Muitas saudações apostólicas contêm
verdades preciosas da doutrina de Cristo. Uma delas se encontra direcionada à
Igreja de Filipos, contendo a seguinte expressão: “Tendo por certo isto mesmo,
que aquele que em vós começou a boa obra aperfeiçoará até o dia de Jesus Cristo”
(Filipenses 1:6). A partir dela, poderemos chegar a conclusões contundentes à
luz das Escrituras para justificar aspectos de suma importância para a
caminhada cristã.
Separando o objeto
central do texto, no caso, “a boa obra”, deveremos procurar o significado da
mesma, já que existem muitas coisas que podem ser arroladas como tal. Para
tanto, percebemos que o verbo “começar” e o verbo “aperfeiçoar” exercem função
primorosa para podermos identificar o sentido para o qual foram aplicados à “boa
obra”, pois ambos caracterizam, respectivamente, o marco inicial (fato
pretérito) e a ideia de perpetuação (futuro contínuo). Quando Jesus fez menção ao
termo, expressou-se com a seguinte definição: “... a obra de Deus é esta: que
creiais naquele que ele enviou” (João 6:29), exaurindo qualquer outra
interpretação. Portanto, verificamos que obra é a ação de Deus sobre alguém cujas
intenções voltaram-se completamente para Deus. Assim, inicia-se o processo da
caminhada cristã através do dom de salvação recebido pelo regenerado. De acordo
com Rienecker e Rogers, que explicitaram o significado do verbo aperfeiçoar no
futuro, a continuidade desta salvação dar-se-á até o fim, cumprindo seu
objetivo pleno, como também se deduz do texto, já que o mesmo fala do
aperfeiçoamento até o dia de Cristo.
O
processo de aperfeiçoamento no cristão, entretanto, não se configura como uma
ação unilateral, mas requer tanto uma ação de Deus, quanto uma reação do
discípulo, permitindo o fluxo da graça divina para seguir até o fim. Não
obstante, adversidades variadas se levantarão contra os que confessaram a Cristo,
permitindo-os pelejarem contra elas a fim de alcançarem êxito sobre toda
oposição. Paulo, o apóstolo, nos ensinou nestes termos e também sobre a perseverança na fé ao dizer: “Irmãos, quanto a mim, não
julgo que haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas
que atrás ficam, e avançando para as que estão adiante de mim, prossigo para o
alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Filipenses
3:13-14). Utilizando-se de uma linguagem coerente sobre a vocação cristã, o mesmo
apóstolo demonstra a necessidade de abstinência do que corruptível a fim de o
cristão não perder tempo com embaraços nem ser prejudicado na peleja cristã.
Aos coríntios disse: “E todo aquele que luta de tudo se abstém; eles (os que
correm em vão) o fazem para alcançar uma coroa corruptível; nós, porém, uma
incorruptível. Pois eu assim corro, não como a coisa incerta; assim combato,
não como batendo no ar” (I Coríntios 9:25-26). A perseverança dos santos é,
portanto, uma insígnia herdada da Igreja primitiva que com ousadia nunca
desistiu do serviço cristão, antes inspirou seus herdeiros na mesma perspectiva.
O
Anabatismo do século XVI teve a mesma convicção doutrinária. Estavam convictos
de servirem a Cristo até o fim, muito embora esse fim se apresentasse na forma
de perseguição, violência ou martírio. Nestas situações, a firmeza com que
enfrentaram pacificamente seus perseguidores e algozes demonstrou o nível
espiritual de cada homem e mulher anabatista. Descansavam na certeza de
alcançar o Reino Eterno e cultivavam a consciência de que não se perderiam no
caminho, pois iriam perseverar e sobrepor-se a qualquer obstáculo. Algumas
breves instruções de Hans Schlaffer revelam esse caráter entre os irmãos:
Como
disse Paulo, estes são os cristãos que pensam igual a Cristo: se armam para o
sofrimento, não se embaraçam nas coisas do mundo, não se envolvem nas obras das
trevas, mas cumprem as obras da luz, não se envergonham de seu mestre Jesus nem
de suas palavras, antes seguem as mesmas palavras (segundo a medida da graça de
cada um). Por isso, Ele não se envergonhará deles diante de Deus, seu Pai
celestial, e de seus anjos, como ele mesmo disse... Se alguém quiser me seguir,
disse o Senhor, negue-se, tome a sua cruz diariamente e siga-me. Em suma, um
cristão é um seguidor de Cristo. Isso não pode ser alterado, ainda que o mundo
acabe em ruínas... Por isso, os cristãos levantam suas cabeças e esperam sua
redenção com alegria. Essa redenção virá quando Cristo regressar para julgar os
vivos e os mortos.
Na
instrução de Schlaffer, verifica-se um encorajamento para que todos os seus
leitores anabatistas atentassem para a perseverança até o fim, uma vez que conservar
a fé e a instrução bíblica na forma prescrita capacitava o seguidor a viver
na certeza da vida eterna para o enfrentamento da dura caminhada. Não há, porém,
a possibilidade de quebra do vínculo com Deus ao ponto de se perder tudo
alcançado. Sobretudo, o fiel levaria até as últimas consequências sua profissão
de fé, não se sujeitando nem às autoridades políticas, muitas vezes contrárias à Palavra, nem às religiosas cujo
poder era exercido com coercitividade e força contra aqueles que não se
adequaram ao dogmatismo religioso nem a subserviência estatal. Essa seria uma
característica do discípulo de Cristo que observava o preceito bíblico
incondicionalmente, bem como, o desvencilhamento da vida profana. O ex-padre
católico e anabatista confesso soube propor com maestria o ensino objetivo ou
com toda simplicidade que a pregação de Cristo exige. Provou, ainda, através de
sua morte, as convicções perseverantes aludidas, não negando sua preciosa fé
nem se retratando das críticas ao batismo infantil católico. Hans Schlaffer
morreu queimado na estaca em 1528.
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