sábado, 24 de outubro de 2020

O bode, as ovelhas e o caju azedo

 



Na castigada região sertaneja, havia um cajueiro que se sobressaía em meio à devastação campestre. Frondoso, robusto e até ousado resistiu às intempéries e danos causados pelo monstro da seca, enquanto a relva e tantas outras árvores sucumbiram ante o poder agressivo do tempo de escassez. Mesmo contra as expectativas, o “pé” de caju continuava firme e resiliente, também solitário, mas solícito. Continuava a produzir seus frutos, sustentar suas folhas e proporcionar sombra para os caminhantes enfadados pelo árduo calor da insolação. Lamentavelmente, não era muito apreciado pelos homens porque seu fruto era extremamente azedo, abrindo maior oportunidade para os animais à procura de pastagem e alimento durante a severa seca.

Por sinal, um bode e algumas ovelhas eram os únicos que se achegavam para comer daquela fruta e descansar à sombra de sua folhagem. Por alguma razão a ser dita, sempre que o bode se servia dos suculentos frutos emitia um berro estrondoso e assustador. Tamanha era sua intensidade que afastava as ovelhas e chamava à atenção quem passava pelos arredores, deixando-os apavorados e fazendo-os pensar que alguém estaria maltratando o animal. Sua forte insatisfação ecoava longe e até onde podia ser ouvida. Trazia um espanto afugentador entre todos, diga-se com grande propriedade, em virtude da mentalidade mística do agreste que indicava algum presságio avassalador. O rebanho também se afastava e não podia estar com aquele bicho murmurante e irreconciliável porque era avesso à sua tendência e índole. Com a repetição e a observação da ocorrência, percebeu-se que aquele berro se tratava tão somente de uma reclamação do animal. Reclamava com veia injuriosa do azedume do fruto que o estava salvando a vida, desprezando, de certa forma, a benfeitoria e a provisão.

As ovelhas, sabiamente, não se deixavam contaminar pelos alardes repugnantes do bode. Distanciavam-se e aguardavam chegar o cansaço no bicho bruto. Eram pacientes em ouvir aquele “praguejar”, mas não se deixavam dissuadir do propósito à frente. Quando, enfim, o bicho saía, as ovelhas achegavam-se à sombra do seu provedor. Comiam à mercê do vento abafado sem esboçar qualquer insatisfação. Muitas vezes aproveitavam os frutos caídos, outrora desprezados pelo rude murmurador, para lhes dar significado e importância, alimentando-se para o próprio benefício e ficando capacitadas para encarar novos percalços. Parecia que as ovelhas sabiam como aproveitar melhor o fruto, muito embora aquele azedo desencorajasse. O ritual da coleta era deslumbrante. À semelhança da curvatura que se faz no ato de reverência, baixavam-se e erguiam-se num impulso para tomar dos braços estendidos do cajueiro sua dádiva mais preciosa. Com o fruto na boca, mastigavam lentamente. Demoravam minutos em um só fruto azedo, mas nada desperdiçavam. Imagino que o líquido azedo do fruto misturado com a salivação era por essa atenuado, sendo absorvido e convertido em algo “doce”. Em seguida, a massa frutífera era ingerida de forma mais prazerosa para apaziguar o drama do estomago. Ambos supriram a necessidade de suster com eficácia aqueles animais durante os dias em que ali se serviram. Como disse, talvez porque soubessem como comê-lo na referida circunstância. Outrossim, a própria natureza se encarregou de criar a harmonia para se auto preservar.

Essa narrativa foi adaptada a um conto que ouvi do Chico, morador do “Até que fim”. Podemos extrair diversas lições nesta alegoria para tornar nossa caminhada cristã mais interessante, equilibrada e coerente.

Que o Senhor nos abençoe!

 

Pr. Heládio Santos     

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