Atualmente, existe uma grande
onda de calvinismo emergente. Os seus defensores ganharam fôlego durante o
governo de Bush nos EUA. No parágrafo seguinte, eu explico a razão desse
“avivamento” calvinista.
O calvinismo
ortodoxo tem uma visão escatológica pós-milenista, ou seja, acredita que a
igreja, por militância em todas as áreas, vai mudar a sociedade ANTES da vinda
de Jesus. Foi esse tipo de visão que influenciou a Revolução Puritana ocorrida
na Inglaterra do século XVII sob a influência de Cromwell. Em tempos mais
recentes, essa posição pós-milenista foi fortemente defendida pelos calvinistas
holandeses, discípulos de Kuyper.
O otimismo
calvinista perdeu muita força com as duas guerras mundiais, a ameaça comunista
e a secularização. Nesse momento, o dispensacionalismo dos batistas gerais (não
calvinistas) e dos pentecostais ganhou maior influência.
A ameaça
islâmica trouxe aos americanos a idéia de uma luta religiosa em nível global. O
governo de Bush foi marcado pela influência da perspectiva religiosa nas
decisões políticas, pela esperança de cristianização das instituições e pelo
retorno do ensino criacionista nas escolas públicas. Isso tudo trouxe o
pós-milenismo de volta, dando ao calvinismo muita força. Como, no meio
evangélico norte-americano, os calvinistas representam uma elite econômica,
eles resolveram desembolsar grandes somas para a divulgação do calvinismo.
Muitas editoras evangélicas importantes ficaram inclusive sob o controle de
censores calvinistas.
Os EUA têm o
seu histórico religioso mapeado por condições políticas e sociais. Assim, os
séculos XVIII e XIX foram marcados pela influência de metodistas e batistas,
enquanto o século XX relevou a força do pentecostalismo, o qual encontrou o seu
auge na década de 80. Agora, é a chance dos neocalvinistas.
O sonho
calvinista de dominar as instituições (teonomia) pela militância (inclusive,
política) leva a uma tendência para a intolerância, enquanto a visão elitista
da eleição eterna cria um sentimento de superioridade. Eis as grandes tentações
a serem vencidas pelo calvinismo emergente.
Os nossos
irmãos calvinistas costumam ressaltar que figuras emblemáticas do movimento
evangélico, como Jonathan Edwards, George Whitefield e C. H. Spurgeon, foram
calvinistas, para não falar no próprio Calvino e, mais ou menos, em Lutero. A
partir daí, em uma indução apressada, eles concluem que todos os cristãos
ortodoxos ao longo da história foram calvinistas.
Os fatos
revelam coisa bem diferente. Todos os pais da igreja até Agostinho ensinaram
coisas incompatíveis com a interpretação calvinista da predestinação. Todos os
estudiosos de Agostinho reconhecem que o mestre de Hipona teve duas fases. Na
primeira, ele não ensinava o que veio a ser chamado de calvinismo. Na segunda, o
zelo de combater a heresia pelagiana o levou ao extremo oposto e ele defendeu
algo próximo do que veio a ser chamado de calvinismo. Nessa fase, ele se
mostrou notadamente intolerante, incentivando a perseguição aos dissidentes.
É bom dizer
que, se Agostinho foi um “calvinista”, ele foi um “calvinista incoerente”, pois
manteve muitas afirmações incompatíveis com o ensino de Calvino, mesmo na
segunda fase de seu pensamento. Tanto Calvino nas “Institutas” como os
calvinistas conscientes admitem o fato.
O famoso
historiador protestante Justo L. Gonzalez afirma que poucos teólogos
importantes da Idade Média reproduziram o ensino determinista de Agostinho.
No movimento
evangélico, os anabatistas tinham uma interpretação não calvinista da
predestinação. Lutero ensinou algo dúbio, pois o seu “Deus revelado” era
compreendido arminianamente, enquanto o seu “Deus abscôndito” era entendido de
modo calvinista. Felipe Melanchton, companheiro e sucessor de Lutero, opôs-se à
interpretação restritiva da predestinação, entrando em tensão com o calvinismo.
R. T. Kendall explica que o próprio Calvino defendeu a expiação universal
(embora defendesse a predestinação absoluta) e que a doutrina da expiação
limitada foi fruto da “modificação puritana da Teologia de Calvino”. O próprio
Arminius foi um homem profundamente piedoso e um grande teólogo de formação
calvinista que rompeu com a teologia de Calvino. Aproveitamos a oportunidade
para dizer que, diferentemente dos arminianos subsequentes, Arminius defendeu a
perseverança dos santos e a segurança eterna dos salvos.
Entre os não
inteiramente calvinistas (já que concordamos em muitos pontos com o
calvinismo), podemos ainda colocar o puritano Richard Baxter, John Bunyan
(autor de “O Peregrino”), John Wesley, Charles Wesley, Charles Finney, D. L.
Moody e Billy Graham (embora o último seja uma figura controversa).
Atualmente,
importantes autores calvinistas estão em evidência, como Sproul e Pieper. No
entanto, devemos lembrar que grandes apologetas da fé cristã na atualidade não
são calvinistas (embora, como nós, insistam que o crente não perde a sua
salvação). Entre eles, nós encontramos: Norman Geisler, Gary Habermas, William
Lane Craig e Dave Hunt. Geisler e Hunt já escreveram, por exemplo, livros
inteiros em refutação ao calvinismo, além de terem participado de vários
debates sobre o assunto.
Alvin Platinga
foi considerado o “principal filósofo protestante ortodoxo nos EUA” pela
revista “Time”. É professor da Universidade de Notre Dame. Formado na tradição
reformada holandesa, ele era o orgulho do calvinismo. No entanto, quando era
professor no Calvin College (Faculdade Calvino), instituição de referência do
calvinismo americano, ele publicou um livro sobre o livre-arbítrio, notadamente
anti-calvinista. O calvinista John Frame chegou mesmo a dizer que ele defendeu
o conceito arminiano de liberdade.
Entre os
batistas, nós temos duas posições. Os batistas mais antigos, provenientes dos
anabatistas (que podem legitimamente traçar uma linha sucessória desde a igreja
apostólica), são chamados batistas gerais e não são calvinistas. Os batistas
particulares são os outros. Eles são calvinistas e vieram dos puritanos (dos
congregacionais mais exatamente). Na sociedade inglesa dos séculos XVII e
XVIII, berço dos batistas americanos, os batistas gerais eram a maioria (pelo
menos inicialmente), mas eram os mais pobres. Os batistas particulares eram da
elite econômica e foram influentes nos campos político e institucional. Por sua
posição, fizeram os ensinos de Calvino prevalecer, mas, numa geração seguinte,
os batistas gerais voltaram a ser maioria.
Esse breve
resumo histórico teve por objetivo mostrar que nós (não calvinistas estritos)
não temos que nos sentir acabrunhados diante da grande pressão psicológica do
calvinismo emergente. Como batistas gerais, por sua vez, queremos deixar claro
que continuamos a sustentar a perseverança dos santos, pois um verdadeiro
crente não deixa de perseverar, não perde a salvação!
Dr. Glauco Barreira Magalhães Filho
Mestre em
Direito (UFC), Doutor em Sociologia da Religião (UFC), Livre Docente em
Filosofia (UVA), Th. D. (Doutor em Teologia) pela Ethnic Christian Open
University, Pós-Graduado em Teologia Histórica e Dogmática (FAERPI), DIRETOR DO
INSTITUTO PIETISTA DE CULTURA
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