Conrad Grebel |
Alguns elementos da prática do movimento
anabatista e norteadores de suas convicções são: restauração dos valores da
Igreja primitiva, pacifismo cristão, ousadia na pregação e vida piedosa. Todos
estão unidos pelo propósito maior de servir a Deus com fidelidade, não
enveredando nem para a esquerda nem para a direita. A História da Igreja que
atesta essas convicções entre os irmãos suíços do século XVI proclama a
autenticidade dos anabatistas e seu valor mesmo entre duras provas e
perseguições. Foram ultrajados, mas resistiram na fé com o firme fundamento de
não cederem às formalidades eclesiásticas de sua época nem aos institutos
espúrios cujo teor os obrigava a abdicar de suas genuínas convicções.
De tempos em tempos a fé
passa por um processo de provação para validar os verdadeiros seguidores de
Cristo. Essa provação é de acordo com as circunstâncias da época em que
acontece, não necessariamente sendo violenta, mas pode ser ideológica, como
vemos neste momento. Nesses períodos, há duas opções para a igreja: ou ceder ou
perseverar. Os que abdicam da fé, seja por rejeição completa ou parcial,
demonstram uma falência ocasionada não por Deus, mas pelas escolhas do homem
dito cristão. Por outro lado, os que insistem em guardar os preceitos não se
envolvendo com o partidarismo político e ideológico, perseveram com afinco,
firmados nos postulados bíblicos e verdadeiros.
Conrad Grebel, por
exemplo, transparecia que a força motriz do movimento anabatista deveria ser
pregar o Evangelho e obedecer a Palavra sem restrições. Sob essa mentalidade,
podemos pregar a salvação a todas as criaturas, denunciar a corrupção de
políticos, mas jamais sermos ou
aparentamos ser partidários políticos ou defensores de suas causas. Grebel
asseverou essa verdade na sua carta (05/09/1524) a Munzter sobre o cuidado com
o ideal político e revolucionário:
procurar sinceramente pregar somente a Palavra de Deus
inflexivelmente, para estabelecer e defender apenas as práticas divinas, para
estimar como bom e certo apenas o que pode ser encontrado com clareza nas
Escrituras, e para rejeitar, odiar e amaldiçoar todos os esquemas, palavras,
práticas e opiniões de todos homens, até os seus.
Aludindo à prática entre os
anabatistas recém-formados, mas muito convictos, Justo L. Gonzalez confirma o
motivo da perseguição contra eles:
O movimento anabatista logo atraiu grande oposição,
tanto por parte dos católicos como dos reformadores. Ainda que essa oposição se
expressasse comumente em termos teológicos, o fato é que os anabatistas foram
perseguidos porque eram considerados subversivos. Apesar de todas as reformas,
Lutero e Zwínglio continuaram aceitando os termos fundamentais da relação entre
o cristianismo e a sociedade que se havia desenvolvido a partir de Constantino.
Nem um nem outro interpretava o evangelho de maneira a ser uma provocação
radical a ordem social. E foi isso, ainda que sem querer, o que fizeram os
anabatistas. Seu pacifismo extremo se tornou intolerável aos encarregados de
manter a ordem social e política, particularmente numa época de grande
incerteza como foi o século XVI.
Além do mais, ao insistir no contraste entre a igreja
e a sociedade natural, os anabatistas estavam afirmando que as estruturas de
poder dessa sociedade não deveriam ser transferidas para a igreja. Mesmo contra
os propósitos iniciais de Lutero, o luteranismo se via agora sustentado pelos
príncipes que o haviam abraçado, os quais gozavam de grande autoridade, não
somente nos assuntos políticos, como também nos eclesiásticos. Na Zurich, de
Zwínglio, o Conselho de Governo era quem, no final das contas, ditava a
política religiosa. E isso era o que ocorria nos territórios católicos onde se
conservava a tradição medieval. Mesmo que isso não queira dizer que a igreja e
o estado concordavam em todos os pontos, era certo que havia pelo menos um
corpo de proposições em comum e era dentro desse contexto que se produziam os
conflitos entre as autoridades civis e as eclesiásticas. Porém os
anabatistas deitaram tudo isso por terra ao insistir numa igreja de caráter
voluntário, distinta da sociedade civil.
Destaco a expressão de
Gonzalez “pacifismo extremo” para esclarecer que os anabatistas eram apáticos
às questões que envolviam o patriotismo, o militarismo e participação na
política (seja ela qual fosse). O pacifismo estava associado a conduta de
não-violência e de não-resistência, práticas ilustres daqueles homens e
mulheres de Deus. Tal comportamento incomodava, pois os políticos e a sociedade
exigiam deles um parecer sobre os dilemas e as ocorrências da vida. Como eles
não participavam, eram objeto de ridicularização e perseguição, apesar de
serem, repito, pacíficos. A essa conduta dos irmãos suíços chamo de bom senso,
já que nenhum cristão deve fugir ao chamado de testemunhar. Eles o faziam sem
se interporem ao sistema político (como tentou fazer Munzter), mas conservando
os preceitos das Escrituras.
Assim, deveremos entender
que a participação do cristão no contexto eleitoral neste momento, seja através
de escritos, seja através de vias orais, seja pelos veículos de comunicação ou
de redes sociais deverá ser pautada na prudência para não comprometer sua
reputação enquanto fiel. O nome cristão, lembro, já não tem o significado de
outrora devido ao desabonado de práticas que o feriram e o deixaram à mingua e
à morte. Precisamos entender que temos um papel a desempenhar de forma
equilibrada e com bom senso. Aliás, é sobre isso que versa o título deste
comentário: equilíbrio e bom senso anabatista.
Gonzalez, Justo L. A era dos
Reformadores. Mundo Cristão.
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