O Jornal Tocha da Verdade é uma publicação independente que tem como objetivo resgatar os princípios cristãos em toda sua plenitude. Com artigos escritos por pastores, professores de algumas áreas do saber e por estudiosos da teologia buscamos despertar a comunidade cristã-evangélica para a pureza das Escrituras. Incentivamos a prática e a ética cristã em vistas do aperfeiçoamento da Igreja de Cristo como noiva imaculada. Prezamos pela simplicidade do Evangelho e pelo não conformismo com a mundanização e a secularização do Cristianismo pós-moderno em fase de decadência espiritual.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Interpretação bíblica



O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento; porque tu rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; e, visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos. (Oséias 4:6)

O livro de Oséias narra a relação entre Deus e Israel expondo as “angústias” do Senhor em decorrência do sofrimento causado pela infidelidade do povo, pela sua idolatria (adultério espiritual) e, principalmente, pelo motivador destas ardilosas condutas, a falta de conhecimento. Israel rejeitou a premissa veterotestamentário de Salomão que dizia: “inclina o teu ouvido e ouve as palavras dos sábios, e aplica o teu coração ao meu conhecimento” (Provérbios 22:17), por isso, foi acometido pela apatia e frieza, gerando enormes prejuízos espirituais porque não se deixou influenciar pelos estatutos divinos. Provocados pela instrução bíblica, podemos reconhecer a necessidade do conhecimento de Deus e de sua Palavra, mas também de como será nossa relação com Ela e como deveremos tratar a interpretação do outro.
O relato da revelação bíblica pretende alertar a Igreja para rejeitar conduta semelhante à de Israel, ou seja, desprezar o conhecimento. É prerrogativa da Ecclesia tanto o conhecimento como o aperfeiçoamento na doutrina de Cristo, conforme o próprio Senhor mencionou: “Examinais as Escrituras...” (João 5:39). Pela exposição apostólica é explicitado a outra pretensão: “querendo o aperfeiçoamento dos santos” (Efésios 4:12). Por assim dizer, o exame das Escrituras é muito diferente de sua leitura. A leitura remete para algo mais leve e descompromissado, sem demonstração plena de interesse, de modo que Jesus assevera o modo pelo qual deveremos tratar o conhecimento bíblico: examinando-o. Isto estabelece uma relação de tratamento mais minucioso com o texto, a fim de que nos comportemos com a expectativa de o conhecermos em sua essência. Para tanto, a investigação bíblica deverá ser o objetivo do crente. Não obstante, essa investigação não é uma crítica ao texto em si, segundo uma racionalidade contemporânea, antes a forma de desvendar pela luz e pela orientação do Santo Espírito a expressa verdade para nós oportunizada. Com virtuosa ação, alcançamos a boa consciência da verdade: “Estai, pois, firmes, tendo cingidos os vossos lombos com a verdade” (Efésios 6:14).
O autoexame é uma bênção para o crente, pois poder examinar a Escritura, extraindo dela sua verdade, nos coloca no ápice da possibilidade para conhecermos efetivamente a Palavra. A ponte para a verdade da Palavra foi estabelecida por Cristo. Nele, há um elogio à pequenez desvendando o mistério para o esclarecimento e nos elevando à estatura que torna possível o conhecimento de sua vontade. Foi em breve oração, robustecida pelo sincero agradecimento ao Pai, que assim demonstrou: “... graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos” (Mateus 11:25). A pequenez dos discípulos expressou a submissão diante da grandeza de Deus e a humildade encontrada entre os virtuosos fiéis a Cristo que anelavam o conhecimento de Deus. Portanto, pequenez simboliza a sujeição a Deus pela qual se alcança o seguro entendimento da Palavra.  
Causa-nos estranheza, no entanto, as divergências teológicas de interpretação que mais afastam do que agregam e criam um ufanismo denominacional. Dentre outros fatores, muitos não sentem desprazer na conduta da sobreposição, antes, procuram refinar seus argumentos para sempre imporem suas concepções em decorrência da ânsia de verem o outro superado. O autoexame de fato possibilitou certa independência aos interpretes, de modo que inúmeras concepções teológicas têm surgido ao longo dos tempos. É plausível dizermos que a maioria está errada na arte interpretativa, causando determinados percalços para o Evangelho, para a Igreja e para os descrentes. O remédio, entretanto, para todas elas é a univocidade da Escritura e a uniformidade doutrinária (não entenda isso como uma forma de ecumenismo, não o é, mas simplesmente a guarda do fiel depósito pela Igreja de Cristo). Não há várias interpretações para a doutrina de Cristo, somente uma. Reprovados os altaneiros de vaidosos espíritos, estão tendentes à perfeita interpretação os símplices de coração que com alento tratam a doutrina não como sua, mas como de Deus, para si e para o outro. Na verdade, a Igreja deveria compreender que somos o resultado da operação de Cristo e de sua Palavra, não seus proprietários. Essa mentalidade nos aperfeiçoa para saber lhe dar com as tantas circunstâncias onde a Palavra é colocada em questão para assim podermos redarguir através da Verdade. Daí Paulo nos orientar: “Retendo firme a fiel palavra, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para admoestar com a sã doutrina, como para convencer os contradizentes” (Tito 1:9).
Nossa conduta como cristãos anabatistas é interpretarmos as Escrituras com a receita que nos foi dada: com simplicidade de coração e de espírito, permitindo sermos levados pela precisa orientação do Santo Consolador, a fim de agirmos com a mansidão e paz, virtudes que assistem ao que está revestido do perfeito conhecimento. Esse conhecimento é partilhado e multiplicado com gratuidade e simpatia, visando o crescimento de cada parte, inclusive, de alguns que se acham despreparados para internalizarem o ensino. Por isso, busquemos com afinco conhecer a Deus e sua Palavra sempre com humildade e sujeição, não nos achando os melhores, mas os menores.

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