Os domingos eram os
principais dias de evangelismo na Piedade. Não havia muitos irmãos dispostos
naquele primeiro ano para o evangelismo pessoal. No entanto, o contingente
deficiente era sobrepujado pela ousadia dos poucos. O problema da ausência no
evangelismo era o trabalho e os estudos, além de alguns que tinham seus
afazeres domésticos por serem casados. Passemos a alguns fatos.
Um dos novos
convertidos de outubro/89 ainda não tinha tido a experiência com o evangelismo,
talvez pelo problema da timidez. No final do mês de novembro/89 teve um sonho
que mudou essa história. Enquanto dormia teve um vislumbre no qual descia
rapidamente do patamar físico para uma realidade espiritual inferior. Ao chegar
naquele ambiente depreciativo via muitos olhares de sujeitos enegrecidos sem
reações, mas duas daquelas “almas” fitavam-lhe o olhar. Estremeceu e imediatamente
foi arrebitado, acordando em seguida. Ficou pensativo e impactado. Nada
entendeu no momento. Os dias se passaram e ele continuou inerte à
evangelização. Repentinamente, duas pessoas próximas morreram praticamente ao
mesmo tempo. Quando isto aconteceu, lembrou-se do sonho e entendeu a
necessidade de sair e pregar o Evangelho. Nos primeiros dias ficou travado, mas
não demorou muito para que começasse a pregar e a discutir com seus
ex-professores de crisma na pracinha da Piedade. Esses ficavam surpresos com a discussão,
inclusive uma delas chamada Maria Luiza.
Lembro-me que
passamos a frequentar a pracinha em frente da igreja da Piedade entre 17h e
18h30, semanalmente no domingo. Era uma multidão que entrava e saía das missas,
enquanto nós resistíamos aos olhares de injúria e indignação; um pequeno grupo
de rapazes franzinos sem muita expressão fincava os pés ali e não se
intimidavam diante da turba agitada. Flávio era o mais decido e firme. Tinha um
compromisso louvável com a pregação e com a oração. Espelhávamo-nos naquele
jovem homem. Sua palavra era muito forte e inspirava confiança. Ouvintes
tremiam ao ouvi-lo pregar. A unção de Deus sobre sua vida era tão maravilhosa
que meses depois, enquanto evangelizava com Benedita(uma nova convertida) na
Vila Arão, pregou para um jovem que sentiu o poder de Deus em suas palavras.
Aquele moço incrédulo começou a chorar e não continha suas lágrimas. Benedita
ficou boquiaberta, pois nunca tinha visto uma manifestação como aquela.
Henrique, um adolescente problemática do bairro agora convertido, fazia do
evangelismo pessoal uma ponte para salvação até de quem não quisesse nos ouvir.
Ficava inquieto em estar na pracinha. Não se continha, subia os degraus da
“babi”[1] e
entrava templo adentro para evangelizar os que estavam sentados ouvindo as
palavras mortas do sacerdote sem Deus. Em alguns momentos, foi repreendido do
altar e levado à força para fora. Numa discussão, deixou um padre embaraçado,
pois quis explicar a razão de sua atitude, informando que aquelas pessoas
estavam indo para o inferno. Ao que o padre respondeu que levá-las para o
inferno era competência dele, usando outras palavras. Henrique, muito esperto, aproveitou-se
das palavras infelizes daquele homem e voltando-se para os que ouviam a
confusão proferiu: “Estão vendo para onde ele quer levar vocês?”. Aquilo deixou
o sujeito enfurecido e o Henrique ficou marcado, conhecido e proibido de entrar
no templo. Razão essa que quando chegávamos ali nas tardes de domingo, um clima
de preocupação se instaurava de ambos os lados. Não era nossa pretensão
prejudicar ninguém nem causar transtornos. Apenas queríamos pregar a salvação
para quem não tinha.
Outra ação que chamou
grande atenção era a “operação desfaz TJ”. Consistia em bater de porta em
porta, após a visita de alguma testemunha de Jeová a determinada casa para
desfazer o que eles tinham ensinado. Para isto, tínhamos um folheto denominado
“testemunhas de quem?”. Não nos demorávamos, pois entendíamos o incômodo das
pessoas levantarem-se cedo no domingo para abrir a porta para um estranho. Até
hoje não sei como o Henrique sabia previamente o roteiro de evangelização
deles, mas sei que era preciso na informação. As testemunhas de Jeová que nos
viam atrás deles não queriam acreditar no que estávamos fazendo. Isso gerou
debates do Henrique com Sandra (uma loira magrinha), frequentadora do salão na
João Cordeiro. Era uma moça muito inteligente, mas não cedia, por mais que
fosse vencida pela argumentação do Henrique. Henrique era o mais versado entre
nós e considerávamos seu conhecimento abaixo apenas do jovem Glauco que também
era uma fonte de conhecimento bíblico e de Deus. Outra testemunha de Jeová que
debateu muito com o Henrique foi o Mocinho, também muito conhecedor do jeovismo,
sendo capaz de embaraçar qualquer pessoa despreparada. Com o Henrique, o
negócio era outro. Vibrávamos com os debates. Muitos anos depois, ficamos
agradecidos a Deus pela vida do Mocinho, pois havia se convertido e frequentou
alguns cultos na capela da Piedade.
[1]
Termo que identificava a igreja católica e abreviação para a grande Babilônia
de Apocalipse, aquela que se prostituiu com os reis da terra e virou covil de
demônios.
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