Michael Sattler |
Ao vermos políticos elogiando os evangélicos pela postura
diante de questões ideológicas e políticas percebemos a sua intenção de formar
mais um reduto eleitoral devido às expectativas que essa comunidade coloca
sobre eles. Quando vemos o papa se aproximando das igrejas oriundas da Reforma
com um discurso ecumênico vemos uma tentativa de negar tudo quanto foi
defendido no despertar da fé no século XVI, apagando todas as manifestações de
indignação contra o catolicismo e tentando desqualificar as vertentes louváveis
que surgiram nesse tempo como foi o caso dos anabatistas suíços. Os anabatistas
suíços destacaram-se pela conduta simples e convicta pela qual viveram,
demonstrando uma fé inabalável e confiante em Cristo, refúgio sempre presente
para eles nos tempos mais turbulentos de sua História.
Nessa linha de pensamento,
consideramos os anabatistas vitoriosos porque quiseram portar-se na vanguarda
do Cristianismo. Isto significa que os anabatistas venceram a Reforma e as perseguições
instauradas naquele século, não provocando ninguém ao conflito religioso, mas
destacando quão importante foi o reaparecimento de uma vertente que se
preocupou em estabelecer o genuíno Evangelho, fazendo cair os pilares do
formalismo e religiosidade profanada pelas convenções apócrifas dos que se
julgavam donos e senhores da Igreja. Sua vitória, certamente, não foi em termos
de números em razão da cruel perseguição dos soberanos, endossada pelos
católicos e protestantes, que concordaram com a nefasta estratégia para
consumir os fiéis seguidores de Cristo, quase eliminou por completo esse
movimento singelo. Milhares foram executados, porém, os anabatistas
ganharam força e impactaram de forma duradoura porque suas convicções eram
sérias e fundamentadas nas Escrituras, apesar de serem condenadas como
subversivas. Concebe-se, então, que a mentalidade anabatista não era
inovadora, mas sim uma restauração do cristianismo primitivo.
Entrando no mérito da questão, os
anabatistas foram privados de liberdade religiosa, já que a religião
majoritária tinha esquecido o sentido de liberdade. Convencida de que o altar
(elemento sagrado) e o trono (elemento real) devem formar um todo integral,
entregou os supostos dissidentes ao estado para execução. Os anabatistas abominavam
a coerção em questões de fé, mas não relutavam nem praguejavam. Nas
palavras de um antigo ensinamento anabatista diziam: “Não pressionamos ninguém
que não se una à igreja por livre e espontânea vontade. Desejamos
persuadir as pessoas com palavras suaves. Não é uma questão de compulsão
humana de fora ou de dentro, pois Deus quer o serviço voluntário. Quem não
pode fazer isso com alegria e com prazer de sua alma, portanto, deve deixá-lo
em paz”. (1)
Mesmo oprimidos pelo sistema, a prática
do batismo como instrumento de registro civil foi rejeitada pelos anabatistas
porque o que estava em causa era a obediência à Palavra e não aos institutos
civis e governamentais. Eles praticavam o batismo de adultos demonstrando uma
celebração da liberdade religiosa, visto que somente poderiam ou deveriam ser
batizados aqueles que livremente escolhessem o caminho cristão com convicção e
certeza, algo no qual as crianças não eram capazes de assumir.
Eles tinham como referencial a igreja
primitiva que proibia todas as formas de matança, seja em guerra, seja em autodefesa,
seja pelo suicídio ou algo similar com base nas palavras de Jesus no Sermão da
Montanha e em seu próprio exemplo de não-resistência. Tal como acontece
com a liberdade religiosa, a igreja majoritária abandonou este ensinamento
depois que o Cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano. Após
isso, ordens da igreja obrigavam os soldados a serem cristãos, qualquer pessoa
poderia ingressar no seio da Igreja, tais como prostitutas, gladiadores,
espiões etc. Os frutos dessa mudança foram amargos: assassinatos em
massa, Cruzadas em Terra Santa, os genocídios e muito outros que foram
perpetrados em nome de Cristo.
Em 1527, o líder anabatista Michael
Sattler foi acusado em seu julgamento de heresia ao “encorajar” a invasão
islâmica da Europa e ao se recusar a lutar. No julgamento, Sattler
respondeu ao promotor: “Se os turcos vierem, não devemos resistir a
eles. Porque está escrito: ‘Não matarás’. Não devemos nos defender
contra os turcos e outros de nossos perseguidores, mas devemos suplicar a Deus
com fervorosa oração para repelir e resistir a eles ”.(2) Como resultado dessas
palavras, Sattler morreu na fogueira. Não foi a última morte por causa da
não-violência.
O porquê deste envolvimento com os
fatos e convicções de Atos, prova que para os anabatistas o cristianismo
primitivo não era apenas uma religião dominical ou um assunto
privado. Significava pertencer à comunhão dos discípulos, cujo modo de
vida era contra cultura, ou como disse John Drive, “Contra a corrente”. Em
termos práticos, isso significava participar de uma vida comunitária intensa,
mútua e disciplinada.
Para os católicos e protestantes da
era da Reforma, para quem a igreja e a sociedade quase se sobrepunham, a sugestão
de que a igreja deveria ser uma comunidade contra cultura teria parecido sem
sentido, pois o cristianismo misturado era a cultura, ou pelo menos
quase. Para os anabatistas, a comunhão de crentes ao Credo Apostólico era
para ser uma realidade cotidiana prática, não apenas espiritual. Eles se
inspiraram na primeira igreja em Jerusalém e viveram sujeitos às suas
instituições sem pestanejarem.
(1) Instrução batismal
huterita, ca. 1580, em Taufbüchlein , ed. Johannes Waldner
(cerca de 1800).
(2) Michael Sattler, “Trial”, em George H. Williams e AM
Mergal, Spiritual e Anabaptist Writers (Westminster, 1957), 141.
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