quarta-feira, 5 de agosto de 2020

O Evangelho inegociável


Afinal, a pretensão do Evangelho consiste em ser a máxima prevalecente ou não? A verdade contida nas suas muitas doutrinações são de fato a verdade ou o homem tem a capacidade de redefiní-lo, indo além ou mutilando o que está escrito como que tendo o poder para fazê-lo? Se o homem pode determinar a maneira de ser do Evangelho, não seria o Evangelho apenas um objeto utilitário com rótulo dogmático ou até mesmo ideológico? Se o Evangelho pode ser vivenciado de uma maneira determinada numa cultura e de outra noutra cultura, não seria o Evangelho, então, um possível subproduto cultural gerado pelo próprio homem em decorrência de sua necessidade “espiritual” para expressar-se diante do Sagrado e também um manual sagrado multifacetado (pensa-se assim na Antropologia)? Apesar de muitos cristãos não se auto definirem com semelhantes pensamentos é exatamente assim como tratam o Evangelho; seja no seu consciente ou no seu inconsciente o entendem como objeto maleável e subjugado ao querer humano e não o contrário. Lembremo-nos de que o Evangelho é inspirado por Deus e todo direcionamento proposto por ele tem a finalidade de trazer um alinhamento do homem com as virtudes divinas. Baseado nessa premissa, ponderaremos sobre algumas impressões sobre o verdadeiro Evangelho e o que ele propõe, tentando desmistificar e denunciar o suposto poderio humano.

         O Evangelho não pode ser pensado como uma quantidade limitada, referindo-se somente aos quatro livros que narram a História do Messias. O Evangelho concentra sua mensagem neles, mas extrapola para os demais conteúdos bíblicos, sendo, desta maneira, um “portal” pelo qual poderemos atingir toda a revelação divina para esta vida. A exemplo, vejamos o apóstolo Paulo informando sobre a experiência de Abraão no Evangelho: “Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: todas as nações serão benditas em ti” (Gálatas 3:8), e o apóstolo João narrando evento dos finais dos tempos ao dizer: “E vi outro anjo voar pelo meio do céu, e tinha o evangelho eterno, para o proclamar aos que habitavam sobre a terra, e a toda a nação, e tribo, e língua, e povo,” (Apocalipse 14:6). Ambos fazem indiretamente menção ao dimensionamento temporal do Evangelho, ou seja, de Gênesis a Apocalipse. Portanto, podemos dizer que a mensagem do Evangelho abrange toda a História da Humanidade.

         Perscrutando um pouco mais, a mensagem do Evangelho tem a finalidade de mudança. Lemos do precursor de Cristo as palavras ainda vigentes: “Arrependei-vos, e crede no Evangelho” (Marcos 1:15). Arrependimento consiste na contrição verdadeira que é um misto de tristeza pela vida de desobediência a Deus com a súplica pelo favor divino para poder caminhar-se de modo diferente a partir do encontro com a verdade. À luz do Santo Espírito, mentes transformadas pelo arrependimento aprendem que perder a vida de pecados, paixões e ilusões do mundo por amor de Cristo e do Evangelho permite-as adentrar a dimensão da salvação eterna da qual nem o injusto acusador será capaz de roubá-las daquele que as sustenta. Ademais, investidos na dimensão espiritual gozam da certeza inviolável da fé, da renúncia voluntária ao malfazejo e da alegria refulgente emanada da comunhão com o Senhor. Emocionalismo religioso barato? Não, a segura certeza da paz com Deus!

A experiência cristã pelo Evangelho é transformadora e consequentemente o redimido ruma desviando-se da vida pecaminosa e endireitando-se através da palavra restauradora de Cristo porque é incapaz de realizar por si só uma obra dessa envergadura. É também bem-aventurada e gera uma satisfação indizível e indescritível por uma razão apenas: revela o poder do legítimo Evangelho de Cristo, como diria Paulo: “Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Romanos 1:16)! Este é o Evangelho antigo que é sempre novo, continuando capaz de fazer com que um homem seja curado de lepra e volte glorificando a Deus em alta voz (Lucas 17:15), uma pecadora caia aos pés do Salvador em prantos suplicando sem palavras por perdão e encontre-o (Lucas 7:37-38), haja reconhecimento pelo carisma de um grupo de pessoas desconhecidas na grande maioria, mas que vivem a experiência do Evangelho sem preconceitos ou restrições e conseguem levar outros para Cristo pelo seu exemplo (Atos 2:47) e é capaz de nos fazer obedientes a Deus sem oposições aos postulados bíblicos, assim como ensinado pelo santo apóstolo ao dizer: “Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados” (Efésios 5:1).

O amor a Cristo pode ser elencado como a principal razão pela qual o cristão sente profunda paixão pela obediência, como o apóstolo atestou: “o amor de Cristo nos constrange” (I Coríntios 5:14). Não entenda o leitor “o amor de Cristo” como um sentimento romantizado, como supõem algumas correntes cristãs contemporâneas. Entenda-o como a causa da nossa sujeição voluntária, gerando prazer pela obediência a Ele, conforme Paulo complementa: “E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou” (I Coríntios 5:15). Apesar de soar como um dever e obrigação de retribuição, o autêntico cristão encontrou a graça imerecida que o faz sensível à prédica apostólica de querer agradar a Cristo, desvencilhando-se de todas as formas de pecados censuradas pelas Escrituras.

Entretanto, em alguns casos, líderes religiosos ensinam e preferem fazer diferente, ou seja, manipulam o conteúdo santo do Evangelho como se fossem seus donos para permitirem um modo de vida licencioso, sem a devida piedade de Cristo e impossibilitando seus seguidores de provar o manancial de Deus. Basta compreendermos a licenciosidade como a propagação de um comportamento distinto daquele do Evangelho como a mundanização dos comportamentos e dos modos de vida dos cristãos modernos. Dentre alguns poderíamos elencar: a dessacralização do modo de vida cristão, a rejeição ao exame bíblico cotidiano e individual que formaria o caráter sob a perspectiva bíblica (jovens cristãos são mais influenciados por livros de ficção do que pela Bíblia), a permissividade de estereótipos caracterizados pelos padrões seculares e não pelos evangélicos, a abstinência dos ritos individuais como jejum, oração individual e confissão, o desapego pela renúncia aos prazeres, o consentimento e permissividade para audição de músicas mundanas, praticar danças, namoros indecentes, divórcios etc. Esses “teólogos” trôpegos e cegos não conseguem aceitar a obediência plena e restrita ao sagrado Evangelho nem alcançar a experiência de satisfação cristã porque nunca souberam olhar humildemente para a cruz de Cristo, por isso, tentam fazer arranjos dos quais maculam suas vidas além do que já estão diante de Deus, além de formarem um grupo de seguidores pelo mesmo caminho de rebeldia. A nós, cabe a recusa à exposição apostática, sem vida e aliciada pelos paradigmas seculares destes emissores de falas estranhas. Eles que modificam e reinterpretam o Evangelho são chamados de fonte sem água e nuvens levadas pela força do vento, ou seja, não falam do Evangelho porque não o tem e são levados pelas tendências mundanas de tal modo que suas falas são mui arrogantes (arrogam pra si o legítimo conhecimento sem tê-lo), cheias de vaidades, e engodam com as concupiscências da carne; prometem liberdade, mas se auto aprisionam como servos da corrupção; são eles de quem se diz: deixaram o mundo, mas foram envolvidos e vencidos novamente; sobre eles está escrito: “o cão voltou ao seu próprio vômito, e a porca lavada ao espojadouro de lama” (II Pedro 2:22). Homens simples, humildes servos e piedosos são de fato aqueles que devemos querer ouvir porque valorizam o Evangelho como ele é e não como outros gostariam que fosse. Consentir com este termo, assegura o alinhamento com a verdade.

Muito embora haja a nítida manipulação do Evangelho pelo mundo afora, sabemos que ele é inegociável. Mesmo que alguém tente arrogar para si o poder de atualizá-lo ou modernizá-lo, ele não aceita a modificação de sua essência absoluta. Constitui-se, desta forma, o de querer mudar a essência do ensino, uma ação apóstata com sérias prescrições contra os que tais coisas praticam. Imaginamos que está em causa à prevalência do intento humano em detrimento ao divino com a consecução de tudo quanto converge em militância para o desaparecimento da ideia Deus. Suplantar sua vontade no Evangelho, se fosse possível, retiraria a potencialidade de haver justiça e equilíbrio no mundo e não causaria somente a repulsa divina que se manifestará em julgamento oportuno e futuro, mas também o desvio intencional de multidões pela fertilização de ideias obstinadas nas mentes vulneráveis ao inimigo de líderes carnais e modernos. Por isso, a regra do Evangelho é uma: ou se aceita como ele é ou não se aceita. Viver pelo Evangelho requer renúncia, sujeição e humildade, enquanto que em oposição ao sublime ensino o mundo propõe um conjunto completo de contrariedades: exigências, autonomia e exaltação do indivíduo. Fiquemos com o Evangelho de Deus e rejeitemos o evangelho dos homens, asseverando também a exortação de C.H.Spurgeon: “Devemos pregar o Evangelho... conforme a mente de Deus, o testemunho de Jeová a respeito de seu próprio Filho, e em referência à salvação para os homens perdidos. Se tivéssemos sido confiados à produção do Evangelho, poderíamos tê-lo alterado para atender ao gosto deste século, mas nunca fomos comissionados a originar a boa notícia, mas apenas a repetí-la, não nos atrevemos a ir além do que está escrito. O que temos sido ensinados por Deus, nós ensinamos. Se não fizermos isso, não somos aptos para nossa posição” (Sermão “A necessidade de decidir-se pela verdade” de 1874).

Pr. Heládio Santos


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