Após algumas leituras sobre assuntos sociológicos, soube, há muitos anos, que
Marx e Nietzsche, dois filósofos humanistas que criaram ideologias bastante
utilizadas por sistemas de governo e por indivíduos em suas concepções de vida,
tiveram contato com as verdades do Evangelho que lhes renderam práticas
distintas em suas juventudes. Marx versava sobre o encanto das Escrituras,
compondo, inclusive, poesias. Nietzsche, quando criança, tinha a pregação como
uma das suas atividades preferidas, testemunho que lhe rendeu o apelido de
pastorzinho.
Em um de seus tratados juvenis (The
Union of Believers With Christ According to John 15: 1-14, Showing its Basis
and Essence, its Absolute Necessity, and its Effects, em 1853), Marx
declarou algumas verdades cristãs com grande piedade, veja:
Quando
consideramos também a história dos indivíduos, quando se considera a natureza
do homem, é verdade que vemos sempre uma centelha de divindade em seu peito,
uma paixão por aquilo que é bom, um esforço para o conhecimento, a nostalgia da
verdade.
Mas
as faíscas do eterno são extintas com o fogo do desejo; entusiasmo pela virtude
é abafado pela voz tentadora do pecado, é desprezado, logo que a vida nos fez
sentir a sua potência máxima; a busca pelo conhecimento é suplantada por uma
base lutar por bens materiais, o anseio pela verdade é extinto pelo poder
docemente lisonjeiro de mentiras, e assim lá está o homem, o único ser na
natureza que não cumpre a sua finalidade, o único membro da totalidade da
criação, que não é digno do Deus que o criou.
Criador
benigno, e que não podia odiar seu trabalho, ele queria levá-lo para ele e ele
enviou o Seu Filho, através de quem Ele proclamou a nós:
“Vós
já estais limpos pela palavra que vos tenho falado”(João 15:3).
“Permanecei
em mim e eu em vós” (João 15:4).
...
Portanto
da união com Cristo dá exaltação interior, consolo no sofrimento, a garantia de
calma, e um coração que está aberto para o amor da humanidade, tudo o que é
nobre, tudo o que é grande, não por ambição, não por um desejo de fama, mas só
por causa de Cristo.
Portanto
a união com Cristo dá uma alegria que o epicurista se esforça em vão para
derivar de sua filosofia frívola ou o mais profundo pensador das profundezas
mais recônditas do conhecimento, uma alegria que só pela mente, ingênua criança
que está ligado com Cristo e por meio dele com Deus, uma alegria que faz a vida
mais elevado e mais belo. (João 15: 11).
Seguindo linha semelhante, Nietzsche tinha sido educado pelos caminhos do
Protestantismo, seu pai, avô e bisavô tinham sido pastores. Após a morte do pai,
nutriu o desejo de se tornar como ele: um ministro eclesiástico. Dedicou-se à
literatura teológica e às obras clássicas para realizar seu intento, pois tinha
recebido uma bolsa para custear seus estudos. Porém, à medida que ia se
aventurando por caminhos tênues da concepção humana, permitiu uma digressão que
lhe iria marcar o resto de sua vida.
As obras de Nietzsche passaram a ser de severas críticas ao Cristianismo,
banalizando seu funcionamento e denegrindo sua imagem. O texto (Humano,
demasiadamente humano, aforisma 116) demonstra um pouco deste espírito medonho
encontrado naquele peito que por alguma razão estava ferido pela amargura:
Se
o cristianismo tivesse razão em suas teses acerca de um Deus vingador, da
pecaminosidade universal, da predestinação e do perigo de uma danação eterna,
seria um indício de imbecilidade e falta de caráter não se tornar padre,
apóstolo ou eremita e trabalhar, com temor e tremor, unicamente pela própria
salvação; pois seria absurdo perder assim o benefício eterno, em troca de
comodidade temporal. Supondo que se creia realmente nessas coisas, o cristão
comum é uma figura deplorável, um ser que não sabe contar até três, e que,
justamente por sua incapacidade mental, não mereceria ser punido tão duramente
quanto promete o cristianismo.
Dentre outras coisas, a que mais estranha um cristão é tentar entender
porque ambos tiveram uma educação cristã tão primorosa e abdicaram dela para
entregarem-se às suas paixões. Considerando que foram filósofos vivendo em uma época
de emancipação do conhecimento sobre a religião, tiveram a ânsia de levarem
seus nomes além dos tempos. Apresentaram em suas teorias a quebra de
paradigmas, a sublevação da moral tradicional, a liberalidade comportamental, a revolução armada, entre outras. O que produziram expôs seu antagonismo e oposição diante do
Criador e de suas verdades. Para estudiosos desses dois pensadores, a resposta
para suas reações foi simplesmente que eles reconheceram a fraude do
Cristianismo, tentando criar um verdadeiro mundo para si e viver de acordo com
suas vontades.
Infelizmente, o homem néscio (aquele que é desprovido do real intento e
entendimento da obra da criação) não percebe sua fragilidade espiritual, o que
o motiva a se superar em outras nuanças da vida. Priorizar e valorizar o efêmero
é uma demonstração do não entendimento do eterno, é não transcender para além
dos limites da vida, é não conhecer o intangível. Esse fascinante trajeto que
só pode ser atingindo pela singular fé em Cristo consiste em alguns dos
paradoxos do Cristianismo, pois como se conhece o eterno, como se transcende a
vida, como tocar o intangível? Somente através do Deus absoluto! A falta desta
simples, mas excelente dádiva, não permite um olhar valorativo das virtudes
cristãs e sua eternidade. Eles não entenderam, por mais simples que pareça, que
a transitoriedade da vida é uma realidade que antecede outra muito mais
significativa. Somente um ser humano decaído, afastado pelos apelos de seu “pathos”,
não consegue enxergar a verdade mais significativa do Evangelho: o seu status
de perdido.
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