A maioria das igrejas evangélicas se encontra atualmente diante de uma situação embaraçosa. No contexto geral, foram sérias e decentes, há alguns anos atrás, preocupavam-se com a prática e defesa dos bons costumes e da modéstia. Na presente época, encontram-se influenciadas pelas práticas modernistas, pelo que, muitas das tais, têm difamado a postura bíblica.
Alguns movimentos, que aqui prefiro chamar de frenéticos, têm trabalhado com intuito apenas quantitativo, abrindo as portas de seus templos para atrair a atenção de muitos através de festividades similares àquelas do mundo. Se observarmos pormenorizadamente isto, evidenciaremos uma profunda falta de sensibilidade ao compromisso bíblico.
Seus líderes têm interpretado os fundamentos da fé cristã pela mera racionalização hodierna. Além disto, criaram um ambiente de pura vaidade, tornando-se mais parecidas com uma boate e teatro mundano do que com um templo religioso, onde Deus deveria habitar com o seu povo. Desta maneira, o culto foi descaracterizado, suscitando-nos, assim, a discorrer sobre essa questão.
O culto é uma expressão veraz de fé. Essencialmente é uma atividade particular e congregacional de honra, respeito, submissão, reconhecimento e tributo a Deus. Nele estão concentradas a idéia da oração, adoração, pregação e outras manifestações espirituais pautadas nas Escrituras. Tal expectativa envolve-nos intimamente para traduzirmos um amor profundo a Deus.
As experiências que ocorrerão em face disto produzirão efeitos expressivos na caminhada de qualquer cristão. Serão tão significativas que poderemos constatar esta comunhão externada na vida de todo aquele que é um fidedigno adorador.
A habilidade e a destreza adquiridas com o exercício desta arte privilegiada resultará em vivências concretas de santidade e fé que serão transmitidas, ainda mais, pelos atos de reconhecimento à Majestade Divina.
No culto, geralmente, adotamos uma liturgia eclesiástica que tem sido seguida há tempos.
Inicialmente vem a oração. Oramos para pedir a presença de Deus no meio da congregação, para que nos oriente pelo seu Espírito a contemplarmos unicamente a pessoa de Cristo. Oramos para sermos esvaziados de nós mesmos e cheios de Deus. Oramos para que pessoas possam ser libertas do pecado e abandonem seus vícios. Oramos e confessamos nossos pecados para sermos curados e perdoados por Deus.
Os cânticos, em seguida, com a ajuda dos instrumentos, ajudam a elevar nossa alma até Deus e incentivam o louvor e a adoração. Martinho Lutero que fora também compositor e musicista dizia:
“A música é a arte dos profetas, é a única arte, além da teologia, que tem o poder de acalmar as agitações da alma e afugentar o demônio”.
Entretanto, neste ponto, muitos têm se confundido achando que só podem adorar a Deus à base da melodia dos instrumentos. Vejamos alguns textos bíblicos que provam o contrário:
E sucedeu que, ouvindo Gideão..., adorou (Jz 7:15a)
E, eis que veio um leproso, e o adorou, dizendo: Senhor... (Mt 8:2)
A adoração é fruto do reconhecimento dos feitos de Deus e de sua própria pessoa. Por ela somos inflamados a glorificar o seu Santo Nome. Se não houver tamanha compreensão e fundamentação bíblica, o culto prestado nunca chegará diante do trono de Deus, antes, será dissipado.
O culto autêntico necessita de conteúdo. Jesus assegurou-nos quanto a este princípio: “Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem”(Jo 4:23). Ressaltamos, ainda, que o ato de adoração caracteriza-se, principalmente, por ser este um reconhecimento da grandeza de Deus em todas as coisas, por aquilo que já existe ou pode vir a existir. No Salmo 145:3, o salmista entoa: “Grande é o Senhor, e muito digno de louvor, e a sua grandeza é inescrutável”. A adoração focaliza a dignidade divina, por seu posto eminente, a beleza de sua santidade, por sua autoridade moral e a perfeição do seu caráter, pela pureza do seu ser.
No serviço cristão ela deve estar no âmago da alma para que sirvamos ao Senhor convenientemente. O fato seguinte ratifica exatamente nosso parecer: o general William Booth, fundador do Exército da Salvação, quando inquirido certa vez, sobre seu grandioso sucesso evangelístico na Inglaterra, hesitou um instante e, com os olhos repletos de lágrimas, respondeu: “Eu compartilharei o segredo. Deus tem se apoderado de tudo que há em mim. Podem ter havido homens com maiores oportunidades, mas desde o dia em que os pobres de Londres dominaram meu coração e ganhei uma visão daquilo que Jesus Cristo podia fazer, determinei que Deus teria tudo do que houvesse em William Booth. Se há algum poder no Exército da Salvação, hoje, é porque Deus tem recebido toda a adoração do meu coração, todo o poder da minha vontade e toda a influência da minha vida”.
O selo distintivo do sacerdócio cristão concretiza-se também nesta área espiritual de nossa vida. Nunca pode ser limitado a alguns poucos homens, como julgam os católicos, mas efetiva-se em todos os crentes. Além disso, nenhum evangélico poderá manipulá-lo, constituindo-se ministro de louvor e adoração, e que fora assim vocacionado segundo um chamado específico de Deus (temos visto muitos homens e mulheres proclamando o tal ministério). Denominar adoração como um dom ministerial é acrescentar algo à Bíblia.
E para agravar ainda mais esta situação, criaram as danças. Entretanto, não se adora a Deus desta forma absurda. Este mecanismo tem dissimulado a verdadeira atitude do coração destes que estão sonhando, ainda que de longe, com as badaladas mundanas. Dançam pela satisfação própria e porque não abandonaram o mundo. Elas não enxergam que com isto facilitam a entrada das concupiscências carnais dentro das Igrejas. Tornam-se perfeitos infiéis: “E que concórdia há entre Cristo e Belial? Ou que parte tem o fiel com o infiel?” (II Co 6:15).
João Calvino, em carta ao rei da Polônia, Sisgismundo Augustus, fazendo referência aos problemas do culto de seu tempo, até parecia profetizar acerca do nosso:
“...Vós percebeis que o culto divino foi corrompido e deformado, visto que inúmeras superstições sutilmente tomou seu lugar; que a graça de Cristo tem sido indignamente inundada por grandes trevas; que o poder de sua morte tem sido destruído; que ele mesmo tem sido rasgado e feito em pedaços; que a segurança da salvação tem sido subvertida; que as consciências têm sido miserável e horrivelmente dilaceradas e atormentadas; que os homens, em sua miséria, têm sido desviados da genuína e sincera adoração que pertence tão- somente a Deus, para todo gênero de intrincados labirintos...”
A pregação da Palavra de Deus, que deveria ser transmitida por seu ministro, tem sido esquecida cada vez mais, e ao invés disto, prosseguem com suas músicas irreverentes celebrando um culto falso a Deus. Após os cânticos, que deveriam ser espirituais, o povo deveria estar contrito e sedento pela Palavra, mas ouso dizer que estes tais não gostam da pregação. Se ouvem, preferem ficar com uma mensagem superficial ao invés de se aprofundarem nas riquezas celestiais.
A Palavra é o alimento para o crente não se deixar turbar pela lida. Ela vivifica o espírito, anima a alma e purifica o corpo. Por ela somos lapidados para termos um teor de vida mais apurado, aprimorado, correto. Não a adulteramos ardilosamente, pois queremos o reconhecimento de Deus, para isso somos incentivados. Enquanto alguns deixam de lado tão notável verdade, faço minha as palavras de Paulo: “Porque nós não somos falsificadores da Palavra de Deus, como tantos outros; mas é com sinceridade, é da parte de Deus e na presença do próprio Deus que, em Cristo, falamos.”(II Co 2:17).
Bem, meus amigos, infelizmente a comunidade evangélica tem sido seduzida por esta prática de culto. Um ministro puritano do passado chamado Richard Greenham, certa vez declarou: “Quanto mais cerimônias, menos verdade” (Citado por Leland Ryken, Santos no Mundo, p.131), aludindo ao desvirtuamento do culto. Até parece mais uma profecia para hoje. Esta sedução pelos palanques e tribunas é um instrumento maligno para transviar a ordem do culto. Aliás, a palavra sedução vem do latim sudecere e possui uma conotação terrivelmente negativa. Literalmente ela significa “levar para o lado” implicando no distanciamento de uma coisa boa e correta para algo vil e inferior. Oremos, então, pois só Deus poderá reverter este quadro.
Pastor Heládio Santos
Membro do Presbitério Anabatista da Igreja em Fortaleza
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