O Jornal Tocha da Verdade é uma publicação independente que tem como objetivo resgatar os princípios cristãos em toda sua plenitude. Com artigos escritos por pastores, professores de algumas áreas do saber e por estudiosos da teologia buscamos despertar a comunidade cristã-evangélica para a pureza das Escrituras. Incentivamos a prática e a ética cristã em vistas do aperfeiçoamento da Igreja de Cristo como noiva imaculada. Prezamos pela simplicidade do Evangelho e pelo não conformismo com a mundanização e a secularização do Cristianismo pós-moderno em fase de decadência espiritual.

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Um juiz perseguidor e sanguinário

 


A Inquisição lançou um regime de terror na Espanha. Pessoas podiam ser convocadas de suas casas e levadas a um local secreto para interrogatório simplesmente com base em uma denúncia anônima feita às autoridades da Inquisição. Os acusados eram mantidos no escuro para que não pudessem ver seus acusadores ou juízes, e depoimentos que normalmente seriam desconsiderados em um tribunal – de ladrões, excomungados ou criminosos – eram aceitáveis. O acusado não tinha permissão para ter um advogado ou assistente jurídico para ajudá-lo em seu caso, uma vez que eles também seriam vistos como cúmplices de heresia pelo tribunal. Eles também eram obrigados a fazer um juramento de verdade antes de depor, e a recusa em proferir o juramento era motivo automático para prisão. O auto-de-fé, ou uma fogueira pública em massa de descrentes, começou a ocorrer com frequência alarmante.

Em 1483, Torquemada tornou-se Grande Inquisidor de Castela e, em 17 de outubro de 1483, Fernando o nomeou inquisidor-chefe de Aragão. Ele convocou uma assembleia geral dos outros inquisidores em 1484, em Sevilha, e deu-lhes um esboço com 28 pontos para conduzir suas investigações. Em 1488, foi nomeado chefe do “Consejo de la Suprema y General Inquisicion”, o que lhe concedeu poderes papais virtuais sobre grande parte da Espanha. Nada poderia ocorrer sem sua aprovação, incluindo uma pena de prisão, uma ordem de excomunhão ou um auto de fé; ele também controlava os padres e bispos, e até mesmo perseguiu alguns deles como hereges. A oposição permaneceu forte em muitos lugares; em algumas cidades, famílias judias ou conversos haviam alcançado destaque na política e nas finanças e se manifestado contra os métodos da Inquisição, que incluíam formas hediondas de tortura, embora sem derramamento de sangue, segundo a lei da Igreja. Os judeus, no entanto, eram imunes à acusação da Inquisição, já que era um tribunal eclesiástico encarregado de determinar heresia dentro de suas próprias fileiras.

Abuso de poder

O terror e a ilegalidade oficialmente sancionados da Inquisição eram o resultado da violação de vários princípios de direitos humanos. O promotor e o juiz eram a mesma pessoa, o que o obrigava a manter as acusações contra o réu a todo custo. Em segundo lugar, todos os suspeitos eram presumidos culpados, e Torquemada instruiu seus juízes que uma pessoa poderia ser aparentemente muito devota, mas em seu coração poderia ser descrente; era papel do juiz fazer uma série de perguntas sobre tópicos teológicos para determinar sua verdadeira crença. Se o réu ainda professasse sua inocência – ou seja, sua crença no cristianismo conforme ditado pela Igreja – ele poderia ser preso por um período indeterminado. Aqueles que sobreviviam, confessavam e eram libertados eram forçados a usar um sanbenito, ou vestimenta penitencial especial com um grande "X". Os condenados e excomungados podiam apelar à Santa Fé em Roma, mas Torquemada também tinha jurisdição sobre todos os recursos. Os bens dos condenados eram apreendidos pelos inquisidores em nome do Estado e, em outros casos, subornos eram pagos para sua libertação.

imagem do site: https://historiablog.org/2023/07/04/a-intolerancia-assassina-de-tomas-de-torquemada/

O papel de Torquemada como Grande Inquisidor permitiu-lhe implementar implacavelmente essas políticas em toda a Península Ibérica. Estudiosos estimam que, sob a liderança de Torquemada, entre 2.000 e 8.800 espanhóis foram queimados na fogueira. Seus poderes às vezes invocavam a ira de Roma, mas ele era aliado próximo de Fernando e Isabel, determinados a erradicar os problemas religiosos da Espanha, livrando completamente os reinos dos não cristãos. Um grande número dos convocados perante os tribunais da Inquisição era conversos; na Catalunha, 1.199 foram julgados entre 1488 e 1505, e 1.191 deles eram conversos. Alguns judeus resolveram antigas contas, mentindo sobre conversos que os tratavam com desdém e acusando os novos cristãos de praticarem costumes judaicos em segredo.


quinta-feira, 3 de julho de 2025

Aslan com voz feminina?



Recentemente (03/04/2025), o site “Omelete” (https://www.omelete.com.br/filmes/as-cronica-de-narnia-netflix-greta-gerwig-pode-ter-meryl-streep-como-aslan-diz-site) divulgou a informação de que na nova produção da Netflix sobre “As crônicas de Nárnia” o grande Leão Aslan poderá ter voz feminina. A conceituada atriz Meryl Streep, ganhadora do Oscar, seria a escolha para a nova proposta. Essa ideia de Aslan ter uma voz feminina, no entanto, é uma interpretação que pode gerar discussões acaloradas uma vez que Aslan é frequentemente associado à figura messiânica de Jesus, portanto, assumindo uma característica masculino. Sua voz e aparência masculinas são importantes para a caracterização tradicional do personagem e alterá-la geraria prejuízo à obra.  

Uma crítica segura

Em "As Crônicas de Nárnia", Aslan é frequentemente visto como uma alegoria de Jesus Cristo e sua voz e aparência masculinas são necessárias na intenção de C.S. Lewis para a interpretação cristã do personagem. A masculinidade de Aslan é um elemento importante para demonstração de um líder forte e protetor, além de reforçar sua conexão com as características assumidas por Jesus ao longo de sua trajetória. 

A ideia de uma voz feminina para O PRINCIPAL personagem do conto, Aslan, abre espaço para uma nova interpretação do personagem, tornando a peça uma obra apócrifa haja vista o teor de sua origem e a carga sagrada contida na obra principal. C.S. Lewis ao retratar Aslan com masculinidade não pretendia e nem pensava em uma característica feminina para o personagem. Isso já seria o suficiente para ignorar qualquer proposta nesse sentido. E essa nova interpretação consiste em mais uma tomada da propaganda “woke” para descaracterização do tradicional. É a tal chamada desconstrução que em vias de querer assumir um papel relevante cai em meio ao descrédito. Há coisas que não devem ser mudadas porque causam mais prejuízo do que bem.   

Antes de alguém gemer com nossa opinião, o feminino é bastante exaltado na obra original. Basta olharmos para a singularidade de Lúcia e Suzana desde sua infância até a fase adulta na realeza. Não foi à toa que foram chamadas de as grandes rainhas dos áureos tempos de Nárnia.  

O elogio ao feminino

 


Lúcia Pevensie é frequentemente caracterizada como uma personagem sensível, um dos aspectos mais vislumbrantes do ser feminino. De igual modo, verificamos uma natureza gentil, uma forte crença em Nárnia e em Aslan e uma capacidade de enxergar aquilo que seus irmãos não conseguem ver. Assim, Lúcia é bem mais intuitiva e sensível, capaz de perceber a presença de Aslan mesmo quando os outros não conseguem. Ela demonstra grande empatia e cuidado com as criaturas de Nárnia, estabelecendo laços de amizade com muitas delas. Lúcia, por ser perseverante e ter um coração sempre centrado no que aprendeu, nunca perde a fé em Nárnia e em Aslan, mesmo quando confrontada com a descrença dos outros, o que pode ser visto como uma manifestação de sua sensibilidade e intuição. Apesar de sua sensibilidade, Lúcia também demonstra coragem e determinação, especialmente quando se trata de defender seus amigos e proteger Nárnia. Não foi sem razão que num diálogo com Aslan, em “O Príncipe Caspian”, nos deparamos com uma rica argumentação sobre coragem, crê e continuar a crê mesmo diante das dúvidas (nesse momento Nárnia estava tomada de falta de esperança e fé):

“Aslam! Eu sabia que era você, o tempo todo eu sabia! Mas os outros não acreditaram em mim. — Lúcia afagava a juba do leão que tanto esperava. — E por que isso a impediu de vir até a mim? — Aslam se pôs de pé e sua juba brilhava ao sol como ela jamais tinha visto. Ele também crescera, estava maior. — Desculpa! Eu estava com medo de vir sozinha. Por que você não se mostrou? Por que não chegou rugindo e se mostrou como na última vez? — Nada acontece duas vezes da mesma maneira. — Ele respondeu, antes de continuar. — E se eu estivesse vindo antes… Todos que morreram… Eu teria impedido? — Aslam adiantou-se, balançando a juba e olhando a garotinha nos olhos — Nunca saberemos o que teria acontecido, Lúcia. O que vai acontecer, no entanto, é bem diferente. Então você vai ajudar? — Lúcia parecia confusa. — Mas é claro. E você também. — Hã… eu queria ter mais coragem. — Se tivesse mais coragem, você seria uma leoa, e bom, suas amigas já dormiram bastante, não acha? — Dito isso, Aslam emitiu um rugido que fez toda Nárnia estremecer. Era um rugido de libertação. As árvores voltariam a dançar.” 

Essas características tornam a personagem Lúcia alguém sensível, forte e corajosa, uma genuína inspiração feminina para os outros personagens que a cercam e para nós leitores. 

A obra original deve ser respeitada

 


É importante manter a voz masculina de Aslan porquanto é um elemento importante da obra de C.S. Lewis. Mudanças drásticas alterarão a percepção do personagem e da história. Não fará sentido! Além do mais, o conto trouxe o encantamento que temos hoje exatamente pelo que ele é e foi imaginado. Tanto crianças como adultos foram contagiados pela essência infantil das histórias com a orientação da figura “paterna” que protege, orienta, tem cuidado dos seus e foi capaz de oferecer um sacrifício de si mesmo em substituição de uma criança. Perder esse ar e esse clima simbólico mais voltado para o masculino rompe para o descrédito.   

Conclusão

Em resumo, uma voz feminina para Aslan desconstruiria o real sentido do personagem, remetendo, principalmente, os telespectadores para aquilo que Aslan não é e nunca foi idealizado para ser. A obra perde o cerne do seu conteúdo. É importante considerar a importância da voz masculina de Aslan na caracterização tradicional do personagem porque foi assim que o autor C.S. Lewis o idealizou. Ceder a uma agenda “woke” só trará prejuízo a obra. Lembremos que a descaraterização de “Branca de Neve” produzida há alguns meses foi um fracasso exatamente devido a mudanças semelhantes. Nosso consolo? Acreditamos que a série da BBC foi a que melhor levou os livros para as telas. É uma ótima opção para quem quer assistir. Mas, sobretudo, ainda bem que temos os livros. Nada melhor do que fazer uso deles e viajarmos pela imaginação coerente de C.S.Lewis.


Heládio Santos