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sábado, 26 de janeiro de 2013

Entendendo o Calvinismo emergente


Atualmente, existe uma grande onda de calvinismo emergente. Os seus defensores ganharam fôlego durante o governo de Bush nos EUA. No parágrafo seguinte, eu explico a razão desse “avivamento” calvinista.
O calvinismo ortodoxo tem uma visão escatológica pós-milenista, ou seja, acredita que a igreja, por militância em todas as áreas, vai mudar a sociedade ANTES da vinda de Jesus. Foi esse tipo de visão que influenciou a Revolução Puritana ocorrida na Inglaterra do século XVII sob a influência de Cromwell. Em tempos mais recentes, essa posição pós-milenista foi fortemente defendida pelos calvinistas holandeses, discípulos de Kuyper.
O otimismo calvinista perdeu muita força com as duas guerras mundiais, a ameaça comunista e a secularização. Nesse momento, o dispensacionalismo dos batistas gerais (não calvinistas) e dos pentecostais ganhou maior influência.
A ameaça islâmica trouxe aos americanos a idéia de uma luta religiosa em nível global. O governo de Bush foi marcado pela influência da perspectiva religiosa nas decisões políticas, pela esperança de cristianização das instituições e pelo retorno do ensino criacionista nas escolas públicas. Isso tudo trouxe o pós-milenismo de volta, dando ao calvinismo muita força. Como, no meio evangélico norte-americano, os calvinistas representam uma elite econômica, eles resolveram desembolsar grandes somas para a divulgação do calvinismo. Muitas editoras evangélicas importantes ficaram inclusive sob o controle de censores calvinistas.
Os EUA têm o seu histórico religioso mapeado por condições políticas e sociais. Assim, os séculos XVIII e XIX foram marcados pela influência de metodistas e batistas, enquanto o século XX relevou a força do pentecostalismo, o qual encontrou o seu auge na década de 80. Agora, é a chance dos neocalvinistas.
O sonho calvinista de dominar as instituições (teonomia) pela militância (inclusive, política) leva a uma tendência para a intolerância, enquanto a visão elitista da eleição eterna cria um sentimento de superioridade. Eis as grandes tentações a serem vencidas pelo calvinismo emergente.
Os nossos irmãos calvinistas costumam ressaltar que figuras emblemáticas do movimento evangélico, como Jonathan Edwards, George Whitefield e C. H. Spurgeon, foram calvinistas, para não falar no próprio Calvino e, mais ou menos, em Lutero. A partir daí, em uma indução apressada, eles concluem que todos os cristãos ortodoxos ao longo da história foram calvinistas.
Os fatos revelam coisa bem diferente. Todos os pais da igreja até Agostinho ensinaram coisas incompatíveis com a interpretação calvinista da predestinação. Todos os estudiosos de Agostinho reconhecem que o mestre de Hipona teve duas fases. Na primeira, ele não ensinava o que veio a ser chamado de calvinismo. Na segunda, o zelo de combater a heresia pelagiana o levou ao extremo oposto e ele defendeu algo próximo do que veio a ser chamado de calvinismo. Nessa fase, ele se mostrou notadamente intolerante, incentivando a perseguição aos dissidentes.
É bom dizer que, se Agostinho foi um “calvinista”, ele foi um “calvinista incoerente”, pois manteve muitas afirmações incompatíveis com o ensino de Calvino, mesmo na segunda fase de seu pensamento. Tanto Calvino nas “Institutas” como os calvinistas conscientes admitem o fato.
O famoso historiador protestante Justo L. Gonzalez afirma que poucos teólogos importantes da Idade Média reproduziram o ensino determinista de Agostinho.
No movimento evangélico, os anabatistas tinham uma interpretação não calvinista da predestinação. Lutero ensinou algo dúbio, pois o seu “Deus revelado” era compreendido arminianamente, enquanto o seu “Deus abscôndito” era entendido de modo calvinista. Felipe Melanchton, companheiro e sucessor de Lutero, opôs-se à interpretação restritiva da predestinação, entrando em tensão com o calvinismo. R. T. Kendall explica que o próprio Calvino defendeu a expiação universal (embora defendesse a predestinação absoluta) e que a doutrina da expiação limitada foi fruto da “modificação puritana da Teologia de Calvino”. O próprio Arminius foi um homem profundamente piedoso e um grande teólogo de formação calvinista que rompeu com a teologia de Calvino. Aproveitamos a oportunidade para dizer que, diferentemente dos arminianos subsequentes, Arminius defendeu a perseverança dos santos e a segurança eterna dos salvos.
Entre os não inteiramente calvinistas (já que concordamos em muitos pontos com o calvinismo), podemos ainda colocar o puritano Richard Baxter, John Bunyan (autor de “O Peregrino”), John Wesley, Charles Wesley, Charles Finney, D. L. Moody e Billy Graham (embora o último seja uma figura controversa).
Atualmente, importantes autores calvinistas estão em evidência, como Sproul e Pieper. No entanto, devemos lembrar que grandes apologetas da fé cristã na atualidade não são calvinistas (embora, como nós, insistam que o crente não perde a sua salvação). Entre eles, nós encontramos: Norman Geisler, Gary Habermas, William Lane Craig e Dave Hunt. Geisler e Hunt já escreveram, por exemplo, livros inteiros em refutação ao calvinismo, além de terem participado de vários debates sobre o assunto.
Alvin Platinga foi considerado o “principal filósofo protestante ortodoxo nos EUA” pela revista “Time”. É professor da Universidade de Notre Dame. Formado na tradição reformada holandesa, ele era o orgulho do calvinismo. No entanto, quando era professor no Calvin College (Faculdade Calvino), instituição de referência do calvinismo americano, ele publicou um livro sobre o livre-arbítrio, notadamente anti-calvinista. O calvinista John Frame chegou mesmo a dizer que ele defendeu o conceito arminiano de liberdade.
Entre os batistas, nós temos duas posições. Os batistas mais antigos, provenientes dos anabatistas (que podem legitimamente traçar uma linha sucessória desde a igreja apostólica), são chamados batistas gerais e não são calvinistas. Os batistas particulares são os outros. Eles são calvinistas e vieram dos puritanos (dos congregacionais mais exatamente). Na sociedade inglesa dos séculos XVII e XVIII, berço dos batistas americanos, os batistas gerais eram a maioria (pelo menos inicialmente), mas eram os mais pobres. Os batistas particulares eram da elite econômica e foram influentes nos campos político e institucional. Por sua posição, fizeram os ensinos de Calvino prevalecer, mas, numa geração seguinte, os batistas gerais voltaram a ser maioria.
Esse breve resumo histórico teve por objetivo mostrar que nós (não calvinistas estritos) não temos que nos sentir acabrunhados diante da grande pressão psicológica do calvinismo emergente. Como batistas gerais, por sua vez, queremos deixar claro que continuamos a sustentar a perseverança dos santos, pois um verdadeiro crente não deixa de perseverar, não perde a salvação!

            Dr. Glauco Barreira Magalhães Filho
Mestre em Direito (UFC), Doutor em Sociologia da Religião (UFC), Livre Docente em Filosofia (UVA), Th. D. (Doutor em Teologia) pela Ethnic Christian Open University, Pós-Graduado em Teologia Histórica e Dogmática (FAERPI), DIRETOR DO INSTITUTO PIETISTA DE CULTURA