domingo, 1 de maio de 2011

Por Que Cristo Foi ao Inferno?

Sempre foi crença da igreja cristã o fato de Cristo ter ido em espírito ao inferno, durante os três dias em que seu corpo estava na sepultura.

Henry Jacob, um pregador congregacional, no ano de 1600, foi um dos poucos que se aventurou a negar essa verdade, travando, por isso, uma controvérsia com um bispo anglicano. No entanto, a Bíblia afirma que Cristo foi ao inferno. Não podemos interpretar tal afirmação com a arbitrariedade dos testemunhas de Jeová, os quais consideram o inferno como a simples sepultura. Além do mais, os escritos cristãos falavam desse acontecimento. Até mesmo os livros apócrifos do Novo Testamento apresentados ao concílio de Nicéia, como o livro de Nicodemos, falavam sobre isso, embora apresentando exageros.

Vamos analisar, então, a razão ou o motivo da ida de Cristo ao inferno. Antes, porém, nos deteremos em interpretações erradas acerca desse fato, apresentando refutações.

Kenneth Hagin e Kenneth Copeland, os “profetas” do movimento “palavra da fé”, afirmam que a obra de Cristo não foi suficiente para expiar os nossos pecados. Daí eles deduzem que Cristo foi ao inferno para sofrer espiritualmente a fim de completar a obra da cruz, terminar a expiação:

“Lá embaixo, na masmorra do sofrimento, lá no fundo do próprio inferno, Jesus satisfez as reivindicações da justiça para todos nós...” (Kenneth Hagin, O Nome de Jesus, p.79).

“Jesus foi ao inferno para libertar a humanidade da penalidade da alta traição de Adão (...) Quando seu sangue foi vertido, ele nada alcançou (...) Jesus gastou três dias terríveis nas profundezas da terra recuperando nossos direitos para com Deus. Foi o sofrimento de Jesus no inferno que pagou a penalidade do homem e fez dele um herdeiro da vida eterna.” (Kenneth Copeland).

O ensino desses homens fere frontalmente o ensino das Escrituras. Jesus levou nossos pecados “em seu corpo sobre o madeiro” (I Pe 2:24), logo, uma vez que seu corpo foi destruído na cruz, o pecado foi aniquilado e expiado (I Pe 4:1; Hb 9:26). Jesus, em espírito, não podia ser atormentado no inferno, pois não tomou os nossos pecados sobre seu espírito, mas sobre o seu corpo, daí a Bíblia dizer que Ele foi “JUSTIFICADO EM ESPÍRITO”(I Tm 3:16). O sangue da cruz, portanto, é suficiente para a nossa redenção (Rm 3:25; I Jo 1:7; I Pe 1:18-19).

Paulo Romeiro e o Pr. Ricardo Gondim (Betesda) acertam em refutar o ensino de Hagin e Copeland, mas apresentam explicações igualmente desarmônicas com a Bíblia. Vejamos:

1. Paulo Romeiro, no seu livro “Super Crentes”, fala nas páginas 60 e 61, acerca do comentário de Valnice Milhomes (a imitadora e repassadora dos ensinos de Hagin no Brasil) sobre a morte expiatória de Jesus. Ele lembra que Valnice alega que a palavra “morte” em Isaías 53:9 aparece no original de forma pluralizada (“mortes”) e que, segundo ela, isso indicaria uma morte física (cruz) e outra espiritual (inferno) sofrida por Jesus.

Paulo Romeiro explica o erro. Ele segue a linha de McConnel afirmando que a pluralização significa não quantidade de morte, mas a intensidade de uma só. Ora, essa explicação de Paulo Romeiro pode dar subsídios às interpretações dos “testemunhas de Jeová”, pois nós, crentes evangélicos, afirmamos que há pluralidade de pessoas na divindade (Trindade), citando que a palavra “Elohim” aplicada a Deus é uma palavra pluralizada. Os TJ costumam, por sua vez, dizer que a palavra “Elohim” aparece pluralizada apenas para intensificar os atributos da divindade. Paulo Romeiro, portanto, escolheu uma interpretação que além de favorecer aos “testemunhas de Jeová”, afronta o fundamentalismo, que enfatiza o significado literal.

Não podemos violar a palavra de Deus. No original de Isaías 53:9, a palavra é “mortes”. Vejamos a razão de Jesus ter sofrido “mortes”. A primeira “morte” de Cristo não foi a cruz, mas no Getsêmane. Enquanto Jesus orava, a sua angústia era tão grande que ele começou a suar sangue (Lc 22:44). Se aquele estado se perpetuasse, ele perderia todo o seu sangue, morrendo ali. O próprio Jesus disse lá: “... a minha alma está triste até a morte” (Mc 14:34). Ele, no Getsêmane, sentiu os horrores da morte. Sua morte seria ali se não tivesse intercedido para que, se fosse possível, “o cálice passasse”. Jesus não tinha medo da morte, mas receava morrer antes da cruz, pois a morte antecipada o impediria de expiar os pecados na cruz. A Bíblia diz que Deus ouviu Jesus, enviando um anjo que o fortaleceu (Lc 22:43).

Em Hebreus 5:7, é dito: “o qual nos dias da sua carne, tendo oferecido, com grande clamor e lágrimas, orações e súplicas ao que o podia livrar da morte, e tendo sido ouvido por causa da sua reverência...”.

O que aconteceu no Getsêmane pode ser considerado uma “primeira morte” de Jesus, pois ali ele sentiu os horrores da morte e no curso natural das coisas teria sido a data de sua morte, mas Deus interveio para que isso não acontecesse. A “outra” morte foi a definitiva e concretizada na cruz do calvário.

Wim Malgo diz: “... em todas as circunstâncias, Jesus submetia-se à vontade de Deus. É o que Paulo quer dizer quando escreve aos filipenses: ‘Tornando-se obediente até a morte’, isso é Getsêmane; ‘e morte de cruz’, isso é Gólgota (Fp 2:8)” (Wim Malgo, O Que Aconteceu e Acontecerá em Breve, p. 52).

Quando a forma pluralizada para “morte” também aparece em Ezequiel 28:8 (morte dos traspassados), isso quer dizer que a pessoas sob efeito de uma só traspassada seria conduzida a morte em pouco tempo, mas recebe outras traspassadas para morrer logo, de modo que é como se fossem várias mortes, pois cada uma das lanças seria suficiente para matar.

2. O pastor Ricardo Gondim, através do texto de I Pedro 3:18-20, deduz que Cristo foi ao inferno após ter sido “vivificado pelo Espírito” (ressussitado) e com a finalidade de pregar:

A) Jesus não foi a este lugar de prisão sofrer, e sim pregar;

B) Ele não foi lá depois de morrer e sim depois de ressuscitar (Ricardo Gondim, O Evangelho da Nova Era, p. 79).

O pastor Ricardo Gondim não conseguiu perceber que o texto de I Pedro 3:18-20 não se refere de forma alguma ao inferno. Esse texto diz que Jesus foi “vivificado pelo Espírito, no qual também foi, e pregou aos espíritos em prisão”. Note pelas palavras que destaquei, que Jesus pregou aos espíritos em prisão no Espírito Santo, o qual foi o responsável pela sua ressurreição. Jesus não pregou no seu corpo, logo não foi após a ressurreição. Ele não pregou no seu próprio espírito humano, logo não foi no intervalo entre a morte e ressurreição. Pregou quando estava no Espírito Santo.

Os “espíritos em prisão” não são os que estão no inferno, pois o texto não menciona todos os ímpios, mas apenas os da época de Noé (I Pe 3:20).

O que a Bíblia quer dizer é que Cristo através do Espírito Santo esteve em Noé quando este pregou aos rebeldes da sua época quando estes ainda estavam vivos: “Desta salvação inquiriram e indagaram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que para vós era destinada. Indagando qual o tempo ou qual a ocasião que o Espírito de Cristo que estava neles...” (I Pe 1:10-11).

“... por outro lado, os espíritos em prisão referidos nessa passagem são os ímpios que viviam no tempo de Noé, cujos espíritos ou almas se achavam na escuridão da ignorância como numa prisão; Cristo pregou a eles não na carne, pois ainda não se encarnara, mas no Espírito... Esta interpretação é aceita pelo próprio Agostinho... O Espírito de Cristo estava nos profetas. Foi assim que Cristo pregou aos ímpios no tempo dos profetas, e no tempo de Noé” (Doutrinas Católicas Analisadas, Dercy de Souza Lima, p. 76 e 77).

“... A explicação deste texto é que Cristo não estava pregando a espírito desincorporados durante os três dias em que seu corpo esteve na sepultura. O Espírito de Cristo em Noé estava pregando ao povo do tempo de Noé quando este estava vivo e as pessoas estavam vivas quando ouviram a advertência, mas mortas quando Pedro escreveu a respeito delas.” (Ira T. Ransom)

Jesus não foi ao inferno para pregar, pois lá não há pregação: “Será anunciada a tua benignidade na sepultura, ou a tua fidelidade no Abismo (Abadom)?” (Sl 88:11)

Jesus esteve no inferno no período entre sua morte e ressurreição. Enquanto o seu corpo estava ameaçado de corrupção na sepultura, a sua alma foi ao inferno (Hades): “Prevendo isto, Davi falou da ressurreição de Cristo, que a sua alma não foi deixada no inferno (Hades), nem sua carne viu corrupção” (At 2:31).

“Ou: Quem descerá ao abismo? (Isto é, a tornar trazer dentre os mortos a Cristo) (Rm 10:7). “Ora, isto ¬– ele subiu – que é, senão também antes tinha descido às partes mais baixas da terra?” (Ef 4:9).

O QUE JESUS FOI FAZER NO INFERNO?

Creio que a presença de Cristo não foi percebida no inferno pelos que lá sofriam, pois, se assim o fosse, naquele momento o inferno seria céu.

Cristo foi ao inferno para nos dar um sinal da sua vitória. O inferno é lugar da condenação irrevogável. Quem entrou lá jamais saiu. Até os demônios de lá que serão soltos durante a grande tribulação pelo diabo, só terão essa oportunidade porque Cristo dará ao diabo por curto período a chave do inferno (Ap 9:1).

A Bíblia fala sobre o poder das portas infernais: “Ele encerra na prisão, e não se pode abrir” (Jó 12:14).

Cristo entrou no inferno não para sofrer, mas apenas para entrar e sair, dando assim prova do seu poder e da sua vitória sobre a condenação decorrente dos nossos pecados. Ele queria nos deixar seguros de que era poderoso para nos guardar da força condenatória. Ele queria dar um sinal da sua promessa à Igreja: “pois... sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno (Hades) não prevalecerão contra ela” (Mt 16:18).

Jesus foi o único homem que venceu o inferno. O único que pode dizer: “... tenho as chaves da morte e do inferno (Hades)” (Ap 1:18).

Rev. Glauco Barreira Magalhães Filho
Membro do Presbitério Anabatista da igreja em Fortaleza

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