O Jornal Tocha da Verdade é uma publicação independente que tem como objetivo resgatar os princípios cristãos em toda sua plenitude. Com artigos escritos por pastores, professores de algumas áreas do saber e por estudiosos da teologia buscamos despertar a comunidade cristã-evangélica para a pureza das Escrituras. Incentivamos a prática e a ética cristã em vistas do aperfeiçoamento da Igreja de Cristo como noiva imaculada. Prezamos pela simplicidade do Evangelho e pelo não conformismo com a mundanização e a secularização do Cristianismo pós-moderno em fase de decadência espiritual.

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Lendo as gravuras de Jan Luyken

Martírio de Anneken de Vlaster

A arte tem um poder grandioso para fornecer inúmeras informações, principalmente aquelas que retratam momentos emblemáticos da trajetória histórica de algum movimento ou de alguma pessoa. Iniciado no século XVI, o Renascimento, por exemplo, resgata a cultura clássica greco-romana demonstrando uma significativa mudança do comportamento Medieval no ingresso do Moderno. Podemos dizer que a arte renascentista passa a ter um olhar crítico, racional e retratador, gravando nas telas ações carregadas de símbolos.
A obra de Jan Luyken retratando a morte de Anneken de Vlaster tem muito a nos dizer quando fazemos uma leitura da gravura. Podemos encontrar certas mensagens não ditas, mas expressas, capazes de identificar o movimento anabatista e o valor a ele atribuído que o consolidou como Reforma Radical, proposta em meio a Reforma Protestante e a contrarreforma. Na expressão artística de Luyken, uma mulher frágil diante do espantoso fogo é o que marca nossa primeira visão, porém há outras às margens desta constatação. A gravura retrata o suplício de Anneken que vivia na Holanda e foi severamente torturada em 27 de outubro de 1571, sendo martirizada em praça pública na cidade de Dam, no dia 10 do mês seguinte.
O ápice da gravura é a ilustração da fúria tirânica desenhada contra um movimento pacífico e representado pela frágil e destemida mulher (uma caracterização muito favorável ao Anabatismo por sinal). O fogo representa o elemento constrangedor e avassalador cuja finalidade era mover o condenado de sua posição original para se sujeitar ao dogmatismo dos seus algozes. É a chamada retratação religiosa. Retratar-se significava para o indivíduo repudiar as convicções anabatistas e reverenciar a inquisição e seus instrumentos de tortura, assumindo a convicção dos seus acusadores, muito embora a pena imposta não fosse perdoada. Para isso, os inquisidores queriam ver o medo estampado nos rostos sofridos, por isso trabalhavam para produzir e desenvolver tão depreciativo sentimento através do flagelo com o fim de exterminar qualquer convicção avessa ao dogma cristalizada, muito embora o movimento anabatista objetivasse resgatar os pilares primitivos encontrados na Igreja de Atos. O clima tenebroso de obscurantismo, também, incutido pela igreja católica ajudava no aprisionamento das mentes e de sua alienação de tal modo que qualquer digressão à submissão católica era tida como agressão aos institutos invioláveis do clero. Assim, incitavam o medo e o terror para banir os indesejados.
Apesar de Anneken ter sido condenada a morrer enlaçada e humilhada numa escada, não cedeu àquele quadro devastador de falta de esperança, mas transmitiu em seu semblante algo bastante diferente. Na sua visão, o fogo não “derreteu” seu coração nem pareceu abrasar seu corpo. A chama da fogueira, por mais quente que estivesse, não foi capaz de exterminar com sua firme fé. Ao olharmos para sua face, vemos um olhar piedoso, mirando para o alto e inspirando um suspiro em nós de que havia uma enorme certeza em seus olhos. A escada passa a ser o elo de transposição entre a terra e o céu: a elevação simbólica alinhada com a firme convicção por ela defendida. Aquela representação denota que nada nesta vida seria capaz de minorar sua confiança de vida eterna. Muito embora deixasse para trás entes e amigos, apropriou-se desde o início de seu sofrimento da certeza em Cristo na qual indica o caminho certo para o céu. Sua serenidade exalta a simplicidade e convicções anabatistas. Deste modo, ao renunciar as propostas de seus inquisidores, reafirmou publicamente suas convicções, ou seja, na iminência do martírio, ela ousou guardar tudo quanto havia aprendido, além de não delatar nenhum dos irmãos de sua Igreja.

Quantas lições mais poderemos extrair dos ícones anabatistas ilustrados nas gravuras de Jan Luyken quando olharmos para ela e refletirmos sobre tudo posto na imagem? Muitas! Vale salientar que este exercício não beira a idolatria, antes é uma forma de leitura através de obras artísticas, assim concebida desde sua criação para essa finalidade, pelas quais verificamos a exaltação da espiritualidade cristã e anabatista.                

Nenhum comentário:

Postar um comentário