Recentemente
(03/04/2025), o site “Omelete” (https://www.omelete.com.br/filmes/as-cronica-de-narnia-netflix-greta-gerwig-pode-ter-meryl-streep-como-aslan-diz-site)
divulgou a informação de que na nova produção da Netflix sobre “As crônicas de
Nárnia” o grande Leão Aslan poderá ter voz feminina. A conceituada atriz Meryl
Streep, ganhadora do Oscar, seria a escolha para a nova proposta. Essa ideia de
Aslan ter uma voz feminina, no entanto, é uma interpretação que pode gerar
discussões acaloradas uma vez que Aslan é frequentemente associado à
figura messiânica de Jesus, portanto, assumindo uma característica masculino. Sua
voz e aparência masculinas são importantes para a caracterização tradicional do
personagem e alterá-la geraria prejuízo à obra.
Uma
crítica segura
Em
"As Crônicas de Nárnia", Aslan é frequentemente visto como uma
alegoria de Jesus Cristo e sua voz e aparência masculinas são necessárias na
intenção de C.S. Lewis para a interpretação cristã do personagem. A
masculinidade de Aslan é um elemento importante para demonstração de um líder
forte e protetor, além de reforçar sua conexão com as características assumidas
por Jesus ao longo de sua trajetória.
A
ideia de uma voz feminina para O PRINCIPAL personagem do conto, Aslan, abre espaço
para uma nova interpretação do personagem, tornando a peça uma obra apócrifa
haja vista o teor de sua origem e a carga sagrada contida na obra principal. C.S. Lewis
ao retratar Aslan com masculinidade não pretendia e nem pensava em uma
característica feminina para o personagem. Isso já seria o suficiente para
ignorar qualquer proposta nesse sentido. E essa nova interpretação consiste em
mais uma tomada da propaganda “woke” para descaracterização do tradicional. É a
tal chamada desconstrução que em vias de querer assumir um papel relevante cai
em meio ao descrédito. Há coisas que não devem ser mudadas porque causam mais
prejuízo do que bem.
Antes
de alguém gemer com nossa opinião, o feminino é bastante exaltado na obra
original. Basta olharmos para a singularidade de Lúcia e Suzana desde sua
infância até a fase adulta na realeza. Não foi à toa que foram chamadas de as
grandes rainhas dos áureos tempos de Nárnia.
O
elogio ao feminino
Lúcia
Pevensie é frequentemente caracterizada como uma personagem sensível, um dos
aspectos mais vislumbrantes do ser feminino. De igual modo, verificamos
uma natureza gentil, uma forte crença em Nárnia e em Aslan e uma capacidade de enxergar
aquilo que seus irmãos não conseguem ver. Assim, Lúcia é bem mais
intuitiva e sensível, capaz de perceber a presença de Aslan mesmo quando os
outros não conseguem. Ela demonstra grande empatia e cuidado com as
criaturas de Nárnia, estabelecendo laços de amizade com muitas
delas. Lúcia, por ser perseverante e ter um coração sempre centrado no que
aprendeu, nunca perde a fé em Nárnia e em Aslan, mesmo quando confrontada com a
descrença dos outros, o que pode ser visto como uma manifestação de sua
sensibilidade e intuição. Apesar de sua sensibilidade, Lúcia também
demonstra coragem e determinação, especialmente quando se trata de defender seus
amigos e proteger Nárnia. Não foi sem razão que num diálogo com Aslan, em “O
Príncipe Caspian”, nos deparamos com uma rica argumentação sobre coragem, crê e
continuar a crê mesmo diante das dúvidas (nesse momento Nárnia estava tomada de
falta de esperança e fé):
“Aslam!
Eu sabia que era você, o tempo todo eu sabia! Mas os outros não acreditaram em
mim. — Lúcia afagava a juba do leão que tanto esperava. — E por que isso a
impediu de vir até a mim? — Aslam se pôs de pé e sua juba brilhava ao sol como
ela jamais tinha visto. Ele também crescera, estava maior. — Desculpa! Eu
estava com medo de vir sozinha. Por que você não se mostrou? Por que não chegou
rugindo e se mostrou como na última vez? — Nada acontece duas vezes da mesma
maneira. — Ele respondeu, antes de continuar. — E se eu estivesse vindo antes…
Todos que morreram… Eu teria impedido? — Aslam adiantou-se, balançando a juba e
olhando a garotinha nos olhos — Nunca saberemos o que teria acontecido, Lúcia.
O que vai acontecer, no entanto, é bem diferente. Então você vai ajudar? —
Lúcia parecia confusa. — Mas é claro. E você também. — Hã… eu queria ter
mais coragem. — Se tivesse mais coragem, você seria uma leoa, e bom,
suas amigas já dormiram bastante, não acha? — Dito isso, Aslam emitiu um rugido
que fez toda Nárnia estremecer. Era um rugido de libertação. As árvores
voltariam a dançar.”
Essas
características tornam a personagem Lúcia alguém sensível, forte e corajosa, uma
genuína inspiração feminina para os outros personagens que a cercam e para nós
leitores.
A
obra original deve ser respeitada
É
importante manter a voz masculina de Aslan porquanto é um elemento importante
da obra de C.S. Lewis. Mudanças drásticas alterarão a percepção do
personagem e da história. Não fará sentido! Além do mais, o conto trouxe o
encantamento que temos hoje exatamente pelo que ele é e foi imaginado. Tanto
crianças como adultos foram contagiados pela essência infantil das histórias
com a orientação da figura “paterna” que protege, orienta, tem cuidado dos seus
e foi capaz de oferecer um sacrifício de si mesmo em substituição de uma
criança. Perder esse ar e esse clima simbólico mais voltado para o masculino
rompe para o descrédito.
Conclusão
Em
resumo, uma voz feminina para Aslan desconstruiria o real sentido do
personagem, remetendo, principalmente, os telespectadores para aquilo que Aslan
não é e nunca foi idealizado para ser. A obra perde o cerne do seu conteúdo. É
importante considerar a importância da voz masculina de Aslan na caracterização
tradicional do personagem porque foi assim que o autor C.S. Lewis o idealizou.
Ceder a uma agenda “woke” só trará prejuízo a obra. Lembremos que a
descaraterização de “Branca de Neve” produzida há alguns meses foi um fracasso
exatamente devido a mudanças semelhantes. Nosso consolo? Acreditamos que a
série da BBC foi a que melhor levou os livros para as telas. É uma ótima opção
para quem quer assistir. Mas, sobretudo, ainda bem que temos os livros. Nada
melhor do que fazer uso deles e viajarmos pela imaginação coerente de
C.S.Lewis.
Heládio Santos