O Jornal Tocha da Verdade é uma publicação independente que tem como objetivo resgatar os princípios cristãos em toda sua plenitude. Com artigos escritos por pastores, professores de algumas áreas do saber e por estudiosos da teologia buscamos despertar a comunidade cristã-evangélica para a pureza das Escrituras. Incentivamos a prática e a ética cristã em vistas do aperfeiçoamento da Igreja de Cristo como noiva imaculada. Prezamos pela simplicidade do Evangelho e pelo não conformismo com a mundanização e a secularização do Cristianismo pós-moderno em fase de decadência espiritual.

sábado, 13 de outubro de 2018

O diferencial Anabatista

Michael Sattler

Ao vermos políticos elogiando os evangélicos pela postura diante de questões ideológicas e políticas percebemos a sua intenção de formar mais um reduto eleitoral devido às expectativas que essa comunidade coloca sobre eles. Quando vemos o papa se aproximando das igrejas oriundas da Reforma com um discurso ecumênico vemos uma tentativa de negar tudo quanto foi defendido no despertar da fé no século XVI, apagando todas as manifestações de indignação contra o catolicismo e tentando desqualificar as vertentes louváveis que surgiram nesse tempo como foi o caso dos anabatistas suíços. Os anabatistas suíços destacaram-se pela conduta simples e convicta pela qual viveram, demonstrando uma fé inabalável e confiante em Cristo, refúgio sempre presente para eles nos tempos mais turbulentos de sua História.
Nessa linha de pensamento, consideramos os anabatistas vitoriosos porque quiseram portar-se na vanguarda do Cristianismo. Isto significa que os anabatistas venceram a Reforma e as perseguições instauradas naquele século, não provocando ninguém ao conflito religioso, mas destacando quão importante foi o reaparecimento de uma vertente que se preocupou em estabelecer o genuíno Evangelho, fazendo cair os pilares do formalismo e religiosidade profanada pelas convenções apócrifas dos que se julgavam donos e senhores da Igreja. Sua vitória, certamente, não foi em termos de números em razão da cruel perseguição dos soberanos, endossada pelos católicos e protestantes, que concordaram com a nefasta estratégia para consumir os fiéis seguidores de Cristo, quase eliminou por completo esse movimento singelo. Milhares foram executados, porém, os anabatistas ganharam força e impactaram de forma duradoura porque suas convicções eram sérias e fundamentadas nas Escrituras, apesar de serem condenadas como subversivas. Concebe-se, então, que a mentalidade anabatista não era inovadora, mas sim uma restauração do cristianismo primitivo. 
Entrando no mérito da questão, os anabatistas foram privados de liberdade religiosa, já que a religião majoritária tinha esquecido o sentido de liberdade. Convencida de que o altar (elemento sagrado) e o trono (elemento real) devem formar um todo integral, entregou os supostos dissidentes ao estado para execução. Os anabatistas abominavam a coerção em questões de fé, mas não relutavam nem praguejavam. Nas palavras de um antigo ensinamento anabatista diziam: “Não pressionamos ninguém que não se una à igreja por livre e espontânea vontade. Desejamos persuadir as pessoas com palavras suaves. Não é uma questão de compulsão humana de fora ou de dentro, pois Deus quer o serviço voluntário. Quem não pode fazer isso com alegria e com prazer de sua alma, portanto, deve deixá-lo em paz”. (1)
Mesmo oprimidos pelo sistema, a prática do batismo como instrumento de registro civil foi rejeitada pelos anabatistas porque o que estava em causa era a obediência à Palavra e não aos institutos civis e governamentais. Eles praticavam o batismo de adultos demonstrando uma celebração da liberdade religiosa, visto que somente poderiam ou deveriam ser batizados aqueles que livremente escolhessem o caminho cristão com convicção e certeza, algo no qual as crianças não eram capazes de assumir.  
Eles tinham como referencial a igreja primitiva que proibia todas as formas de matança, seja em guerra, seja em autodefesa, seja pelo suicídio ou algo similar com base nas palavras de Jesus no Sermão da Montanha e em seu próprio exemplo de não-resistência.  Tal como acontece com a liberdade religiosa, a igreja majoritária abandonou este ensinamento depois que o Cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano. Após isso, ordens da igreja obrigavam os soldados a serem cristãos, qualquer pessoa poderia ingressar no seio da Igreja, tais como prostitutas, gladiadores, espiões etc. Os frutos dessa mudança foram amargos: assassinatos em massa, Cruzadas em Terra Santa, os genocídios e muito outros que foram perpetrados em nome de Cristo.
Em 1527, o líder anabatista Michael Sattler foi acusado em seu julgamento de heresia ao “encorajar” a invasão islâmica da Europa e ao se recusar a lutar. No julgamento, Sattler respondeu ao promotor: “Se os turcos vierem, não devemos resistir a eles. Porque está escrito: ‘Não matarás’. Não devemos nos defender contra os turcos e outros de nossos perseguidores, mas devemos suplicar a Deus com fervorosa oração para repelir e resistir a eles ”.(2) Como resultado dessas palavras, Sattler morreu na fogueira. Não foi a última morte por causa da não-violência. 
O porquê deste envolvimento com os fatos e convicções de Atos, prova que para os anabatistas o cristianismo primitivo não era apenas uma religião dominical ou um assunto privado. Significava pertencer à comunhão dos discípulos, cujo modo de vida era contra cultura, ou como disse John Drive, “Contra a corrente”. Em termos práticos, isso significava participar de uma vida comunitária intensa, mútua e disciplinada.
Para os católicos e protestantes da era da Reforma, para quem a igreja e a sociedade quase se sobrepunham, a sugestão de que a igreja deveria ser uma comunidade contra cultura teria parecido sem sentido, pois o cristianismo misturado era a cultura, ou pelo menos quase. Para os anabatistas, a comunhão de crentes ao Credo Apostólico era para ser uma realidade cotidiana prática, não apenas espiritual. Eles se inspiraram na primeira igreja em Jerusalém e viveram sujeitos às suas instituições sem pestanejarem.

(1) Instrução batismal huterita, ca. 1580, em Taufbüchlein , ed. Johannes Waldner (cerca de 1800).
(2) Michael Sattler, “Trial”, em George H. Williams e AM Mergal, Spiritual e Anabaptist Writers (Westminster, 1957), 141.

Nenhum comentário:

Postar um comentário