sábado, 13 de outubro de 2018

aequs et sensu bonus anabaptistae

Conrad Grebel

Alguns elementos da prática do movimento anabatista e norteadores de suas convicções são: restauração dos valores da Igreja primitiva, pacifismo cristão, ousadia na pregação e vida piedosa. Todos estão unidos pelo propósito maior de servir a Deus com fidelidade, não enveredando nem para a esquerda nem para a direita. A História da Igreja que atesta essas convicções entre os irmãos suíços do século XVI proclama a autenticidade dos anabatistas e seu valor mesmo entre duras provas e perseguições. Foram ultrajados, mas resistiram na fé com o firme fundamento de não cederem às formalidades eclesiásticas de sua época nem aos institutos espúrios cujo teor os obrigava a abdicar de suas genuínas convicções.
De tempos em tempos a fé passa por um processo de provação para validar os verdadeiros seguidores de Cristo. Essa provação é de acordo com as circunstâncias da época em que acontece, não necessariamente sendo violenta, mas pode ser ideológica, como vemos neste momento. Nesses períodos, há duas opções para a igreja: ou ceder ou perseverar. Os que abdicam da fé, seja por rejeição completa ou parcial, demonstram uma falência ocasionada não por Deus, mas pelas escolhas do homem dito cristão. Por outro lado, os que insistem em guardar os preceitos não se envolvendo com o partidarismo político e ideológico, perseveram com afinco, firmados nos postulados bíblicos e verdadeiros.
Conrad Grebel, por exemplo, transparecia que a força motriz do movimento anabatista deveria ser pregar o Evangelho e obedecer a Palavra sem restrições. Sob essa mentalidade, podemos pregar a salvação a todas as criaturas, denunciar a corrupção de políticos, mas jamais sermos ou aparentamos ser partidários políticos ou defensores de suas causas. Grebel asseverou essa verdade na sua carta (05/09/1524) a Munzter sobre o cuidado com o ideal político e revolucionário:

procurar sinceramente pregar somente a Palavra de Deus inflexivelmente, para estabelecer e defender apenas as práticas divinas, para estimar como bom e certo apenas o que pode ser encontrado com clareza nas Escrituras, e para rejeitar, odiar e amaldiçoar todos os esquemas, palavras, práticas e opiniões de todos homens, até os seus.
           
Aludindo à prática entre os anabatistas recém-formados, mas muito convictos, Justo L. Gonzalez confirma o motivo da perseguição contra eles:

O movimento anabatista logo atraiu grande oposição, tanto por parte dos católicos como dos reformadores. Ainda que essa oposição se expressasse comumente em termos teológicos, o fato é que os anabatistas foram perseguidos porque eram considerados subversivos. Apesar de todas as reformas, Lutero e Zwínglio continuaram aceitando os termos fundamentais da relação entre o cristianismo e a sociedade que se havia desenvolvido a partir de Constantino. Nem um nem outro interpretava o evangelho de maneira a ser uma provocação radical a ordem social. E foi isso, ainda que sem querer, o que fizeram os anabatistas. Seu pacifismo extremo se tornou intolerável aos encarregados de manter a ordem social e política, particularmente numa época de grande incerteza como foi o século XVI.
Além do mais, ao insistir no contraste entre a igreja e a sociedade natural, os anabatistas estavam afirmando que as estruturas de poder dessa sociedade não deveriam ser transferidas para a igreja. Mesmo contra os propósitos iniciais de Lutero, o luteranismo se via agora sustentado pelos príncipes que o haviam abraçado, os quais gozavam de grande autoridade, não somente nos assuntos políticos, como também nos eclesiásticos. Na Zurich, de Zwínglio, o Conselho de Governo era quem, no final das contas, ditava a política religiosa. E isso era o que ocorria nos territórios católicos onde se conservava a tradição medieval. Mesmo que isso não queira dizer que a igreja e o estado concordavam em todos os pontos, era certo que havia pelo menos um corpo de proposições em comum e era dentro desse contexto que se produziam os conflitos entre as autoridades civis e as eclesiásticas. Porém os anabatistas deitaram tudo isso por terra ao insistir numa igreja de caráter voluntário, distinta da sociedade civil.

Destaco a expressão de Gonzalez “pacifismo extremo” para esclarecer que os anabatistas eram apáticos às questões que envolviam o patriotismo, o militarismo e participação na política (seja ela qual fosse). O pacifismo estava associado a conduta de não-violência e de não-resistência, práticas ilustres daqueles homens e mulheres de Deus. Tal comportamento incomodava, pois os políticos e a sociedade exigiam deles um parecer sobre os dilemas e as ocorrências da vida. Como eles não participavam, eram objeto de ridicularização e perseguição, apesar de serem, repito, pacíficos. A essa conduta dos irmãos suíços chamo de bom senso, já que nenhum cristão deve fugir ao chamado de testemunhar. Eles o faziam sem se interporem ao sistema político (como tentou fazer Munzter), mas conservando os preceitos das Escrituras.
Assim, deveremos entender que a participação do cristão no contexto eleitoral neste momento, seja através de escritos, seja através de vias orais, seja pelos veículos de comunicação ou de redes sociais deverá ser pautada na prudência para não comprometer sua reputação enquanto fiel. O nome cristão, lembro, já não tem o significado de outrora devido ao desabonado de práticas que o feriram e o deixaram à mingua e à morte. Precisamos entender que temos um papel a desempenhar de forma equilibrada e com bom senso. Aliás, é sobre isso que versa o título deste comentário: equilíbrio e bom senso anabatista.

Gonzalez, Justo L. A era dos Reformadores. Mundo Cristão.

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