Carlos Alberto Figueiredo Júnior - Economista
Recentemente li em um artigo de jornal que os efeitos distributivos de renda que ocorreram no início do Plano Real já cessaram, e novamente se observa o velho e conhecido processo de concentração de renda tão comum em nosso país, o qual age perversamente, no sentido de transferir renda da desfavorecida classe trabalhadora para as classes sociais mais abastadas, que vivem de lucros e outros rendimentos do capital.
Talvez a história econômica do nosso país possa ser resumida como uma incessante exploração de uma minoria privilegiada sobre uma maioria passiva e subserviente, que não protesta diante da opressão, antes segue resignada com o seu sofrimento e privações, como se estas fizessem parte de seu destino. É a reprodução da velha “Casa Grande e Senzala”, tão bem retratada por Gilberto Freire.
Já nos acostumamos com o contraste de nosso mundo tupiniquim, onde arranha-céus suntuosos convivem pacificamente com favelas e palafitas, onde a indigência mora ao lado da suntuosidade e do desperdício. Nossa classe dominante segue impávida e imperturbável, perpetuando seus privilégios historicamente conquistados. Nossos ricos em nada ficam atrás dos ricos do assim chamado primeiro mundo, desfrutando dos mesmos deleites e regalias, enquanto o povão geme e se desdobra como pode para assegurar pelo menos o pão de cada dia.
A história é antiga. A Bíblia, no Antigo Testamento, já fazia referência aos “que oprimis os pobres, que que-brantais os necessitados...que dormis em camas de marfim...que bebeis vinho em taças e vos ungis com o mais excelente óleo” (Livro do profeta Amós) os quais viviam às custas da exploração dos desfavorecidos, retendo salários e especulando como verdadeiros oportunistas com os gêneros de primeira necessidade. Deus, através do profeta Amós, protesta contra a injustiça social, e promete visitar com justiça a Israel, caso não haja arrependimento.
Da mesma forma Tiago, no Novo Testamento, tece severas críticas aos ricos opressores, falando da justiça que logo se manifestaria da parte de Deus, contra os que viviam deliciosamente sobre a terra, deleitando-se e cevando o coração, esmagando o pobre. Paradoxalmente, com freqüência percebemos pessoas de nossa elite social envolvendo-se em obras filantrópicas, prestando desta forma assistência aos desfavorecidos, no intuito de aplacar os clamores de sua já combalida consciência. Como se não fossem eles os responsáveis pela existência e perpetuação de um sistema explorador, que dia a dia produz e reproduz miséria. O senso comum pode afirmar: “o que seria dos pobres se não fosse a caridade dos ricos”, mas a correta percepção declara justamente o contrário: “o que seria de nossos ricos se não fosse o trabalho incansável dos pobres, produtor do sustento e do luxo dos ricos.” Afinal de contas, é o trabalho que é fonte de toda e qualquer riqueza material. E são justamente os trabalhadores, produtores desta riqueza, que são dela espoliados, sendo privados do fruto de seu trabalho.
Karl Marx acertou quando descreveu a exploração existente no capitalismo, onde encontramos traba-lhadores privados dos meios de produção, os quais se vêem na contingência de vender a única coisa que possuem em troca de seu sustento: sua força de trabalho. De outro lado temos a classe capitalista, detentora dos meios de produção, que vê no proletariado apenas um instrumento a ser usado na produção de riqueza para ela mesma. Note-se que Marx errou gravemente em outras matérias, principalmente quando previu a crise e conseqüente extinção do sistema capitalista, e propôs o socialismo como solução para o fim da exploração do trabalho e das injustiças sociais. Nós, que vivemos neste final de século, pudemos assistir a derrocada do socialismo em todos os países que o adotaram como alternativa ao sistema capitalista. Na realidade, a solução para o problema da injustiça e desigualdade social não reside na mudança do regime político. Antes, encontra-se na mudança interna do indivíduo, numa mudança de coração, com o afastamento da ganância e egoísmo tão comuns ao ser humano que não possui a Cristo como Senhor. Isto está fora do alcance dos homens, restando-lhes confiar no poder de Deus para transformá-los.
Nosso país registra um dos maiores índices de desigualdade do mundo, ficando atrás apenas de alguns países africanos, onde o processo civilizatório não chegou de forma plena. Isto é uma verdadeira vergonha para um país detentor de imensas e incomparáveis riquezas naturais e com quinhentos anos de história. Este quadro agrava-se a cada dia devido à ignorância ou irresponsabilidade das classes menos favorecidas, que não praticam nenhum tipo de planejamento familiar, aumentando assim o quadro de miséria e desigualdade social. Como bem afirmou o famoso economista Mário Henrique Simonsen, vivemos num país onde os ricos praticam planejamento familiar, enquanto os pobres se reproduzem como coelhos. Faço aqui um apelo aos crentes responsáveis e sensatos: pratiquem o planejamento familiar, sejam continentes, meçam as conseqüências de se colocar um filho no mundo. Antes de fazê-lo, verifiquem se possuem condições mínimas de criá-lo e educá-lo de uma forma digna.
Infelizmente, na maior parte das vezes, verificamos nas igrejas a reprodução da desigualdade existente no mundo. Um observador atento poderá com facilidade constatar a existência de crentes vivendo regaladamente, enquanto irmãos padecem necessidade, e isto na mesma congregação. Existem até mesmo teologias para justificar tal comportamento, como a famosa Teologia da Prosperidade, a qual preceitua que o cristão fiel é galardoado já aqui na terra com abundante prosperidade material, sendo imune ao infortúnio e às doenças, as quais só afligiriam os incrédulos ou os crentes que se achassem “em pecado”. Esquecem esses pretensos teólogos das necessidades que muitos cristãos padeciam, já na época do cristianismo primitivo o que, em alguns lugares, levou o apóstolo Paulo a empreender uma verdadeira campanha de coletas semanais para os necessitados (vide I Cor 16:1). Isto sem falar da instituição do diaconato, que visa justamente cuidar dos membros que se encontram em necessidade. Ressalte-se ainda que, de acordo com Paulo, a maior parte dos cristãos primitivos vinham de classes humildes e sem relevância social ou econômica (I Cor 1:26), o que também é comprovado largamente pelos historiadores.
A Palavra de Deus nos ensina que, como servos de Deus, devemos ser conhecidos pela simplicidade de vida (Mateus 10:16), bem como pelo amor ao próximo. Amor que não usa de dolo e não tira proveito do próximo, em virtude de sua condição humilde. Quanto aos que vivem em deleites e prazeres fúteis, desprezando e explorando os menos favorecidos e desafortunados, se entregando ao consumo de produtos de luxo, a condenação dos tais não tardará. “Eia, pois, agora vós, ricos, chorai e pranteai por vossas misérias, que sobre vós hão de vir. As vossas riquezas estão apodrecidas, e as vossas vestes estão comidas da traça. O vosso ouro e a vossa prata se enferrujaram; e a sua ferrugem dará testemunho contra vós e comerá como fogo a vossa carne. Entesourastes para os últimos dias. Eis que o salário dos trabalhadores que ceifaram as vossas terras e que por vós foi diminuído clama; e os clamores dos que ceifaram entraram nos ouvidos do Senhor dos Exércitos.” (Tg 5:1-4).
Tenho plena convicção e afirmo isto com segurança: o Senhor muitas vezes deixa de conceder bênçãos materiais aos seus servos devido ao fato de que estas podem se constituir em verdadeiros embaraços, conducentes à frieza espiritual, bem como ao envolvimento em deleites inconvenientes. Tiago, em sua austera epístola, já falava deste problema (Tg 4:1-3). Antes, o Senhor prefere reter bênçãos que poderiam ser dadas aos seus, e não são concedidas devido ao mau uso que estes fariam das mesmas. Àqueles que servem a Deus e têm sido abençoados com fartura de bênçãos materiais exorto: que sondem o próprio coração, e vejam se estão gastando adequadamente os seus recursos, se estão auxiliando os necessitados de sua congregação, ou até mesmo os incrédulos que os procuram. Por vezes o Senhor concede fartura a alguns dos seus para que estes direcionem o excedente para os que, por qualquer motivo, estão padecendo necessidade (II Cor 8:13-15). Agostinho já preconizava, no século IV, que “as superfluidades dos ricos são as necessidades dos pobres”, dando a entender claramente que a abundância que o Todo-Poderoso concede a alguns não é para uso próprio, senão para que os mesmos possam atender aos que têm fome de pão e carecem de bens de primeira necessidade. Pensamento semelhante encontramos em Ambrósio de Milão, outro doutor da Igreja do século IV: “Deus ordenou que todas as coisas fossem produzidas, de modo que houvesse comida em comum para todos, e que a terra fosse a herança comum de todos. Por isso a natureza produziu um direito comum a todos; mas a avareza fez disso um direito de alguns poucos.”
A má distribuição de nosso país não se restringe à renda. Reflete-se também na má distribuição de terras, o que têm levado a freqüentes protestos de entidades políticas (conhecido é o movimento dos Sem-Terra). Interessante é notar que, depois que o território de Canaã foi conquistado, a repartição da terra foi feita de acordo com a quantidade de membros de cada tribo, de forma proporcional e com absoluta equidade, não havendo lugar para latifúndios (Num 26:52-54). Deus, o supremo legislador, deixou-nos vários exemplos de distribuição justa, e barrou qualquer processo de concentração de riquezas nas mãos de minorias em detrimento da maioria. Vemos exemplo disto na reintegração de propriedade de terras aos seus donos originais, que acontecia a cada período de 50 anos em Israel, no assim chamado Jubileu (Lev 25:8-55). Nesta ocasião, os que haviam acumulado terras do próximo como forma de pagamento de dívidas, viam-se na obrigação de restituí-los. É por isto que o preço da terra em Israel diminuía à medida que se aproximava o Jubileu. Havia também a remissão de dívidas, que se dava a cada período de sete anos, ocasião em que os credores deviam perdoar as dívidas com eles contraídas (Dt 15:1-14). Há claro objetivo de barrar a concentração de riqueza aqui, pois é dito: “somente para que em ti não haja pobre.” Até mesmo os que haviam perdido a própria liberdade em razão de endividamento, tinham-na de volta nesta gloriosa ocasião.
No que tange à distribuição de riqueza, os dois extremos são injustos: a desigualdade extrema e a igualdade absoluta. Alguém dirá: “mas a plena igualdade não é algo desejável?”. Afirmo que não. Pelo seguinte moti-vo: se à todos fosse destinada a mesma renda, pessoas com diferente empenho estariam sendo remuneradas igualmente, o que de modo algum seria justo. A sociedade deve perseguir não o objetivo de igualdade absoluta, mas sim o de dar igual oportunidade a todos de desenvolver seus talentos individuais, onde cada homem possa ser recompensado na medida de seu esforço, evitando assim que alguns recebam privilégios pelo simples fato de serem filhos da classe dominante. Outra coisa a ser combatida é a enorme desigualdade de renda. Fere qualquer conceito de justiça uma sociedade onde alguém ganha cem ou duzentas vezes mais do que outrem, pois todo trabalho é relevante e útil à coletividade, por mais insignificante que pareça, sendo injustificada qualquer diferença mais significativa de renda
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