H
|
avia um clímax espiritual nas reuniões da
comunidade de Atos dos Apóstolos. Era motivado por uma comunidade de práticas
intensas da vida cristã visto terem experimentado o dom da graça e os dons do
Espírito incondicionalmente e com muita liberdade, razões que nos permitem
constatar o surgimento de sua potencialidade e do seu caráter promissor, ambos
necessários para a consolidação e expansão do Cristianismo. Essa dinâmica não
se justificava somente pelo desenvolvimento do trabalho dos doze apóstolos, mas
também pela fé e convicções daqueles que se apropriaram das benesses
espirituais sem, no entanto, serem identificados. Muito se falou da
espiritualidade apostólica através da qual se operava grandes feitos, porém, há
uma omissão intencional, já que o livro de Atos representa os dos apóstolos, da
vida e do trabalho de tantos outros discípulos presentes nas reuniões de casa
em casa que também serviram para dinamizar a fluência do Espírito na Igreja
Primitiva. Isto, no entanto, não é desabonador. É desafiador para os atentos
leitores que através de um exercício de meditação podem contemplar tantos
quantos estiveram cumprindo papéis importantes, sendo instrumentos para a
edificação daquela Igreja e inspirando-nos a exercer o sacerdócio universal de
todos os crentes.
O espírito reinante em cada um
daqueles cristãos e, consequentemente, em cada reunião nos lares era o da
perseverança na doutrina, da comunhão, do partir do pão, das orações, da
solidariedade, do temor individual e coletivo e da unidade cuja essência tornou
aquela comunidade ideal, exatamente, em razão da prática da fé que os unia
(Atos 2:44). A perseverança unânime era a argamassa daquele sólido “edifício”
que tornava aquela comunidade tão atraente aos olhos dos pecadores (Atos 2:47),
assim como o zelo de sempre querer praticar tudo quanto tinha recebido; por
isso, na narrativa deste período da Igreja encontramos diversos relatos
sobrenaturais entre eles (Atos 3:3-8, 4:4, 4:8-23, 4:33-34). Esse envolvimento
com a espiritualidade cristã criou aspirações santas: despertamento para se
tornarem porta vozes do Altíssimo de todo o coração, edificação da Igreja através
da multiplicidade de dons e salvação dos pecadores pela pregação nos lares,
lugar que se tornava solo sagrado por ocasião da invocação do Nome do Senhor
(Mateus 18:20).
Aparentemente, o ambiente
restrito do lar não deveria presenciar tantas operações de “pessoas estranhas”.
Em razão de algumas reuniões em casa administradas pelo Senhor (Marcos 2:1-5 e
Lucas 19:5-8) e com alguns ensinos que ilustravam a casa como ambiente de
comunhão (Apocalipse 3:20), a Igreja não se omitiu em fazer o mesmo, entendendo
e confirmando também o sentimento de partilha próprio das primeiras pregações
de Cristo (Atos 4:32). A lógica era partilhar do aconchego do lar para
estabelecer uma comunhão segura, tanto com Deus quanto com os demais cristãos.
Um ambiente fraterno, enriquecido por tantas virtudes dos ensinos cristãos,
possibilitaram a ocorrência de diversas manifestações espirituais que foram
prontamente registradas para as gerações seguintes a fim de aspirarem o mesmo.
O evento na casa de Cornélio (Atos 10) e as reuniões na casa de Filipe cujas
filhas profetizavam (Atos 21:8-9) nos fazem sonhar com aquelas circunstâncias.
Pedro e Paulo foram privilegiados porque foram surpreendidos pelos efeitos de
uma reunião espiritual tremenda. Veja que eles não foram os protagonistas nos
respectivos casos, mas Cornélio e sua anônima família e as filhas de Filipe que
nem o nome nos foi revelado. Entretanto, nos dois casos impera a manifestação
do Espírito atingindo pessoas tidas como comuns que nos trouxeram uma
informação maravilhosa: Deus também opera através dos comuns, dos que não têm
nenhuma vocação ministerial, dos que aspiram algo sempre novo quando a Igreja
se reúne. O ensino desse importante fundamento está explicitado nas palavras de
Paulo: “Porque, para com Deus, não há acepção de pessoas” (Romanos 2:11); na
mesma medida que Pedro pregou: “Reconheço por verdade que Deus não faz acepção
de pessoas” (Atos 10:34).
Desta forma, a percepção
espiritual daquela comunidade estava aguçada pelo cumprimento das promessas de
Cristo ocasionando inúmeras experiências relevantes. No contexto de Atos, quem
assume papel de destaque são os apóstolos, contudo a Igreja é consequência dos
feitos desses homens de Deus, tendo também papel fundamental e atuante. Mesmo
que os muros de Jerusalém fossem transpostos, a dinâmica desse povo continuaria
a mesma: em Samaria, na Judeia e até nos confins do mundo, como atestam as
epístolas apostólicas. Em Tessalônica, o apego ao iminente retorno de Cristo
gerava expectativas fundamentadas nas Escrituras de tal modo que suas
convicções operavam nos que criam (I
Tessalonicenses 2:13) para sentirem o gozo do Espírito (I Tessalonicenses 1:6).
Em Roma, a casa de Áquila e Prisca era o lugar de comunhão no qual os
discípulos afluíam para receberem instruções, usufruindo de um ambiente de
inspirada santidade que atraía o vento do Santo Espírito. Áquila e Prisca eram
crentes ilustres de profunda fé vinculada à sã doutrina. Foram eles que
trouxeram um refinamento espiritual na vida de Apolo (Atos 18:26), homem
eloquente e poderoso nas Escrituras (Atos 18:24), para que usufruísse melhor
dos talentos recebidos do Senhor. Após essa koinonia, tornou-se mais veemente
em suas palavras, oportunizando maiores frutos para o Reino de Deus (Atos
18:26-28).
Verifica-se
quão poderosa é arte da koinonia, pois transforma limitações em ações
prodigiosas. Não restam dúvidas que a Igreja cujos pilares estão nas reuniões
de casa em casa, cumprindo a plena comunhão, tendem a exercer forte papel no
crescimento espiritual dos seus membros. A Igreja de Corinto, por sinal, era
uma comunidade ativa. Sua membresia participava efetivamente dessas reuniões
buscando sempre mais de Deus. Não é à toa sua classificação nas Escrituras de
Igreja dos dons espirituais. Não que nas outras eles inexistissem, mas em razão
de ser Corinto a Igreja escolhida para revelar esse conjunto carismático pela
efetividade com que eram manifestados. Obviamente, a ingenuidade na condução
das manifestações dos dons espirituais entre alguns também ficou evidente de
modo que a instrução apostólica colocou tudo em seu devido lugar (I Coríntios
12:1). Por conseguinte, é muito importante olharmos para Corinto a fim de
vermos a excelência e a preciosidade dos dons, conhecermos quais são e
identificarmos sua funcionalidade para podermos exercer a busca até
alcança-los. Na utilização, deveremos ser zelosos em Deus para que seja somente
Ele a propor aos nossos corações sua inspirada vontade, já que “a manifestação
do Espírito é dada a cada um, para o que for útil” (I Coríntios 12:7). Nesse
texto, há um retorno ao que acima propomos, por isso diz que é dada a “cada um”
em virtude de todo o cristão ser em potencial alguém capaz de usufruir dos dons
para edificação da Igreja.
Assim,
a unidade faz toda a diferença, mesmo entre os desiguais (os desiguais não é
termo que se refere a discordâncias doutrinárias, mas a personalidades
diferentes). Já vimos que a Igreja Primitiva era una, tanto na comunhão como na
doutrina, mesmo tendo diferenças a nível cultural (algo mais problemático para
o contexto). Esse era seu diferencial. Por isso, a partir do momento que
domarmos nosso coração para vivermos a plena comunhão, sem levantar queixas
inconsequentes, sem tratar o irmão com indiferença, aprendendo a considera-lo
em honra e respeito como Noiva de Cristo, neste momento, alcançaremos a
capacidade para poder exercer toda virtude do alto de forma plena (Efésios
2:15-16). Não obstante as adversidades que se apresentem para tentar barrar-nos,
impedindo temporariamente a prática devotada de comunhão, temos em Cristo a
possibilidade de exercer nossa função com afinco para que a glória seja d’Ele.
Para tanto, é bastante necessária a participação efetiva, em todos os sentidos,
de cada membro da Igreja nas reuniões nas casas, pois é nesse lugar que a
Igreja exerce seu papel em sua totalidade.
Com estima,
Pastor Heládio Santos
Presbitério de
Fortaleza
Nenhum comentário:
Postar um comentário