Na castigada
região sertaneja, havia um cajueiro que se sobressaía em meio à devastação
campestre. Frondoso, robusto e até ousado resistiu às intempéries e danos
causados pelo monstro da seca, enquanto a relva e tantas outras árvores sucumbiram
ante o poder agressivo do tempo de escassez. Mesmo contra as expectativas, o
“pé” de caju continuava firme e resiliente, também solitário, mas solícito.
Continuava a produzir seus frutos, sustentar suas folhas e proporcionar sombra
para os caminhantes enfadados pelo árduo calor da insolação. Lamentavelmente, não
era muito apreciado pelos homens porque seu fruto era extremamente azedo,
abrindo maior oportunidade para os animais à procura de pastagem e alimento durante
a severa seca.
Por
sinal, um bode e algumas ovelhas eram os únicos que se achegavam para comer
daquela fruta e descansar à sombra de sua folhagem. Por alguma razão a ser
dita, sempre que o bode se servia dos suculentos frutos emitia um berro
estrondoso e assustador. Tamanha era sua intensidade que afastava as ovelhas e
chamava à atenção quem passava pelos arredores, deixando-os apavorados e
fazendo-os pensar que alguém estaria maltratando o animal. Sua forte insatisfação
ecoava longe e até onde podia ser ouvida. Trazia um espanto afugentador entre todos,
diga-se com grande propriedade, em virtude da mentalidade mística do agreste que
indicava algum presságio avassalador. O rebanho também se afastava e não podia
estar com aquele bicho murmurante e irreconciliável porque era avesso à sua
tendência e índole. Com a repetição e a observação da ocorrência, percebeu-se
que aquele berro se tratava tão somente de uma reclamação do animal. Reclamava
com veia injuriosa do azedume do fruto que o estava salvando a vida,
desprezando, de certa forma, a benfeitoria e a provisão.
As
ovelhas, sabiamente, não se deixavam contaminar pelos alardes repugnantes do
bode. Distanciavam-se e aguardavam chegar o cansaço no bicho bruto. Eram
pacientes em ouvir aquele “praguejar”, mas não se deixavam dissuadir do
propósito à frente. Quando, enfim, o bicho saía, as ovelhas achegavam-se à
sombra do seu provedor. Comiam à mercê do vento abafado sem esboçar qualquer
insatisfação. Muitas vezes aproveitavam os frutos caídos, outrora desprezados
pelo rude murmurador, para lhes dar significado e importância, alimentando-se
para o próprio benefício e ficando capacitadas para encarar novos percalços.
Parecia que as ovelhas sabiam como aproveitar melhor o fruto, muito embora aquele
azedo desencorajasse. O ritual da coleta era deslumbrante. À semelhança da
curvatura que se faz no ato de reverência, baixavam-se e erguiam-se num impulso
para tomar dos braços estendidos do cajueiro sua dádiva mais preciosa. Com o
fruto na boca, mastigavam lentamente. Demoravam minutos em um só fruto azedo,
mas nada desperdiçavam. Imagino que o líquido azedo do fruto misturado com a
salivação era por essa atenuado, sendo absorvido e convertido em algo “doce”. Em
seguida, a massa frutífera era ingerida de forma mais prazerosa para apaziguar
o drama do estomago. Ambos supriram a necessidade de suster com eficácia
aqueles animais durante os dias em que ali se serviram. Como disse, talvez
porque soubessem como comê-lo na referida circunstância. Outrossim, a própria
natureza se encarregou de criar a harmonia para se auto preservar.
Essa
narrativa foi adaptada a um conto que ouvi do Chico, morador do “Até que fim”. Podemos
extrair diversas lições nesta alegoria para tornar nossa caminhada cristã mais
interessante, equilibrada e coerente.
Que
o Senhor nos abençoe!
Pr. Heládio Santos
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