domingo, 1 de maio de 2011

Explicações sobre a ida de Cristo ao inferno

Após ter escrito meu artigo intitulado “Por Que Jesus Foi ao Inferno?”, a qual obteve uma incrível receptividade por parte de meus irmãos evangélicos, fui confrontado com algumas perguntas que exigiam uma resposta definitiva. Tendo um espírito pesquisador e senso da verdade, fiquei imensamente satisfeito com as indagações que me foram feitas, pois me impulsionavam a mergulhar nos desígnios divinos até onde a graça de Deus me permitiu, com a finalidade de esclarecer aos amantes da verdade. Neste artigo, portanto, transcreverei as indagações a mim feitas, bem como as respostas.

Que Deus seja glorificado ao dar através de mim o conhecimento correto a seus filhos, apesar de que eu me sinta o mais indigno de seus servos.

RECORDANDO

No artigo intitulado “Por Que Jesus Foi ao Inferno?” foi provado pela Bíblia que Jesus foi em seu espírito humano ao inferno no intervalo de tempo compreendido entre sua morte e ressurreição. Eu também mostro que Jesus não foi ao inferno para pregar, mas simplesmente para entrar e sair, dando assim prova de sua superioridade sobre as portas infernais, garantindo a nós, desta forma, através de um sinal, que Ele é poderoso para nos guardar da condenação. Jesus, também, não foi ao inferno para sofrer, como mostro com provas abundantes.

Vamos agora às indagações:

HISTÓRIA DA IGREJA

Algumas pessoas procuram negar que Cristo tenha ido ao inferno e, para isso, afirmam que os antigos cristãos não falavam sobre esse assunto. O pastor Ricardo Gondim defende a idéia de que os primitivos cristãos eram omissos nesse assunto: “No credo de Atanásio consta esta declaração que ele desceu ao inferno. Entretanto, não há qualquer referência a descida de Jesus ao inferno em nenhum dos concílios da igreja anteriores ao Concílio de Nicéia (325 AD). Esta expressão também não aparece no Concílio de Constantinopla (381 AD), e mesmo quando tardiamente passa a constar no credo de Atanásio, diz DESCENDIT AD INFERNOS, que originalmente significa que ELE DESCEU AO SUBMUNDO. Podemos dizer que os nossos pecados enviaram Cristo ao inferno, não a um lugar, e sim a um estado de sofrimento. O que Ele passou aqui na terra, culminando com sua morte e sepultura, foi verdadeiramente um inferno...” (O Evangelho da Nova Era, pg. 80).

Será que isto é verdade? Creio que não. Vejamos em itens:

O primeiro Credo a declarar que Jesus desceu ao inferno não foi um Credo redigido por um vulto designado, mas o chamado CREDO APOSTÓLICO. Esse credo apareceu aproximadamente no século II. Alguns dizem que ele foi escrito diretamente pelos apóstolos e outros que estes apenas aprovaram, mas o fato é que ele era reconhecido como substância da fé Cristã.

A ida de Cristo ao inferno não pode ser o seu estado de sofrimento da cruz, pois o Credo Apostólico falava da ida de Cristo ao inferno e, depois, do seu sepultamento (“... foi crucificado, morto e sepultado. Desceu as regiões infernais...”).

O fato de inferno significar “submundo” ou “lugar inferior” é exatamente porque nele o homem está mais distante de Deus do que quando ainda estava na terra.

O reformador João Calvino falou sobre os Pais da Igreja: “Ninguém há dos Patrícios que não registre em seus escritos a descida de Cristo às regiões infernais...” (As Institutas, Vol. II).

PARAÍSO

Alguns dizem que Jesus não foi ao inferno depois da sua morte, porque disse ao malfeitor convertido que estaria com ele, após a morte, no paraíso (Lc 23:43). Ora, nada impede que Cristo tenha ido ao paraíso e depois ao inferno.

SEM SOFRIMENTO

Alguns não conseguem entender a minha a afirmação de que Cristo tivesse ido ao inferno sem, no entanto, sofrer lá.

A Bíblia mostra que no céu existem subdivisões. No céu existem “muitas moradas” (Jo 14:2). O Apocalipse fala das almas dos mártires que foram vistas debaixo do altar do templo celestial (Ap 6:9), fala do santuário celestial e da santa cidade. Elias foi levado ao céu em corpo físico (II Re 2:11) e o corpo de Moisés também foi levado ao céu para se unir ao seu espírito (Jd 9), daí ambos terem aparecido em corpo no monte da transfiguração. Ora, eles não podem estar em um setor do céu onde a glória de Deus seja plena, pois seus corpos mortais não resistiram, antes eles terão que aparecer na terra na grande tribulação para morrer e ressuscitar em novo corpo e assim herdar a plena glória (Ap 11:4-12), pois o corpo mortal não pode herdar a visão beatífica (I Co 15:50).

Da mesma maneira que no céu, no inferno existem setores. O local onde se encontram os demônios é o “Tártaros” (grego) conforme II Pedro 2:4. O local dos ímpios, segundo o Antigo Testamento, é o Abadom.

Se no céu há um setor onde não se tem a plena visão beatífica, pois como dissemos Moisés e Elias se encontra nele, também é razoável que exista um setor no inferno onde Cristo poderia ter entrado, sem que lá o tormento o alcançasse. Moisés e Elias são vistos isoladamente de outros na presença de Deus (Ap 11:4) e Cristo entrou num setor do inferno onde os outros que lá estavam não o perceberam, isto é, todos os outros que estavam no inferno. Paulo, por exemplo, sabia tanto que havia setor no céu que ele poderia entrar com corpo mortal, que ele admitiu a possibilidade de ter sido arrebatado ao céu em corpo (II Co 12:3).

A PRESENÇA DE DEUS

Cristo na cruz aniquilou com os nossos pecados (Hb 9:26), donde se conclui que seu espírito que saiu de seu corpo após a sua morte não trazia sobre si os nossos pecados, mas antes estava “justificado” (I Tm 3:16). Partindo dessas afirmações alguém perguntou a mim se Cristo não morreu espiritualmente ao entrar no inferno, pois como alguém portaria comunhão com Deus no inferno?

À pergunta formulada eu poderia suscitar uma outra pergunta: “Como Moisés e Elias poderiam entrar no céu sem usufruir da plena glória de Deus?”. No entanto, vamos responder a pergunta com respostas positivas. Em primeiro lugar, convém dizer uma coisa que assusta alguns: Deus está presente no inferno, apenas a sua presença não é sentida lá. Isto é óbvio, pois Deus é onipresente. Deus não supervisiona apenas o céu e a terra, mas também o inferno. É pelo seu poder que alguém é lançado no inferno (Mt 10:28). Davi disse: “Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no inferno a minha cama, eis que tu ali estás também” (Sl 139:8).

Ora, a presença de Deus no inferno que não se revela aos ímpios que lá estão, foi revelada a Cristo no inferno, pois ele era justo, de modo que não morreu espiritualmente.

O inferno é um local e um estado. Jesus entrou no “inferno-local”, mas não experimentou lá o “inferno-estado”. Isso pode ser ilustrado com o batismo de João Batista: Era um batismo em água (local) e uma demonstração de arrependimento (estado). Jesus foi batizado por João com referência ao local (água), mas não com referência ao estado (arrependimento), pois não tinha de que se arrepender.

SITUAÇÃO DO INFERNO

Alguns dizem que pelo fato de Jesus ser Deus, a sua entrada no inferno transformaria este em céu. Vejamos três respostas a este argumento:

Como já dissemos, uma coisa é a presença de Deus estar no inferno, outra é ela ser sentida.

Também já falamos que Jesus entrou em um setor do inferno somente.

Por último convém lembrar que não foi o espírito divino de Cristo que entrou no inferno, mas seu espírito humano, pois como Deus ele não precisava vencer as portas do inferno que ele mesmo havia posto, daí a Bíblia dizer que foi como homem exaltado que Jesus foi proclamado Senhor do céu, da terra e até do inferno (Fl 2:9-10).

OBSERVAÇÃO I

Algumas pessoas têm dito que a palavra hebraica “sheol”, a qual aparece traduzida na maioria das vezes por “inferno”, é uma palavra que designa no Antigo Testamento um lugar não apenas de tormentos, mas também um lugar que tinha recinto de consolação para os justos. Segundo estes, portanto, os mortos iam todos para um mesmo lugar espiritual (sheol), isto é, tanto justos como injustos. Para os hereges que defendem essa tese, Jesus teria ido ao “inferno” para tirar de lá os justos e levá-los aos céus, e, após isso, somente os injustos ficaram indo ao inferno depois da morte.

A falsa teoria, acima descrita, se apóia em textos bíblicos onde os justos o incomodados pela vida terrena, desejaram ir ao SHEOL, embora os tradutores aí, não traduziram SHEOL por INFERNO, mas por SEPULTURA. Vamos à refutação da heresia:

Quando a Bíblia fala em SHEOL, este pode ter um dos seus dois sentidos: o material ou o espiritual.

SHEOL significa “lugar dos mortos”. Ora, todos sabemos que há dois tipos de morte: a física (o corpo perde o fôlego de vida) e a espiritual (O espírito humano perde a presença de Deus). Sendo assim, haverá um lugar onde se põe os mortos físicos: sepultura, pirâmides, o fundo do mar, o ventre de um animal que tenha devorado um ser humano, etc; e o lugar onde põe os mortos espirituais: o inferno.

Algumas pessoas têm dito que não aceitam que sheol possa significar sepultura em decorrência de haver uma palavra própria para sepultura no hebraico, no caso, a palavra “Queber”. Isso, no entanto, nada influi, pois o que dizemos é que SHEOL é o lugar dos mortos, onde, no caso de morte física, pode ser a sepultura ou qualquer outra coisa que receba o corpo de um morto, até mesmo o ventre de um animal devorador.

A Bíblia, porém, fala de um sheol espiritual para onde só vão os ímpios, e nunca os justos. Sobre isso, diz Hormer Duncan: “Em diversos casos é verdade que 'sheol' foi traduzido para 'inferno' quando devia ter sido traduzido para 'sepultura'” (na versão King James). Entretanto, nos outros casos, o contexto e a maneira como a palavra “sheol” foi usada na senteça, indicam claramente que se refere a um lugar de castigo e não simplesmente a “sepultura” (Testemunhas de Jeová?!, pg. 45, Imprensa Batista Regular).

Refutando aos que só conheciam o termo “sheol” no sentido de sepultura, disse João Calvino: “O que argumentam quanto ao sentido do texto, concedo ser verdadeiro: não raro se toma o INFERNO por SEPULTURA, mas duas razões se lhe contrapõem...” (As Institutas).

Portanto, quando falamos em SHEOL espiritual e depois da morte, estamos falando de um lugar apenas de tormento e que nunca recebeu um justo, a não ser Jesus, que lá entrou como vitorioso para depois sair. A Bíblia mostra que somente os ímpios irão para o SHEOL-INFERNO: Salmo 9:17; Provérbios 7:27; Provérbios 9:18; Isaías 14:15; Salmo 86:13. O SHEOL-INFERNO é um lugar de 14:15; Salmo 86:13. O SHEOL-INFERNO é um lugar de fogo e ira (Deuteronômio 32:22), bem como de angústia (Salmo 116:3; Lucas 16:23-24). Os justos do Antigo Testamento não iam ao SHEOL-INFERNO (Provérbio 23:14), mas o Seio de Abraão (Lucas 16:22) que era um local celestial (Provérbios 15:24) e oposto ao inferno (Mateus 11:23).

Jesus não foi ao inferno para tirar os justos de lá, pois estes nunca estiveram lá. Além do mais, se Jesus tivesse ido lá no inferno para tirar os justos, levando-os então ao paraíso, teríamos que afirmar que ele primeiro foi ao inferno e depois ao Paraíso de onde ele teria saído para a ressurreição. Isso levaria a Bíblia a uma contradição, pois esta ensina que primeiro Jesus foi ao Paraíso (Lucas 23:43) e depois é que ele foi ao inferno de onde saiu para a ressurreição (Romanos 10:17; Atos 2:31-32).

O versículo que diz que Jesus foi para levar cativo o cativeiro (Efésios 4:8-9) não se refere ao seio de Abraão de dentro do inferno. Primeiro, porque o Seio de Abraão, em sendo um lugar de consolação (Lucas 16:25), não pode jamais ser chamado de “cativeiro”. Segundo, porque o cativeiro ou escuridão a qual Jesus nos livrou é a escuridão do medo da morte. Jesus foi ao inferno para sair de lá em seguida, dando provas de seu poder sobre a condenação de nossos pecados. Isso nos dá a segurança de que o inferno não pode nos tragar após a morte, pois estamos seguros em Cristo, o que nos livra do cativeiro do medo: “e livrasse todos aqueles que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à escravidão.” (Hebreus 2:15).

Uma prova que o Seio de Abraão não se localizava dentro do inferno, é o fato de que os que morrem são levados para lá pelos anjos, o que importa em subida (Lucas 16:22). Já os que vão para o inferno após a morte, estes não precisam de anjos, pois eles descem sob o peso de seus pecados (Lucas 16:22-23).

Concluamos com as palavras do grande reformador João Calvino: “Outro interpretam diferentemente que Cristo haja descido às almas dos patriarcas que haviam morrido sob a lei, para que lhes levasse a proclamação da redenção consumada e as livrasse do cárcere onde mantinham encerradas. E para isto, invocam, indevidamente os testemunhos do Salmo: 'porque haverá de quebrar as portas de bronze e as trancas de ferro' (Salmo 107:16). De igual forma, de Zacarias: 'que os cativos haverá de remir do poço em que havia água' (Zacarias 9:11). Como, porém, o Salmo prediga os livramentos daqueles que, cativos em regiões longínquas, estão confinados em cadeias, Zacarias, porém, compara a calamidade babilônica a um poço ou abismo profundo e seco em que o povo havia sido lançado e ao mesmo tempo, ensine que a salvação de toda a igreja é a saída das profundezas interiores, não sei como haja acontecido que a posteridade imaginasse existir um lugar subterrâneo a que pespegou o nome de LIMBO. Mas, a despeito de que esta fábula tem grandes autores e é hoje, também seriamente defendida por muitos como a verdade, entretanto, nada é senão fábula. Ora, encerrar as almas dos mortos em um cárcere é pueril...” (As Institutas)

OBSERVAÇÃO II

Já vimos que há um “sheol” material (sepultura) e um “sheol” espiritual (inferno). Isto é perfeitamente lógico, pois também há um céu-material (firmamento) e um céu-espiritual (Paraíso).

Nós constatamos que o Seio de Abraão (local onde ficavam as almas justas do Antigo Testamento) não era um setor dentro do inferno. A Bíblia diz que Lázaro foi para o Seio de Abraão (Lucas 16:22), enquanto diz que ao mesmo tempo o rico foi para o INFERNO ou HADES (Lucas 16:23). Ora, se o Seio de Abraão se localizasse no inferno, a Bíblia tinha que dizer não que o rico foi para o inferno, mas sim, que ele foi para o setor de condenação do inferno, já que havia outro setor de consolação. A Bíblia, no entanto, opõe o inferno ao Seio de Abraão, não põe este dentro daquele.

Alguns têm dito que o Seio de Abraão não era um local celestial, afirmando que entre este e o lugar de tormentos havia um grande abismo (Lucas 16:26) e era a Terra. Ora, o céu-paraíso e o inferno são lugares de dimensão espiritual e jamais se poderia dizer que uma dimensão física (a Terra) se interpõe visivelmente entre eles.

Alguns dizem que o Seio de Abraão não era celestial porque Lázaro e Abraão foram vistos pelo rico que estava no local de tormentos. Os que assim argumentam não entendem que esta visão é uma parte da condenação dos ímpios: “Ali haverá choro e ranger de dentes quando virdes Abraão, Isaque e Jacó e todos os profetas no reino de Deus, e vós lançados fora” (Lucas 13:28).

Quanto a questão abordada no parágrafo anterior convém lembrar que a visão foi “de longe” (Lucas 16:23). Aqui importa lembrar as seguintes observações:

Não é dito que Lázaro tenha visto o inferno, mas que o rico no inferno viu a Lázaro.

Abraão também não viu o rico, mas apenas o ouviu.

Deus permitiu a Abraão ouvir ao rico, porque, sendo ele um líder no lugar de consolação (Seio de Abraão), importava a ele explicar aos condenados a sua condição condenatória (Lucas 16:24-31).

Os hereges têm também argumentado que o Seio de Abraão não era o céu, pois se o fosse dizem eles, deveria ser chamado de Seio de Jesus Cristo. Ora, o lugar de consolação estava sob a liderança de Abraão apenas até a vitória de Cristo. A promessa fora feita a Abraão até que Cristo viesse: “Ora, a Abraão e a seu descendente foram feitas as promessas, não diz: e a teus descendentes, como falando de muitos, mas como de um só: e a teu descendente, que é Cristo”(Gálatas 3:16).

OBSERVAÇÕES IMPORTANTES

As traduções da Bíblia que são mais antigas e ortodoxas, traduzem SHEOL por “sepultura” ou “inferno”, conforme se refira ao túmulo dos corpos ou ao local de tormento das almas ímpias. No entanto, aqueles que defendem que o SHEOL era um único lugar, de caráter espiritual, que recebia no Antigo Testamento tanto os justo quanto a injustos, escolheram uma tradução para defender seus interesses. No Brasil, estes hereges se apóiam na versão revisada (de acordo com os melhores textos em hebraico e grego) da Imprensa Bíblica Brasileira. Esta tradução usa o próprio original SHEOL, sem traduzi-lo por “sepultura” ou “inferno”. Os hereges costumam usá-la para mostrar que havia um tipo de SHEOL. Todavia esta versão deu um “escorrego”, provando que a heresia não pode ser sustentada. O “escorrego” foi que esta tradução traduziu SHEOL por sepultura em Jó 7:9.

Para os chamados “Pais da Igreja” ou “Antigos Doutores da Igreja”, o Seio de Abraão era um local celestial e nunca dentro do inferno ou em baixo. Para provar isso, citarei apenas um escrito de S. Agostinho(Século IV): “... ou ainda, ele está a gozar AS ALEGRIAS DO CÉU no SEIO DE ABRAÃO, ou está reduzido a desejar uma gota de água no meio das chamas eternas (Lucas 16:22).” (In Epistolam Ioannis Ad Partmos, Tractatus Decem, X, 9).

Rev.Glauco Barreira Magalhães Filho
Membro do Presbitério Anabatista da Igreja em Fortaleza

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