O
meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento; porque tu rejeitaste
o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de
mim; e, visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de
teus filhos. (Oséias 4:6)
O livro de Oséias narra a relação entre Deus
e Israel expondo as “angústias” do Senhor em decorrência do sofrimento causado
pela infidelidade do povo, pela sua idolatria (adultério espiritual) e,
principalmente, pelo motivador destas ardilosas condutas, a falta de
conhecimento. Israel rejeitou a premissa veterotestamentário de Salomão que
dizia: “inclina o teu ouvido e ouve as palavras dos sábios, e aplica o teu
coração ao meu conhecimento” (Provérbios 22:17), por isso, foi acometido pela
apatia e frieza, gerando enormes prejuízos espirituais porque não se deixou
influenciar pelos estatutos divinos. Provocados pela instrução bíblica, podemos
reconhecer a necessidade do conhecimento de Deus e de sua Palavra, mas também de
como será nossa relação com Ela e como deveremos tratar a interpretação do
outro.
O relato da revelação bíblica pretende
alertar a Igreja para rejeitar conduta semelhante à de Israel, ou seja, desprezar
o conhecimento. É prerrogativa da Ecclesia
tanto o conhecimento como o aperfeiçoamento na doutrina de Cristo, conforme o
próprio Senhor mencionou: “Examinais as Escrituras...” (João 5:39). Pela exposição
apostólica é explicitado a outra pretensão: “querendo o aperfeiçoamento dos
santos” (Efésios 4:12). Por assim dizer, o exame das Escrituras é muito
diferente de sua leitura. A leitura remete para algo mais leve e
descompromissado, sem demonstração plena de interesse, de modo que Jesus
assevera o modo pelo qual deveremos tratar o conhecimento bíblico:
examinando-o. Isto estabelece uma relação de tratamento mais minucioso com o
texto, a fim de que nos comportemos com a expectativa de o conhecermos em sua
essência. Para tanto, a investigação bíblica deverá ser o objetivo do crente.
Não obstante, essa investigação não é uma crítica ao texto em si, segundo uma
racionalidade contemporânea, antes a forma de desvendar pela luz e pela orientação
do Santo Espírito a expressa verdade para nós oportunizada. Com virtuosa ação, alcançamos
a boa consciência da verdade: “Estai, pois, firmes, tendo cingidos os vossos
lombos com a verdade” (Efésios 6:14).
O autoexame é uma bênção para o crente, pois
poder examinar a Escritura, extraindo dela sua verdade, nos coloca no ápice da
possibilidade para conhecermos efetivamente a Palavra. A ponte para a verdade
da Palavra foi estabelecida por Cristo. Nele, há um elogio à pequenez desvendando
o mistério para o esclarecimento e nos elevando à estatura que torna possível o
conhecimento de sua vontade. Foi em breve oração, robustecida pelo sincero
agradecimento ao Pai, que assim demonstrou: “... graças te dou, ó Pai, Senhor
do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as
revelaste aos pequeninos” (Mateus 11:25). A pequenez dos discípulos expressou a
submissão diante da grandeza de Deus e a humildade encontrada entre os
virtuosos fiéis a Cristo que anelavam o conhecimento de Deus. Portanto, pequenez
simboliza a sujeição a Deus pela qual se alcança o seguro entendimento da
Palavra.
Causa-nos estranheza, no entanto, as
divergências teológicas de interpretação que mais afastam do que agregam e
criam um ufanismo denominacional. Dentre outros fatores, muitos não sentem
desprazer na conduta da sobreposição, antes, procuram refinar seus argumentos
para sempre imporem suas concepções em decorrência da ânsia de verem o outro
superado. O autoexame de fato possibilitou certa independência aos interpretes,
de modo que inúmeras concepções teológicas têm surgido ao longo dos tempos. É
plausível dizermos que a maioria está errada na arte interpretativa, causando
determinados percalços para o Evangelho, para a Igreja e para os descrentes. O
remédio, entretanto, para todas elas é a univocidade da Escritura e a uniformidade
doutrinária (não entenda isso como uma forma de ecumenismo, não o é, mas
simplesmente a guarda do fiel depósito pela Igreja de Cristo). Não há várias
interpretações para a doutrina de Cristo, somente uma. Reprovados os altaneiros
de vaidosos espíritos, estão tendentes à perfeita interpretação os símplices de
coração que com alento tratam a doutrina não como sua, mas como de Deus, para
si e para o outro. Na verdade, a Igreja deveria compreender que somos o
resultado da operação de Cristo e de sua Palavra, não seus proprietários. Essa
mentalidade nos aperfeiçoa para saber lhe dar com as tantas circunstâncias onde
a Palavra é colocada em questão para assim podermos redarguir através da
Verdade. Daí Paulo nos orientar: “Retendo firme a fiel palavra, que é conforme
a doutrina, para que seja poderoso, tanto para admoestar com a sã doutrina,
como para convencer os contradizentes” (Tito 1:9).
Nossa conduta como cristãos anabatistas é
interpretarmos as Escrituras com a receita que nos foi dada: com simplicidade
de coração e de espírito, permitindo sermos levados pela precisa orientação do
Santo Consolador, a fim de agirmos com a mansidão e paz, virtudes que assistem
ao que está revestido do perfeito conhecimento. Esse conhecimento é partilhado
e multiplicado com gratuidade e simpatia, visando o crescimento de cada parte,
inclusive, de alguns que se acham despreparados para internalizarem o ensino. Por
isso, busquemos com afinco conhecer a Deus e sua Palavra sempre com humildade e
sujeição, não nos achando os melhores, mas os menores.