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No princípio desta obra sobre A Cidade de Deus, achei que devia começar a
responder aos meus inimigos que andam em busca dos gozos terrenos e, ávidos de
bens fugazes, acusam a religião cristã – única salutar e verdadeira religião –,
das tristezas que eles têm que suportar, mas que são mais uma advertência da
misericórdia de Deus do que castigo da sua severidade. E como entre eles há uma
multidão de ignorantes, acende-se mais fortemente o seu ódio contra nós.
Baseados na autoridade dos seus doutores e na sua ignorância, julgam que os
males insólitos dos seus tempos não teriam acontecido nos tempos passados [...]
Agostinho de Hipona
A
singularidade das Escrituras Sagradas (Bíblia) é notória. Não há nada como suas
palavras e a verdade explicitada nela. As premissas reveladoras de uma consciência
divina muito superior à humana conseguiram estabelecer um padrão convincente acerca
do portar-se do homem nas suas diversas relações de mundo. Serviram,
inclusive, como fundamentos da ordem social e política em algumas sociedades.
Portanto, alinhando, de certa forma, a mentalidade humana à divina serviu para
criar a percepção de valor na vida.
À
medida que o tempo passou, uma inquietação opositora cresceu quanto ao
conservar esses valores, assumindo papel decisivo e influenciando a muitos numa
intenção de modificação. O conflito criado alcançou uma dimensão tão elevada
que obrigou os insurgentes do sistema a um trabalho cauteloso em torno da ideia
do errado para que este se reinventasse e assumisse um novo posto. Muito do que
era concebido como indecente, como irreverente ou como impróprio foi
transformado em oportunidade, sendo “felizes” aqueles que se dão às suas práticas.
O mal de outrora, assim, ganhou status de “bom” e “prazeroso” e não mais de
pecado. Dentre muitas, a que assume maior evidência é a sensualidade e suas
paixões porque o homem passou a ser mais devotado a si do que a Deus.
Do
ponto de vista elucidativo, a crítica aos valores cristãos não percebeu (ou não
quis perceber) o iminente dano decorrente do redirecionamento de suas ações,
porquanto o pecado gera corrupção e quanto maior for sua pecaminosidade maior
também sua degeneração. A corrupção não se limitará apenas a um segmento da
vida, mas contaminará progressivamente em busca de alcançar o todo, desde o
menor até as maiores autoridades, porque “o que semeia na sua carne, da carne
ceifará corrupção” (Gálatas 6:8). Esta corrupção se instaura em vida e continua
consumindo o ser durante toda eternidade, “onde o seu bicho nunca morre, e o
fogo nunca se apaga” (Marcos 9:46). O profeta Miquéias vivenciou período
semelhante e profetizou para alertar as nações:
Já
pereceu da terra o homem piedoso, e não há entre os homens um que
seja justo; todos armam ciladas para sangue; cada um caça a seu
irmão com a rede, as suas mãos fazem diligentemente o mal; assim
demanda o príncipe, e o juiz julga pela recompensa, e o grande fala
da corrupção da sua alma, e assim todos eles tecem o mal. O melhor
deles é como um espinho; o mais reto é pior do
que a sebe de espinhos; veio o dia dos teus vigias, veio o dia da
tua punição; agora será a sua confusão (Mq 7:2-4).
Consequentemente,
a Igreja piedosa passou a ser rechaçada para abandonar seu papel de porta voz
da verdade e conservadora dos valores éticos e cristãos. Muito embora muitas
Igrejas tenham se desviado também destes padrões, sendo levianas e emancipando-se
da tutela do Pai das Luzes, ainda existem servos perseverantes na anunciação
dos preceitos da verdade. Apesar de serem chamados retrógrados, entendem o ideal
de conservação e preservação da vida, tanto individual quanto coletivo. A
Igreja autêntica continua pregando para o indivíduo, para famílias e para a
sociedade na tentativa de trazer, em primeiro lugar a comunhão com Deus por
meio do Salvador Jesus, para em seguida, propor equilíbrio, sensatez, prudência,
pudor e tantas outras virtudes somente encontradas no arcabouço cristão. Enquanto
sua mentalidade estiver devotada à luminosidade do texto bíblico, ela
continuará a pregar a fé, a esperança e o amor para todos os homens,
independentemente da categoria espiritual na qual estejam. Os pecadores serão
amados, mas receberão o diagnóstico para a cura de seus males; ninguém será
desprezado, como nunca foram. Apesar dessa Igreja assim se posicionar, em
vistas das tantas mudanças da sociedade, ela poderá ser vítima de perseguição e
intolerância, entrementes, não renunciará sua vocação neste mundo, sofrendo,
mas amando até o último suspiro.
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