sábado, 13 de outubro de 2018

Crise evangélica e a política mundana


“E, meus irmãos, vocês sabem que a Igreja tem que ocupar os lugares no Brasil? Olha, no ano das eleições do presidente da República, nós estávamos orando em Recife. Íamos orar pelas eleições. Deus me interrompeu no meio da oração: tira os olhos dos candidatos. Levanta os teus olhos para a Igreja, porque a solução dos problemas do Brasil está na Igreja, porque a solução dos problemas do Brasil está na Igreja. Aleluia! E desde aquele dia eu estou na ofensiva, preparando a Igreja. E chegou a hora de a Igreja ocupar os postos de liderança desta nação. Não é só a igreja lá atrás dos quartos orando não. É a igreja lá nos postos de comando administrando a nação”

Valnice Milhomes (Ribeirão Preto, 14 de agosto de 1992)
Citado por Paulo Romeiro


Desde que a igreja evangélica começou a ser influenciada por profecias e revelações mirabolantes de pessoas que ocupavam postos de renome no seu meio, muito do fervor espiritual e reputação de suas histórias foi caindo no descrédito. Isto aconteceu na década de 80 e ganhou maior expressão na década seguinte com os programas televisivos e conferências das “sumidades” espirituais da época. O povo evangélico na sua maioria oriundo de classe mais baixa foi contagiado pelos discursos nos quais deveriam aparecer e ser reconhecidos como cidadãos do mundo. Deviam sair da margem para ocupar lideranças políticas inclusive. Criaram uma mentalidade na qual acreditaram poder influenciar a sociedade pelo viés político, inserindo normas e ensinos bíblicos à população brasileira sem lembrarem de que a fé e o comportamento cristãos não devem ser utilizados de forma coercitiva, antes pela recepção de bom grado de quem foi alcançado pela graça de Deus. O ensino cristão não é intransigente, não é dominador, não é opressor... mas tem em sua essência a liberdade pela qual se escolhe, pela influência do Santo Espírito, o caminho a ser seguido pela fé.
Esses discursos de a igreja ter que influenciar o mundo através da política gerou na igreja evangélica uma apatia quanto às dádivas divinas e seus dons. Hoje muitas Igrejas levam o nome de pentecostal, mas não tem o fogo do Espírito ardendo em seus corações, pois substituíram a dependência na operação dos dons divinos pela dependência e favorecimento dos políticos cristãos ou de alguém indicado por eles. Uma lástima! Vi, e isto é fato, maravilhosos pregadores e evangelistas sucumbirem a essa mentalidade. No passado, quando pregavam em muitas cruzadas, suas falas eram carregadas de unção e poder espiritual, de modo que muitas almas não resistiam ao chamado do Evangelho. Hoje, quando pregam, suas falas podem até ter eloquência, porém são vazias de unção.
Alertando sobre as danosas consequências da junção entre a igreja e a política, Paulo Romeiro já fazia muitos alardes em seu livro “Evangélicos em Crise”, sobre o que aconteceu na época constantiniana, citando Michael G. Moriarty, para que a igreja atual não caísse na teia do embaraço:

A Igreja foi investida com poder político, e investiu o imperador com poder religioso (...) A Igreja entrou num período de corrupção e desintegração e perdeu muito da sua autoridade moral e dinâmica espiritual. A Igreja deixou de ser uma comunidade zelosa de “ganhadores de almas” e “discipuladores” a fim de levar o Evangelho a um mundo espiritualmente empobrecido para ser uma instituição perseguidora que marcharia sobre o mundo árabe nas cruzadas dos séculos 11 e 12. A Igreja, que uma vez fora uma vítima injusta da perseguição, havia se tornado corrupta pelo poder e corrupção (...) A Igreja, seduzida pelo poder político e aspirações utópicas, falhou em entender que tais alianças antibíblicas (unindo Igreja e Estado) subverteriam o Evangelho, trazendo sofrimento e morte para muitos.  

Quando se substitui o espiritual pelo terreno e efêmero há um descompasso quanto ao propósito de Deus para a Igreja, pois defender fervorosamente os partidos e seus candidatos leva o calor das discussões para outro patamar: o do ódio, o da injúria, o do partidarismo, o do extremismo político e até mesmo para o da insanidade espiritual (para a igreja). Vê crentes envolvidos fervorosamente com a politicagem mundana causa um profundo estranhamento para aqueles que são atentos à essência de cada movimento, principalmente para aqueles de analisam os fenômenos sociais de forma equilibrada e neutra.
Na verdade, o grande problema da igreja evangélica atual foi a perda de sua unção espiritual. O Pentecoste já não é mais uma constante no ritualismo evangélico. Foi substituído pelas potencialidades humanas no sentido de se acharem capazes de realizar algum feito realmente poderoso e convincente. Esse sentimento parece muito com o que ficou registrado em Gênesis 11, no qual, após um terrível evento catastrófico (o dilúvio), os homens começaram a propor uma solução para outro evento futuro similar (é bom lembrar que esses homens eram céticos e não acreditaram na promessa de Deus na qual disse a Noé não mais destruiria o mundo com um dilúvio). Ali, o coração dos homens se ensoberbeceu ao ponto de julgarem-se capazes de um feito extraordinário. O resultado? A confusão das línguas. Uma verdadeira simbologia para ilustrar aquilo que é incompatível com a promessa divina. Desta forma, cristãos na política, os defensores destes cristãos e aqueles que os apoiam sob uma bandeira de ordem e moral, cometem uma lapso de grande confusão, pois não pode haver harmonia entre o que foi ensinado por Cristo e as pretensões políticas do mundo. São antagônicas! Se opõem e não há como pacificar essa relação.
O caminho, então, para a Igreja não é outro senão exercer seu papel: pregar o Evangelho com unção e poder, assim como lhe foi confiado. Não se utilizar desses dons significa menosprezar os feitos de Cristo e suas promessas. Portanto, cabe aos cristãos evangélicos, e principalmente aos zelosos, que neste momento aponto para nós, os anabatistas, guardarem a fé, serem ousados em Cristo, terem unção, sejam consagrados, tenham uma vida de oração, súplica e intercessão, e não se meterem em conflitos e discussões políticas, seja esses aonde forem, pois devemos fazer conforme o dito apostólico: “fortifica-te na graça que há em Cristo Jesus... como bom soldado de Cristo. Ninguém que milita se embaraça com negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o alistou para a guerra” (II Timóteo 2).

Romero, Paulo. Evangélicos em Crise. Mundo Cristão.  

    


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