quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

A confissão e as tecnologias




Ensina-nos as Escrituras Sagradas o ato de confessar nossos pecados uns aos outros (Tiago 5:16). Muito embora o catolicismo romano entenda o texto como uma confissão ao sacerdote para a conferência de perdão para a salvação através de determinada penitência, na linguagem bíblica, refere-se à prática de sinceridade e honestidade de uns para com os outros, estreitando laços e aumentando a comunhão, pois somente Cristo tem autoridade para o perdão mediante arrependimento (Lucas 5:24). Desta forma, a essência do ensino tende a promover a proximidade entre irmãos com a qual se fortalece a relação pessoal, favorecendo no contexto cristão o poder de olhar uns nos olhos dos outros em atenção e em preocupação, quando couber, visando o aperfeiçoamento na carreira, tanto em nível individual como congregacional. Em contrapartida, em meio a tantas inovações tecnológicas, interfaces têm surgido quebrando as possibilidades de se verificar isso na prática. Sobre isso, faremos breves comentários.
Já recebi cartas convencionais anônimas, mensagens em redes sociais anônimas, e-mails anônimos e mensagens de WhatsApp sem saber de quem vinham. Para os remetentes que pensaram ser esta uma boa maneira de trazer à tona problemas, na verdade, revelaram outros, quem sabe, ainda maiores. Podemos elencar diante deste quadro alguns: a) a impossibilidade de se realizar o aconselhamento, b) a desconfiança contra o destinatário, c) a covardia do remetente, d) a percepção de não se querer resolver problemas, apenas suscitá-los, e) a ocultação do indivíduo carente de cuidados, f) a infelicidade de quem pode fazer algo, mas se vê impossibilitado... Enfim, estas servem para demonstrar como a privação de alguém ou de fatos podem causar transtornos na Igreja. 
A confissão, em termos gerais, não se refere apenas à revelação de culpa ou ato reprovável, mas também de uma ideia, desabafo etc. Um diálogo com um ministro, por exemplo, pode alcançar muitos caminhos se pensado dentro da visão cristã, justamente, porque o crente está integrado à sua Igreja local para o desenvolvimento de sua vocação enquanto cristão. É inevitável praticar as virtudes que dele se espera; do contrário, não teriam valor as premissas bíblicas que versam sobre a boa convivência no corpo de Cristo. Em Pedro 1:10, está escrito: “Portanto, irmãos, procurai fazer cada vez mais firme a vossa vocação e eleição; porque, fazendo isso, nunca jamais tropeçareis”. Gosto da expressão “nunca jamais” do texto. No mundo, costuma-se ouvir “nunca diga jamais” ou “nunca diga nunca”, mas por que não? Talvez porque os projetos mundanos têm sempre um conteúdo maleável. O Evangelho não sofre este tipo de influência, nem mesmo as epístolas apostólicas. Nunca é nunca e jamais é jamais mesmo. Vejam, o “nunca” e o “jamais” antecedem um dos piores dramas da carreira cristã, a queda. Se quiseres “nunca jamais” cair, faça valer sua vocação com honestidade, sinceridade, pureza de espírito, humildade, submissão, piedade, honra e tantos outros atributos descritos para os genuinamente cristãos.  
Conhecido por assim pensar, Jesus estabeleceu um princípio de relação pessoal para evitar qualquer sobreposição do mal, ao ensinar: “portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali adiante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão e, depois, vem e apresenta a tua oferta. Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele, para que não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial, e te lancem na prisão. Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não pagares o último centavo (Mateus 5:23-26). Notemos que há uma incitação à quebra do paradigma da indiferença, muito comum hoje em dia, porque ninguém quer se preocupar com o outro. Será na superação deste empecilho que a solução virá “após o ter ido até ele”, ou seja, criando uma relação direta e objetiva. Numa relação impessoal, a tendência para que mágoas permaneçam e enegreçam o coração é a própria consequência. Sem estar discorrendo sobre o assunto, mas asseverando a necessidade de amizade e afetividade, Zygmunt Bauman afirmou: “Amigos são pessoas capazes e desejosas de estabelecer uma relação amigável mútua sem preocupação com as diferenças entre eles, e prontas a ajudar umas às outras por conta dessas diferenças; capazes e dispostas a agir com gentileza e generosidade sem abandonar sua distinção – ao mesmo tempo cuidando para que essa distinção não crie uma distância entre eles ou os coloque uns contra os outros” (Bauman , Zygmunt. A cultura no mundo líquido moderno. Zahar: Rio de Janeiro, 2011, pg. 80-81).
Assim, um evento intermediado pelas tecnologias não conseguiu e nem conseguirá atender a Igreja em suas relações pessoais e diretas. As tecnologias, na verdade, evidenciam o distanciamento, a frieza e a desagregação que é a falta de pertencimento a algo, motivo, certamente, mais relevante de se tratar neste caso. Quando não se sente pertencente a algo não há encorajamento para a exposição porque não se luta por aquilo que se diz acreditar. Possivelmente, toda motivação foi gerada ou por uma inquietação interior não discernida ou por uma insuflação de terceiros. Ambas, passíveis de atenção e detecção do bispo ou de outros membros espirituais para que retornando ao formato primeiro que é sempre tratarmos frente a frente o que quer que seja possam cumprir seus deveres cristãos. Outrossim, as relações impessoais por meio de aplicativos e redes sociais deveriam ser desconsideradas para assuntos de maior relevância, podendo ser utilizados como meros comunicadores para diminuir tempos de espera. Essa semana, enviei pelo WhatsApp três ofícios para irmãos que precisavam dos mesmo com urgência. Simples e rápido. Sem burocracia e sem stress. Portanto, valorizemos a comunhão pessoal. O apertar das mãos dos irmãos. O Sentir o calor de sua compaixão e cuidado. Ouçamos a voz do ambiente que enseja a harmonia, a paz e a integração de tantos e muitos irmãos de diferentes classes sociais, culturais e idades. Saibamos, com espiritualidade, vencer os obstáculos para seguir em frente, hoje e sempre!

Pr. Heládio Santos


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