Ensina-nos as Escrituras Sagradas o ato de
confessar nossos pecados uns aos outros (Tiago 5:16). Muito embora o
catolicismo romano entenda o texto como uma confissão ao sacerdote para a
conferência de perdão para a salvação através de determinada penitência, na
linguagem bíblica, refere-se à prática de sinceridade e honestidade de uns para
com os outros, estreitando laços e aumentando a comunhão, pois somente Cristo
tem autoridade para o perdão mediante arrependimento (Lucas 5:24). Desta forma,
a essência do ensino tende a promover a proximidade entre irmãos com a qual se
fortalece a relação pessoal, favorecendo no contexto cristão o poder de olhar
uns nos olhos dos outros em atenção e em preocupação, quando couber, visando o
aperfeiçoamento na carreira, tanto em nível individual como congregacional. Em
contrapartida, em meio a tantas inovações tecnológicas, interfaces têm surgido
quebrando as possibilidades de se verificar isso na prática. Sobre isso,
faremos breves comentários.
Já recebi cartas convencionais anônimas,
mensagens em redes sociais anônimas, e-mails anônimos e mensagens de WhatsApp
sem saber de quem vinham. Para os remetentes que pensaram ser esta uma boa
maneira de trazer à tona problemas, na verdade, revelaram outros, quem sabe,
ainda maiores. Podemos elencar diante deste quadro alguns: a) a impossibilidade
de se realizar o aconselhamento, b) a desconfiança contra o destinatário, c) a
covardia do remetente, d) a percepção de não se querer resolver problemas,
apenas suscitá-los, e) a ocultação do indivíduo carente de cuidados, f) a
infelicidade de quem pode fazer algo, mas se vê impossibilitado... Enfim, estas
servem para demonstrar como a privação de alguém ou de fatos podem causar
transtornos na Igreja.
A confissão, em termos gerais, não se
refere apenas à revelação de culpa ou ato reprovável, mas também de uma ideia,
desabafo etc. Um diálogo com um ministro, por exemplo, pode alcançar muitos
caminhos se pensado dentro da visão cristã, justamente, porque o crente está
integrado à sua Igreja local para o desenvolvimento de sua vocação enquanto
cristão. É inevitável praticar as virtudes que dele se espera; do contrário,
não teriam valor as premissas bíblicas que versam sobre a boa convivência no
corpo de Cristo. Em Pedro 1:10, está escrito: “Portanto, irmãos, procurai fazer
cada vez mais firme a vossa vocação e eleição; porque, fazendo isso, nunca
jamais tropeçareis”. Gosto da expressão “nunca jamais” do texto. No mundo,
costuma-se ouvir “nunca diga jamais” ou “nunca diga nunca”, mas por que não?
Talvez porque os projetos mundanos têm sempre um conteúdo maleável. O Evangelho
não sofre este tipo de influência, nem mesmo as epístolas apostólicas. Nunca é
nunca e jamais é jamais mesmo. Vejam, o “nunca” e o “jamais” antecedem um dos
piores dramas da carreira cristã, a queda. Se quiseres “nunca jamais” cair,
faça valer sua vocação com honestidade, sinceridade, pureza de espírito,
humildade, submissão, piedade, honra e tantos outros atributos descritos para
os genuinamente cristãos.
Conhecido
por assim pensar, Jesus estabeleceu um princípio de relação pessoal para evitar
qualquer sobreposição do mal, ao ensinar: “portanto, se trouxeres a tua oferta
ao altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa
ali adiante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão
e, depois, vem e apresenta a tua oferta. Concilia-te depressa com o teu
adversário, enquanto estás no caminho com ele, para que não aconteça que o
adversário te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial, e te lancem na
prisão. Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não
pagares o último centavo (Mateus 5:23-26). Notemos que há uma incitação à
quebra do paradigma da indiferença, muito comum hoje em dia, porque ninguém
quer se preocupar com o outro. Será na superação deste empecilho que a solução
virá “após o ter ido até ele”, ou seja, criando uma relação direta e objetiva.
Numa relação impessoal, a tendência para que mágoas permaneçam e enegreçam o coração
é a própria consequência. Sem estar discorrendo sobre o assunto, mas
asseverando a necessidade de amizade e afetividade, Zygmunt Bauman afirmou: “Amigos
são pessoas capazes e desejosas de estabelecer uma relação amigável mútua sem
preocupação com as diferenças entre eles, e prontas a ajudar umas às outras por
conta dessas diferenças; capazes e dispostas a agir com gentileza e
generosidade sem abandonar sua distinção – ao mesmo tempo cuidando para que
essa distinção não crie uma distância entre eles ou os coloque uns contra os
outros” (Bauman , Zygmunt. A
cultura no mundo líquido moderno. Zahar: Rio de Janeiro, 2011, pg. 80-81).
Assim, um evento intermediado pelas
tecnologias não conseguiu e nem conseguirá atender a Igreja em suas relações
pessoais e diretas. As tecnologias, na verdade, evidenciam o distanciamento, a
frieza e a desagregação que é a falta de pertencimento a algo, motivo,
certamente, mais relevante de se tratar neste caso. Quando não se sente
pertencente a algo não há encorajamento para a exposição porque não se luta por
aquilo que se diz acreditar. Possivelmente, toda motivação foi gerada ou por
uma inquietação interior não discernida ou por uma insuflação de terceiros.
Ambas, passíveis de atenção e detecção do bispo ou de outros membros
espirituais para que retornando ao formato primeiro que é sempre tratarmos frente
a frente o que quer que seja possam cumprir seus deveres cristãos. Outrossim, as relações impessoais por meio de
aplicativos e redes sociais deveriam ser desconsideradas para assuntos de maior
relevância, podendo ser utilizados como meros comunicadores para diminuir
tempos de espera. Essa semana, enviei pelo WhatsApp três ofícios para irmãos
que precisavam dos mesmo com urgência. Simples e rápido. Sem burocracia e sem stress. Portanto, valorizemos a comunhão
pessoal. O apertar das mãos dos irmãos. O Sentir o calor de sua compaixão e
cuidado. Ouçamos a voz do ambiente que enseja a harmonia, a paz e a integração
de tantos e muitos irmãos de diferentes classes sociais, culturais e idades.
Saibamos, com espiritualidade, vencer os obstáculos para seguir em frente, hoje
e sempre!
Pr. Heládio Santos