sábado, 13 de outubro de 2018

O anabatista autêntico não se envolve em política

Thomas Muntzer

Sempre que o Cristianismo tentou se aproximar dos governos e participou da política deste mundo entrou em declínio. No século IV, assim foi com a formação do catolicismo através do decreto constantiniano, tomando uma igreja já fermentada politicamente e atemorizada pelas duras perseguições para formar um misto de Estado e igreja. O título adquirido por essa igreja devido a sua atitude está registrado em Apocalipse e recebe o nome de a “Grande Babilônia”, ou grande confusão. Quando na época da Reforma, alguns seguidores de Lutero denominados anabatistas (seguidores de Thomas Muntzer, entretanto) reivindicaram um posto de exigências e participações no cenário político contrariaram novamente os valores de Cristo. Os muntzeritas tinham um discurso contagiado pela ideia de revolução, algo visto como inovador para os padrões do fim do Medievo, pois a tomada de poder era algo visto como pecaminoso. No entanto, este foi um dos motivos pelos quais Friederich Engels, companheiro de Karl Marx, elogiou o movimento, séculos depois, como umas das justificativas para as quais o proletariado ambicionasse tomar o poder.
           
Menno Simons
Esses dois exemplos são suficientes na tentativa de demonstrar que qualquer vinculação entre Estado e Igreja coopera com a ruína dos pilares cristãos. Obviamente, para um movimento chegar ao ponto que os dois chegaram foi necessário um processo iniciado com anseios mínimos e sucintos sem os quais não seria possível robustecer ideologicamente seus líderes em busca de soluções para seu agrupamento ao longo de sua história. Por exemplo, Florival Cáceres cita que os munzteritas “acreditavam que os homens podiam contestar a ordem política, o que era inconcebível para Lutero. Os cristãos verdadeiros deveriam realizar o reino de Deus na terra e não em outra vida, e esse reino deveria ser baseado na igualdade integral e fraternidade viva. A desigualdade política e social, que garantia a riqueza dos poderosos, não era apenas injusta, mas pecaminosa”. Percebamos que a mentalidade deste movimento desviado do autêntico Cristianismo surgiu de forma repentina exigindo o que não se esperava dele. Foi algo surpreendente, já que não se esperava uma manifestação como aquela. Aliás, as Reformas do século XVI foram ganhando forma à medida que Lutero foi avançando com sua ordem de reformar a Igreja. Inicialmente, sua razão era estritamente bíblica, porém com o tempo percebeu-se que não rompeu por completo com Roma. Todos os movimentos que desejavam algo emergiram neste contexto de reivindicações. Enquanto Lutero anelava paz para seu coração, outros, como os munzteritas, tinham um discurso mais afiado ao fio da espada. Para Menno Simons, ícone do anabatismo pacífico, todas as ações vinculadas à ordem política e à violência não correspondiam ao fiel cumprimento das Escrituras uma vez que o Estado não era um degrau para se chegar ao cumprimento da verdadeira fé. A fé era uma atitude singular de servir exclusivamente a Cristo sem se embaraçar com os valores políticos do mundo. Assim ele pontuou: “a verdadeira fé evangélica não pode permanecer adormecida, mas se manifesta em toda justiça e nas obras de amor (...) Veste os nus, dá de comer aos famintos, consola os tristes, dá abrigo aos destituídos, ajuda e consola os aflitos, busca os perdidos, socorre os feridos, cura os enfermos (...) torna-se tudo para todos”. John Driver faz a tradução de escritos de Simons demonstrando sua perspectiva apesar dos dissabores que ele e sua comunidade anabatista sofriam: “foram brutalmente perseguidos, desterrados, torturados e assassinados igualmente por católicos e protestantes”. Isso só para mostrar o grande abismo que há entre aqueles que querem servir ao mundo político e os fiéis que querem servir o Cristo.
            Essa visão de mundo munzterita, contudo, não coopera com a dos anabatistas autênticos. Os anabatistas são pacifistas, não se utilizam da violência, não guerream ideologicamente com os políticos nem incitam o ódio. Os anabatistas entendem que não fazem parte dos reinos estabelecidos neste mundo, visto que estes objetivam satisfazer os anseios humanos cheios de egoísmo e paixão sem qualquer preocupação com os valores cristãos. Para os anabatistas verdadeiros, “a intenção de Deus sempre foi formar um povo à sua imagem, que leve seu nome. E Jesus não só nos ensina como é Deus, mas também é a perfeita imagem do que sempre quis que a humanidade fosse. Este projeto de Deus, que aponta para a restauração de toda a criação ao seu propósito original, culminará no restabelecimento de seu reinado de justiça e paz. Uma autêntica espiritualidade cristã se identifica com este projeto e participa em em seu projeto salvífico”, como mencionou Drive, esse reino não é alcançado pela motivação política, mas pela pregação efetiva das Escrituras, sem embaraços ou conchaves políticos. Um anabatista que se preza não se vincula a qualquer forma de promoção da política terrena, antes tem cuidado em conservar sua neutralidade para que esteja apto a pregar a quem quer que seja através da paz do Evangelho.

Cáceres, Florival. História Geral. Editora Moderna.
Drive, John. Comunidades Radicais. Editora Diálogos.

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