38: 9)

Onã, em cumprimento a um costume da época, casou-se com a esposa de seu irmão falecido. Como os filhos que ambos tivessem seriam contados na genealogia do que falecera, Onã evitou filhos, lançando fora o sêmen, mas não se absteve do sexo. Por certo, o pecado de Onã não foi apenas o de egoísmo, manifestado na intenção de não suscitar descendência ao nome de seu irmão. Deus não o teria matado se ele simplesmente não tivesse tido relações sexuais com a mulher, ou, ainda, se não tivesse casado com ela, o que não lhe acarretaria a sentença de morte, mas uma mera sanção cerimonial (Dt 25:5-10).

Lugar de Deus

Em Gênesis, no capítulo trinta, versículo primeiro, a Bíblia registra que Raquel, esposa de Jacó, insatisfeita por não gerar tantos filhos quanto a irmã, dirigiu um pedido ao seu esposo, dizendo: Dá-me filhos, se não morro. A resposta de Jacó foi a seguinte:

Então se acendeu a ira de Jacó contra Raquel, e disse: Estou eu no lugar de Deus, que te impediu o fruto de teu ventre?(Gênesis 30:2).

A resposta de Jacó, o pai da nação de Israel, deixa claro e evidente que somente Deus pode legitimamente impedir o fruto do ventre. Dessa maneira, aquele que, de modo arbitrário, intervir na capacidade de frutificar do ventre estará como o Anticristo, tentando tomar o lugar de Deus (II Tess. 2:4).

O Deus da fertilidade

Em Isaías 66:9, nós temos dois princípios. Pelo primeiro, se condena o uso de anticoncepcionais, e, pelo segundo, se condena o aborto:

Abriria eu a madre, e não geraria? diz o Senhor; geraria eu, e não faria nascer? diz o teu Deus.(Is. 66: 9)

Em outras palavras, podemos parafrasear : Acaso, eu que dei a fertilidade, aprovarei o impedimento da concepção? Eu, que faço conceber, serei favorável a que se impeça de nascer?

Conclusão

A conclusão a que chegamos é que o uso de anticoncepcionais artificiais para evitar filhos e a ligação de trompas com o mesmo propósito são atos pecaminosos. Além disso, observamos que:

1) A abstinência parcial ou total é a única alternativa prática para casais que já não querem ter mais filhos.

2) A fertilidade sempre deve ser vista como uma benção. Destruir a fertilidade feminina é tão irracional quanto o agricultor destruir a fertilidade da terra.

A tua mulher será como a videira frutífera aos lados da tua casa; os teus filhos como plantas de oliveira à roda da tua mesa. Eis que assim será abençoado o homem que teme ao Senhor.(Salmo 128 : 3 e 4)

Rev. Glauco Barreira Magalhães Filho
Membro do Presbitério Anabatista da Igreja em Fortaleza

Hudson Taylor

Introdução

James Hudson Taylor, nasceu em 1832, na cidade de Barnsley, em Yorkshire, na Inglaterra. Era de família metodista, e recebeu muita influência espiritual de seus pais e avós, bem como seus irmãos William e Amélia. Seu pai, um farmacista, sempre teve preocupação com a condição espiritual da China, e sempre que tinha oportunidade, realizava reuniões especiais para discutir como poderia ajudar aquele tão grande país.

Quando Hudson tinha apenas cinco anos, ele disse ao seu pai: “Quando eu crescer serei um missionário na China”. Apesar desta afirmação, os anos de adolescência de Hudson foram conturbados, e as influências de amigos não lhe ajudaram. Porém, sua mãe e irmã não cessavam de interceder por ele.

Conversão e Chamada

Em junho de 1849, aos dezessete anos, ao ler um folheto escrito pelo seu pai acerca da obra de Cristo, Hudson compreendeu o plano da salvação, e como resultado, entregou sua vida a Jesus. Neste mesmo ano, sentiu a chamada do Senhor para trabalhar como missionário na China. Ao dizer sim à chamada, começou a se preparar em todos os aspectos de sua vida, a fim de atingir o objetivo de evangelizar a China. Logo começou a aprender o Mandarim através de uma cópia do Evangelho de Lucas. Hudson também soube da grande necessidade de médicos na China, e assim começou a estudar medicina, a fim de estar preparado para o campo em que iria trabalhar.

Seu treinamento médico começou na cidade de Hull e continuou em Londres. Além disso, estudou Teologia, Latim e Grego. Por saber que deveria depender totalmente de Deus para o seu sustento diário na China, Hudson muitas vezes colocava-se em situações para provar sua própria fidelidade e confiança em Deus. Enquanto estava em Hull, vivia basicamente se alimentando de aveia e arroz, e grande parte do seu salário ofertava para a obra do Senhor. Um certo dia, quando evangelizava os pobres, um certo homem lhe pediu que fosse orar por sua esposa que estava morrendo em casa. Ao chegar ali, viu uma casa cheia de crianças passando fome, e a mãe que estava muito enferma. Compadecido daquela situação, depois de orar, tirou do seu bolso a única moeda que tinha, o sustento da semana, e ofereceu ao casal. Milagrosamente, naquele mesmo dia, alguém lhe procurou e trouxe um envelope cheio de dinheiro. Esta experiência ensinou a Hudson Taylor que Deus era o seu provedor.

Partida Para China

No dia 19 de setembro de 1853, com 21 anos, e associado à Sociedade de Evangelização Chinesa, Hudson Taylor partiu para a China a bordo do navio de carga chamado Dumfries. Após seis longos meses de viagem com intempéries e perigos de morte, ele chega finalmente em Xangai. Ao juntar-se com outros missionários ingleses, residentes daquela mesma cidade, Hudson notou a grande deficiência da evangelização no interior do país. Nesta época, a China estava passando por momentos tumultuosos, e Xangai havia sido tomada por rebeldes. Por isso, todos os missionários estavam nas cidades da costa, e envolvidos mais com o comércio e a política externa, do que verdadeiramente com a evangelização da nação.

Ponderando tudo isso em seu coração, Hudson decidiu que haveria de trabalhar no interior da China, onde o evangelho não tinha sido levado. Assim, ele começou o seu trabalho distribuindo literatura e porções bíblicas para as vilas ao redor de Xangai, sendo uma delas Sungkiang. Ao estar no meio do povo, ele notou como as pessoas o olhavam diferente por causa de sua roupa ocidental. Sendo assim, ele decidiu adotar os costumes da terra, vestindo-se como um chinês, deixando seu cabelo crescer e fazendo uma trança, como os outros chineses. Este ato conquistou o respeito de muitos chineses, porém, para os missionários ocidentais, uma falta de senso.

Em 1856, Hudson começou a trabalhar na cidade proeminente de Ningpo. Ali, se casou em janeiro de 1858 com a senhorita Maria J. Dyer, filha de missionários, porém orfã, que trabalhava numa escola para meninas. Um ano depois, Hudson assumiu a direção da Missão Hospitalar de Londres em Ningpo. Não só Deus o prosperou, como muitos dos doentes aceitaram a Jesus e se recuperaram de suas enfermidades. Ele começou a orar por mais missionários para o país.

Volta à Inglaterra

Depois de estar sete anos na China, Hudson regressou à Inglaterra por motivos de saúde. Ao partir em 1860 para a Inglaterra, não imaginava que estaria seis anos longe do campo. Apesar da distância, o seu coração estava ligado à China. De frente a um mapa da nação, todos os dias ele orava, pedindo que Deus enviasse pessoas dispostas a ganhar as almas chinesas. Juntamente com o Sr. F. Gough, Hudson fez a revisão do Novo Testamento para o chinês e escreveu vários artigos sobre as missões na China.

Os Anos de Provação

Ao recrutar alguns missionários, Taylor viu a necessidade de ter uma missão que suportasse e direcionasse esses novos missionários no interior da China. Para este fim, é que a “Missão para o Interior da China” foi fundada. Durante o tempo que esteve na Inglaterra, enviou cinco obreiros para a China, e em 1864, Hudson pediu a Deus 24 missionários, dois para cada província já evangelizada no interior e dois para a Mongólia. Deus assim cumpriu o seu desejo, e em 26 de maio de 1866, Hudson e Maria, seus quatro filhos e os 24 missionários estavam embarcando no navio Lammermuir em direção à China.

Estabelecidos em Ningpo e em Hangchow, o trabalho missionário começou a se expandir para o sul da província de Chekiang. Dez anos depois, o norte de Kiangsu, o oeste de Anhwei e o sudeste de Kiangsi tinham sido alcançados.

Em um período de três anos, Hudson sofreu a perda de sua filha mais velha Gracie, seu filho Samuel, seu filho recém-nascido, e em julho de 1870, sua esposa também morre de cólera. Mesmo passando por este vale, Hudson Taylor não desistiu de sua chamada para a grande China.

Novos Horizontes

Em 1871, quando voltava para visitar o restante de seus filhos que haviam sido enviados à Inglaterra, Taylor teve a oportunidade de viajar com uma grande amiga e missionária na China, Jennie Faulding, com a qual se casou em 1872 na Inglaterra. Entre 1876 e 1878 muitos outros missionários vieram dar o seu apoio no campo, vindos de todas as partes do mundo. Hudson esteve por alguns meses acometido de uma enfermidade na coluna, a qual o paralisou, porém, ainda na cama, ele conseguiu enviar dezoito novos missionários para a China. Milagrosamente, depois de muitas orações, Deus o curou e ele voltou a caminhar com saúde completa.

Em 1882, Hudson orou ao Senhor por 70 missionários, e fielmente Deus proveu os missionários e o suporte para cada um deles. Em 1886, Hudson toma outro passo de fé, e pede ao Senhor 100 missionários. Milagrosamente, 600 candidatos se escreveram vindos da Inglaterra, da Escócia e da Irlanda, se prontificando para o trabalho. Em novembro de 1887, Hudson anuncia alegremente a partida dos cem missionários para a China.

O trabalho da Missão se espalhou por todo o interior do país, segundo o desejo de Hudson Taylor, e no final do século, metade de todos os missionários evangélicos do país estavam ligados à Missão.

Em outubro de 1888, depois de haver visitado os Estados Unidos e Canadá, Hudson parte mais uma vez em direção à China, acompanhado de sua esposa e mais 14 missionários. Durante os próximos quinze anos, Hudson dispendeu o seu tempo visitando a América, Europa e Oceania, recrutando missionários para China. O desafio agora não era apenas de cem, mas de mil missionários.

Sua Última Viagem

Em abril de 1905, com 73 anos, Hudson Taylor faz a sua última viagem à China. Sua esposa Jennie havia falecido, e ele tinha passado o inverno na Suécia. Seu filho Howard, que era médico, juntamente com sua esposa, decidiram acompanhar Hudson nesta viagem. Ao chegar em Xangai, ele visita o cemitério de Yangchow, onde sua esposa Maria e quatro de seus filhos foram sepultados, durante o seu trabalho naquele grande país. Após haver percorrido todos as missões estabelecidas pela sua pessoa, Hudson Taylor, estabelecido agora na cidade de Changsa, deitou-se numa tarde de 1905 para descansar, e deste sono acordou nas mansões celestiais.

A voz que cinquenta e dois anos atrás havia dito a Hudson Taylor: “Vai à China”, agora estava dizendo: “Bem está, servo bom e fiel. Sobre o pouco fostes fiel, sobre muito te colocarei; ENTRA NO GOZO DO TEU SENHOR!”

Vânia daSilva