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quinta-feira, 3 de julho de 2025

Aslan com voz feminina?



Recentemente (03/04/2025), o site “Omelete” (https://www.omelete.com.br/filmes/as-cronica-de-narnia-netflix-greta-gerwig-pode-ter-meryl-streep-como-aslan-diz-site) divulgou a informação de que na nova produção da Netflix sobre “As crônicas de Nárnia” o grande Leão Aslan poderá ter voz feminina. A conceituada atriz Meryl Streep, ganhadora do Oscar, seria a escolha para a nova proposta. Essa ideia de Aslan ter uma voz feminina, no entanto, é uma interpretação que pode gerar discussões acaloradas uma vez que Aslan é frequentemente associado à figura messiânica de Jesus, portanto, assumindo uma característica masculino. Sua voz e aparência masculinas são importantes para a caracterização tradicional do personagem e alterá-la geraria prejuízo à obra.  

Uma crítica segura

Em "As Crônicas de Nárnia", Aslan é frequentemente visto como uma alegoria de Jesus Cristo e sua voz e aparência masculinas são necessárias na intenção de C.S. Lewis para a interpretação cristã do personagem. A masculinidade de Aslan é um elemento importante para demonstração de um líder forte e protetor, além de reforçar sua conexão com as características assumidas por Jesus ao longo de sua trajetória. 

A ideia de uma voz feminina para O PRINCIPAL personagem do conto, Aslan, abre espaço para uma nova interpretação do personagem, tornando a peça uma obra apócrifa haja vista o teor de sua origem e a carga sagrada contida na obra principal. C.S. Lewis ao retratar Aslan com masculinidade não pretendia e nem pensava em uma característica feminina para o personagem. Isso já seria o suficiente para ignorar qualquer proposta nesse sentido. E essa nova interpretação consiste em mais uma tomada da propaganda “woke” para descaracterização do tradicional. É a tal chamada desconstrução que em vias de querer assumir um papel relevante cai em meio ao descrédito. Há coisas que não devem ser mudadas porque causam mais prejuízo do que bem.   

Antes de alguém gemer com nossa opinião, o feminino é bastante exaltado na obra original. Basta olharmos para a singularidade de Lúcia e Suzana desde sua infância até a fase adulta na realeza. Não foi à toa que foram chamadas de as grandes rainhas dos áureos tempos de Nárnia.  

O elogio ao feminino

 


Lúcia Pevensie é frequentemente caracterizada como uma personagem sensível, um dos aspectos mais vislumbrantes do ser feminino. De igual modo, verificamos uma natureza gentil, uma forte crença em Nárnia e em Aslan e uma capacidade de enxergar aquilo que seus irmãos não conseguem ver. Assim, Lúcia é bem mais intuitiva e sensível, capaz de perceber a presença de Aslan mesmo quando os outros não conseguem. Ela demonstra grande empatia e cuidado com as criaturas de Nárnia, estabelecendo laços de amizade com muitas delas. Lúcia, por ser perseverante e ter um coração sempre centrado no que aprendeu, nunca perde a fé em Nárnia e em Aslan, mesmo quando confrontada com a descrença dos outros, o que pode ser visto como uma manifestação de sua sensibilidade e intuição. Apesar de sua sensibilidade, Lúcia também demonstra coragem e determinação, especialmente quando se trata de defender seus amigos e proteger Nárnia. Não foi sem razão que num diálogo com Aslan, em “O Príncipe Caspian”, nos deparamos com uma rica argumentação sobre coragem, crê e continuar a crê mesmo diante das dúvidas (nesse momento Nárnia estava tomada de falta de esperança e fé):

“Aslam! Eu sabia que era você, o tempo todo eu sabia! Mas os outros não acreditaram em mim. — Lúcia afagava a juba do leão que tanto esperava. — E por que isso a impediu de vir até a mim? — Aslam se pôs de pé e sua juba brilhava ao sol como ela jamais tinha visto. Ele também crescera, estava maior. — Desculpa! Eu estava com medo de vir sozinha. Por que você não se mostrou? Por que não chegou rugindo e se mostrou como na última vez? — Nada acontece duas vezes da mesma maneira. — Ele respondeu, antes de continuar. — E se eu estivesse vindo antes… Todos que morreram… Eu teria impedido? — Aslam adiantou-se, balançando a juba e olhando a garotinha nos olhos — Nunca saberemos o que teria acontecido, Lúcia. O que vai acontecer, no entanto, é bem diferente. Então você vai ajudar? — Lúcia parecia confusa. — Mas é claro. E você também. — Hã… eu queria ter mais coragem. — Se tivesse mais coragem, você seria uma leoa, e bom, suas amigas já dormiram bastante, não acha? — Dito isso, Aslam emitiu um rugido que fez toda Nárnia estremecer. Era um rugido de libertação. As árvores voltariam a dançar.” 

Essas características tornam a personagem Lúcia alguém sensível, forte e corajosa, uma genuína inspiração feminina para os outros personagens que a cercam e para nós leitores. 

A obra original deve ser respeitada

 


É importante manter a voz masculina de Aslan porquanto é um elemento importante da obra de C.S. Lewis. Mudanças drásticas alterarão a percepção do personagem e da história. Não fará sentido! Além do mais, o conto trouxe o encantamento que temos hoje exatamente pelo que ele é e foi imaginado. Tanto crianças como adultos foram contagiados pela essência infantil das histórias com a orientação da figura “paterna” que protege, orienta, tem cuidado dos seus e foi capaz de oferecer um sacrifício de si mesmo em substituição de uma criança. Perder esse ar e esse clima simbólico mais voltado para o masculino rompe para o descrédito.   

Conclusão

Em resumo, uma voz feminina para Aslan desconstruiria o real sentido do personagem, remetendo, principalmente, os telespectadores para aquilo que Aslan não é e nunca foi idealizado para ser. A obra perde o cerne do seu conteúdo. É importante considerar a importância da voz masculina de Aslan na caracterização tradicional do personagem porque foi assim que o autor C.S. Lewis o idealizou. Ceder a uma agenda “woke” só trará prejuízo a obra. Lembremos que a descaraterização de “Branca de Neve” produzida há alguns meses foi um fracasso exatamente devido a mudanças semelhantes. Nosso consolo? Acreditamos que a série da BBC foi a que melhor levou os livros para as telas. É uma ótima opção para quem quer assistir. Mas, sobretudo, ainda bem que temos os livros. Nada melhor do que fazer uso deles e viajarmos pela imaginação coerente de C.S.Lewis.


Heládio Santos