Em Provérbios (15:8)
encontramos dois temas de grande relevância nas Escrituras: sacrifício e oração.
Aparentemente duas práticas que não se relacionam. Mas, qual seria o sentido espiritual
para estarem dentro de um mesmo contexto?
Sacrifício faz menção à prática de
imolação de animais, ritual cujo objetivo era transmitir a verdade de expurgação
de pecados. Uma prefiguração da morte vicária de Cristo no Calvário para que
houvesse a internalização dos seus efeitos e facilitasse o entendimento no
momento da epifania. Portanto, há um sentido simbólico, destacado nas
Escrituras como “sombras do que haveria de vir” (Cl 2:17), de modo que práticas
do Antigo Testamento ilustram realidades espirituais do Novo. Para tanto, a
prática do sacrifício é estrita, ou seja, nem todos poderiam realizá-lo. A
razão é simples: somente aquele que estivesse convencido do seu malfeito ou que
estivesse disposto a consagrar o cerimonial ao Senhor poderiam usufruir dos seus
benefícios. O ímpio, termo aplicado ao que não dispõe de fé ou que despreza o
propósito do sacrifício estaria privado da execução do feito, porque ao fazê-lo
provocaria abominação ao Senhor. Marcel Mauss explica que o simbolismo presente
no ritual confere uma ligação/comunhão entre o que consagra com aquele a quem é
consagrado para que o receber e o retribuir se efetivem. No sacrifício,
portanto, há uma transmissão de pecados do indivíduo para o animal (cordeiro
sem mácula e sem defeito). Esse ato de oferecimento é o retribuir, porquanto se
espera receber o benefício do perdão. Além disso, o feito deveria propor uma
elevação do sujeito para alcançar o entendimento dos propósitos divinos. Entra
em cena a oração íntima, na qual o temente, sensibilizado pela sua culpa, seria
provocado a pronunciar suas súplicas ao Senhor em prol dos seus favores; é a
motivação exterior e visível aplicada naquele tempo para percepção dos
conceitos espirituais.
Então, a oração é proposta como a ferramenta
fundamental na relação do homem com o Sagrado. Através dela, alcança-se o
intangível, por mais paradoxal que pareça. Segundo uma mentalidade humana,
seria impossível a comunicação com o Senhor, mas sua permissão, tornando
possível o acesso, motiva-nos à busca. Uma oração sincera, como dizia o salmista
Davi, com um coração contrito e humilhado, não recusaria Deus por entender que a
oração verdadeira o contenta. Ao propor o estado de contentamento, Salomão
entendeu a satisfação com a qual se encontra o Senhor ao perceber a oração
autêntica do crente. Essa oração não é aquela recheada de palavras belas e
bonitas, bem articuladas com as devidas medições e evitação de impróperios. Uma
oração decente é aquela de cunho simples, mas que exprime um sentimento franco
na qual se pode confiar.
Portanto, a relação entre sacrifício e
oração é o poder de se alcançar os favores do Altíssimo. Obviamente, o
sacrifício na dispensação da graça, tempo da Igreja, não exige mais os
significados de outrora, figura apenas como meio de instrução para se entender
as premissas veterotestamentárias. De modo que cabe à Igreja a oração intensa e
oportuna, resgatando todo o seu significado e suas particularidades. “Orai sem
cessar!” é a ordenação nesse momento, tempo de crises e de tribulações.
Heládio
Santos
Prof.
IPC
Mauss, Marcel (2003), Sociologia e antropologia. São
Paulo: Cosac & Naify.
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