A disciplina administrada pela Igreja através
da excomunhão é regra primaz da conduta congregacional, como se verifica no
texto de Mateus 18:15-20. Sua prática decorre da necessidade de tentar reparar ou
atenuar algum ato público danoso de um membro da Igreja cujos efeitos geraram
algum prejuízo à imagem cristã, bem como despertar espiritualmente o agente
responsável pelo feito. Essa situação, no entanto, não é nada satisfatória nem
animadora para a Igreja, porque ao invés de ficar sofrendo pela “perda” de um
membro pretendia consolidar os laços fraternais entre os da comunidade, criando
oportunidades para demonstrações dos santos afetos dos quais ensinou o apóstolo
(Filipenses 2:1). Disciplinar e excomungar um membro afeta o corpo em tristeza,
alterando muitas vezes os rumos pelos quais caminhava; porém, não podemos excluí-la
da nossa conduta em situações que o exigirem, visto ter sido ensinada por Cristo
para atender essa demanda. Deveremos, no entanto, ter a maturidade para encarar
os fatos, agindo em perfeita sintonia com a espiritualidade cristã, mesmo que
soframos pelo “corte na carne”. O ideal, entretanto, é que os crentes se
apeguem as Escrituras, vivam o prazer da fé e ousem confiar na graça que lhes
foi conferida para não deslizarem na condução de suas vidas para não estarem
sujeitos ao amargor da disciplina.
Uma reflexão nos faz enxergar
o possível sentimento de grande tristeza na comunidade quando um(a) cristão(ã) pecar,
expressando, assim, os profundos vínculos existentes e a paixão pela vida
santificada. Quando isso acontecer deveremos agir solidariamente, exercendo a
Igreja seu papel de amparo e cuidado para
que a vida em questão possa ser restaurada, principalmente, quando há nela
um sentimento de reparar o dano e um assentimento à exortação da Igreja e de
seu presbitério. Muito embora se demonstre que o pecado tenha sido
por falta de vigilância e debilidade espiritual, a disciplina deverá ser
aplicada para a restauração da vida, algo paradoxal, mas ensinada pelas
Escrituras (I Coríntios 5:5).
Numa outra linha de
pensamento, quando um cristão pecar explicitamente com aspirações rebeldes contra
a comunidade, não aceitando as admoestações quanto ao seu pecado, outro
comportamento deverá ser apresentado necessariamente porque o pretenso pecado
poderá resultar (ou resultou) em dano e em detrimento aos preceitos bíblicos de
forma ainda mais prejudicial. Um fato notificado nas Escrituras sobre esta
situação é o caso
de impiedade de Himineu e Fileto que
se desviram da verdade (II Timóteo 2:16-18). Entenda-se “impiedade” como sendo “falta
de piedade”, ou seja, rejeição explícita à prática da vida cristã e aos seus ensinamentos.
Comportamentos que insistem contra o preceito bíblico ficam assim sujeitos à
excomunhão enquanto durarem, não podendo nem a Igreja nem seus ministros
imporem outra consequência porque expressam obstinação e egoísmo. Ora, o obstinado
é alguém inflexível. Age em busca de sua própria satisfação, sendo seu anseio imoderado
e irresponsável, capaz de causar estrago à própria vida, às vidas dos seus, à
vida de sua comunidade e à vida dos descrentes (esse último, pelo mal
testemunho). Aos que assim conduzem suas vidas, saibam que são classificados
pelas epístolas apostólicas como apóstatas, segundo as quais acarretaram para
si uma identificação tão contrária aos preceitos cristãos que não podem participar da comunidade dos salvos porque demonstraram pelas suas obras que não eram salvos nem inspiraram a autêntica
fé.
Na Confissão de Schleithem,
os anabatistas do século XVI, através da pena Michael Sattler, registraram suas
convicções sobre o tema:
“Estamos
em acordo sobre a excomunhão como segue: A excomunhão será empregada em todos
aqueles que deram a si mesmo ao Senhor para andar em seus mandamentos, e em
todos aqueles que foram batizados no corpo de Cristo e que são chamados de
irmão ou irmã, e que, no entanto, deslizam ocasionalmente e caem em erro e em
pecado, sendo negligentemente alcançados. Os mesmos serão admoestados duas
vezes em particular e a terceira vez abertamente e, então, disciplinados ou
excomungados de acordo com o mandamento de Cristo (Mt 18). No entanto isso será
feito de acordo com a direção do Espírito (Mt 5) antes do partir do pão, para
que possamos partir e comer de um só pão, em unidade de pensamento e em um só
amor, e possamos beber de um só cálice”.
Não só os anabatistas do
século XVI representam em favor da disciplina bíblica. Os Montanistas, os Novacianos
e os Donatistas se opunham à alguma prática desabonadora do testemunho cristão.
Os “lapsos”, como eram chamados os atos daqueles que abandonaram à fé em
decorrência do medo do martírio, impossibilitavam a nova entrada do infiel na
comunidade cristã primitiva desses grupos, exigindo que os mesmos se afastassem
dos seus pecados, vivendo uma vida abnegada e submetendo-se a um novo batismo.
Para os Donatistas, a Igreja era composta pelos puros e justos, justificando o
pensamento de uma Igreja sem mácula cuja práxis estava ensinada nos preceitos
bíblicos.
Assim como os anabatistas
do século XVI, pretendemos conservar a boa conduta da Igreja, levando-a a
compreender que na disciplina de alguém ninguém deverá se vangloriar, antes se
contristar e lamentar pela queda do irmão(ã) de cujo arrependimento se espera o
abandono do seu pecado. Para tanto, com inspiração do alto deveremos tratar
cada caso, por isso oramos para que o Senhor nos ajude.
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